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No campo da educação, entendemos as possibilidades de construção do conhecimento humano de forma ativa por parte dos estudantes. Entendemos a pedagogia como à ciência que busca perceber as melhores maneiras de conjugar nossa intenção de ensino aos processos e ferramentas que utilizamos neste processo. Esta palavra remonta ao termo grego originário da junção de duas palavras, paidos (criança) e agein (conduzir). Diversos pesquisadores, ao tratar das possibilidades do uso do cinema na educação, dizem da possibilidade de construção de uma

pedagogia do cinema.

Leandro (2001) refere-se à obra Image et pedagogie, (Imagem e Pedagogia) de autoria de Geneviève Jacquinot, publicada em 1961, que aborda a necessidade de discutirmos com os estudantes os recursos audiovisuais como representações da cultura que a humanidade construiu na modernidade. Leandro (2001) reforça que os maiores equívocos que podem ser cometidos ao nos apropriarmos dos recursos fílmicos em sala de aula estão relacionados com a subutilização da imagem. A escola se apropria dos filmes “não como quem se aproxima de uma arte, a cinematografia (...), mas como quem busca um aditivo tecnológico para incrementar processos educativos em andamento” (LEANDRO, 2001, p.30). As disciplinas tradicionais (física, química, matemática, etc.) gerariam a demanda pela utilização do recurso fílmico. A imagem em movimento, então, acaba tendo uma participação secundária, ilustrativa daquilo

55 que se pretende realizar. O cinema pode ser muito mais do que simples ilustração de fenômenos naturais ou fatos históricos.

A imagem é então portadora de uma materialidade que lhe outorga um discurso extremamente concreto, imanente, cuja complexidade raramente temos a oportunidade de examinar. As imagens que povoam nosso cotidiano (...) aparecem e desaparecem numa tal rapidez que não temos tempo nem para analisa-las nem para memoriza-las, e menos ainda para aprender a fabricá-las, uma vez que a aprendizagem não é seu objetivo. (LEANDRO, 2001, p.34). Migliorin e Barroso (2016) apontam a possibilidade de percebermos determinadas pedagogias associadas à maneira como os diretores de cinema estruturam suas obras. Tomando a etimologia da palavra, percebemos que os autores defendem que certos diretores desejam orientar seus expectadores, de maneira a permitir que estes percebam a natureza da obra cinematográfica. As intenções do diretor são transferidas ao filme por meio da linguagem cinematográfica, pela qual planos, movimentos de câmera e cortes mostram a “realidade” que o diretor pretende apresentar. Contudo, é no momento da montagem em que o diretor realmente permite que o espectador construa significados para a obra. Neste caso, o processo de guiar os estudantes envolveria apresentar como as intenções do diretor transparecem ao longo do recurso fílmico.

São crescentes as discussões acerca da relação entre Cinema e processos de construção de significados em sala de aula, especificamente no ensino de ciências (PEREIRA, SÁ e FONSECA, 2017; VIANA E COELHO, 2010; CARRERA, 2012; SANTOS e ARROIO, 2009; PIASSI, 2007; PIASSI e PIETROCOLA, 2009; THIEL e THIEL, 2009). Contudo, muitas dessas pesquisas se referem ao histórico do recurso fílmico, as maneiras que esses recursos utilizam para a comunicação com o espectador, as características da linguagem audiovisual e, principalmente, sobre a urgência de incorporação de novas tecnologias na educação. Neste último caso, cremos que ao incorporar novas tecnologias devemos perceber em que sentido a tecnologia apresenta algo de “novo”. Se utilizado exclusivamente para reforçar ilustrativamente o que já se trabalha em termos de conteúdo, sem incorporar abordagens diferenciadas, será que o esforço é válido? Cremos que o uso de novas tecnologias deve estar ancorado em possibilidades novas de estimular a participação dos estudantes em processos mais ricos de discussão.

Pereira, Sá e Fonseca (2017) investigaram como um grupo de professores escolhe e utiliza longa metragens enquanto estratégias didáticas em diferentes disciplinas escolares. De

56 uma maneira geral o estudo indicou que os professores utilizam de maneira sistemática e planejada o recurso fílmico como estratégia didática. O estudo também aponta que os professores quando utilizam esse recurso realizam a discussões dos temas abordados nos filmes propondo atividades e trabalhos que vão desde listas de exercícios até declamações e festivais de dança, ampliando as possibilidades da ferramenta de maneira criativa.

Carrera (2012) analisou, qualitativamente, as produções acadêmicas que tratavam da utilização do Cinema com o foco no ensino de Ciências em três bancos de dados (ENPEC, CEDOC e SIBIUSP) em um recorte temporal definido (de 1997 até 2009). O resultado dessa investigação aponta o aumento gradativo na investigação da utilização do cinema no ensino de ciências, principalmente a partir de discussões realizadas em instituições ou departamentos ligados à área de educação, apesar de a maioria dos trabalhos analisados tivesse como foco estudos de questões relacionados à Biologia, Química ou Física. Estendendo a análise aos referenciais teóricos destes estudos, a autora conclui que estas referências sofrem influências “filosóficas, sociológicas e psicológicas”, trazendo também a discussão para o campo mais amplo da condição cultural tanto de produção do filme quanto de como é possível valer-se do “contexto em que este recurso audiovisual está inserido na sociedade” (CARRERA, 2012, p.114).

Quanto ao gênero mais utilizado nas pesquisas apresentadas analisadas, Carrera (2012) aponta que as narrativas de ficção científica predominam em relação aos demais gêneros. A autora credita esta utilização às temáticas abordadas neste tipo de gênero, relacionadas à robótica, genética, climatologia, astronomia, entre outros. Isto facilitaria a identificação do professor com o conteúdo apresentado.

Para Piassi (2007), esta predominância estaria relacionada ao fato de que a ficção científica deve extrapolar os limites do conhecimento científico, por meio de especulações e proposições. Contudo, jamais deve escapar para o gênero da ficção fantástica. O autor argumenta, por exemplo, que crer em discos voadores não contradiz o arcabouço lógico- conceitual da ciência, mesmo que a maioria absoluta de cientistas não acredite que tais artefatos possam existir. Crer em gnomos ou fadas, por exemplo, altera completamente a lógica de produção de sentido ao qual estamos acostumados. As temáticas abordadas nestas obras, ligadas às discussões sobre a implementação de descobertas científicas e tecnológicas na sociedade e as consequências desta implantação, carecem da construção de argumentos que são, no mais

57 das vezes, apresentados dentro da própria obra. Assim, seria mais fácil ao professor conduzir as discussões com os estudantes ou até mesmo construir sentidos com estes estudantes, uma vez que a própria obra auxilia neste processo.

Com base nos estudos apontados anteriormente, percebemos que o professor tem papel fundamental na discussão acerca da utilização do recurso fílmico. Ele quem escolhe o filme, a forma de apresenta-lo e a natureza de sua utilização. Coelho e Viana (2011) concluem que, apesar de considerar importante, a maior parte dos professores não sabe como utilizar o cinema na sua prática docente. É a partir destas questões que trago a ideia de um site voltado para que os professores da educação básica possam verificar possibilidades de uso do cinema incluindo- as em suas práticas.

Parte do que se define como aprender ciências se traduz no aprendizado e apropriação do discurso científico, como um gênero específico de linguagem. Segundo Bakhtin (2003), os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciado, que apresentam características que os definem e diferenciam de outros. Assim, o discurso científico apresenta certas características quanto à natureza da comunicação que nos permitem identifica-lo. A objetividade nos enunciados, clareza nas definições, a construção de significados específicos para determinadas palavras e orações nos permitem entender o conceito de “científico” como característico de uma comunicação discursiva que não é universal, mas que segue um conjunto de regras e acordos, estabelecidos por um grupo social, que valoram determinados usos e textos. O cinema como linguagem se estabelece durante esse processo de expansão, na estruturação de seus elementos básicos, quais sejam o enquadramento, o plano, os movimentos de câmera e a montagem (SETARO, 2010). Da relação entre estas possibilidades, o filme que é produzido pelo diretor pode ser lido, tal como um texto escrito. Assim sendo, podemos nos apropriar do filme- enquanto-texto como ferramenta para estimular nossos alunos no processo de aprendizado.

Avançando nesta discussão, alguns autores apontam para o fato de que os recursos audiovisuais podem alterar a própria percepção do tempo e do espaço dos estudantes. Apresentar imagens de fenômenos que são impossíveis de serem vistos pelos estudantes, seja pelas suas dimensões, seja pela velocidade com que acontecem torna o uso do cinema uma ferramenta interessante para o aprendizado. Segundo Wellman (2011), podemos pensar em filmes científicos como aqueles em que a técnica de filmagem desempenha papel fundamental na própria prática científica, como parte epistemológica na produção e investigação do

58 conhecimento. Contudo, podemos também perceber os efeitos que fenômenos relacionados com “processos” ocorrendo ao longo do tempo, sendo filmados e posteriormente editados para ser apresentado numa sequência mais curta. São comuns atualmente filmes representando o movimento aparente dos astros no céu noturno, ou do crescimento de determinadas espécies vegetais.

O tempo é um conceito fundamental no estudo dos fenômenos naturais. Durante a maior parte da história humana, foi considerado inclusive uma constante, e sua passagem parecia a todos nós algo a que se sujeitavam deuses e pessoas. Somente após a Teoria da Relatividade Restrita percebemos que o tempo é somente mais uma dentre as variáveis que descrevem os movimentos dos corpos e as mudanças naturais, fazendo parte da tessitura do próprio universo. Por isso, o tempo varia como as variáveis que descrevem a posição dos corpos no espaço, em função do movimento relativo entre observadores situados em diferentes referenciais.

Outro aspecto relevante das possibilidades do cinema para o ensino das ciências da natureza está relacionado com o fato de que um filme apresenta imagens construídas por diretores, produtores e estúdios sobre o trabalho da comunidade dos cientistas. Por ser uma construção socialmente validada, com conjuntos de normas e formas de comunicação e validação específicas, a análise dos filmes pode retratar como a ciência é percebida pelo conjunto da sociedade. Vários autores apontam esta possibilidade, como Oliveira (2006), Arroio (2007), Piassi e Pietrocola (2009). Inclusive, Nova (1997) esboça uma tipificação filmográfica que permite analisar aspectos históricos envolvidos na produção de filmes que retratam as ciências nas suas mais variadas nuances.

Da conjugação de todas as questões apresentadas nesta revisão teórica, surgiu o interesse em unir as possibilidades da realização de atividades investigativas pelos estudantes com a utilização de recursos fílmicos. Assim, planejei atividades que os levaram a debater aspectos relativos ao conhecimento científico necessários para compreender obras fílmicas de ficção cientifica. Neste processo tivemos a intenção de ir além da ideia de “certo ou errado”, “possível ou impossível”, mas construir um ambiente em sala de aula qm que os estudantes pudessem trazer livremente suas contribuições, de forma a coletivamente estabelecermos consensos sobre aspectos apresentados nos filmes e que exigiam tomadas de posições por parte dos estudantes, perante problemas pelos quais a sociedade tem passado. No próximo capitulo apresento o percurso teórico metodológico desta pesquisa. Tentamos ao longo do texto tornar explicito os

59 motivos que nos levaram a escolher determinados caminhos em detrimento de outros, ao longo do percurso.

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III - DESCRIÇÃO TEÓRICO METODOLÓGICA

Neste capítulo apresentamos o caminho teórico metodológico que percorremos para construir os dados analisados neste trabalho. Com esse propósito, inicialmente apresentamos uma reflexão acerca do processo de investigar a própria prática. Na sequência, caracterizamos ambiente e os sujeitos que participaram da pesquisa. Posteriormente descrevemos a proposta de intervenção que foi feita para a construção dos dados, a maneira como as atividades foram planejadas e a caracterização das sequencias de ensino que foram produzidas para explorar o uso de filmes com os estudantes. Finalmente, apresentamos a forma como lidamos com os dados e o referencial utilizaremos para analisa-los.