• Nenhum resultado encontrado

Aproximação com o universo dos jovens internos

DISTRIBUIÇÃO DAS 50 VISITAS NA CASE SALVADOR

4.4 DA ACEITAÇÃO AO ACOLHIMENTO

4.4.3 Aproximação com o universo dos jovens internos

Antes de realizar a proposta de atividade para a coleta de dados, sentiu a necessidade de me fazer presente no dia a dia dos jovens. Este foi um grande desafio, buscar a criação de vínculos para estabelecer uma relação de confiança com os jovens internos.

Muito embora se saiba os tempos, publicações e prazos curtos que “sufocam” cada vez mais os pesquisadores, é importante a reflexão de que a pesquisa social, para encurtar os abismos existentes entre pesquisador e sujeito pesquisado, demanda tempo e cuidado para uma aproximação e sensibilização na busca da participação ativa do grupo. Desta forma, é proposto, assim como afirma o coletivo de professores, que para uma metodologia de pesquisa que envolva pessoas e grupos sociais:

Há de ter cuidado com as observações/diálogos/entrevistas, pois não se tratam as pessoas, grupos, comunidades como simples objetos de pesquisa, mas de seres humanos, ou seja, sujeitos de pesquisa, havendo, portanto, um encontro de consciências, fazendo-se necessário atentar para a coexistência de eu-e-do-outro-ao-mundo em um exercício de intersubjetividade, ganhando sentido o próprio social. (SILVA et al., 2008, p.22).

Assim sendo, entende-se aqui que as pessoas estão para além de um objeto de estudo. Por mais que se fale de um coletivo de jovens, neste processo, há necessidade de buscar compreendê-los em suas individualidades, pois cada um tem sua história de vida, com suas características individuais, sonhos, desejos, frustrações, medos e angústias. Tanto que se defende que o respeito se dá no estabelecimento da relação entre os sujeitos da pesquisa e o pesquisador, este último não apenas como um mero observador, mas sim como aquele que realiza sua pesquisa não para e nem sobre determinado grupo, mas junto com eles na construção deste processo educativo e investigativo.

Mas como poderia me fazer visto e presente no cotidiano destes jovens? E como buscar uma aproximação que pudesse estabelecer, a princípio, vínculos com eles?

A participação nas rotinas destes jovens, a princípio, tinha que ser algo gradativo e que pudesse ter um momento de aproximação que antecedesse a oficina. Este processo foi importante, pois antes de selecionar o grupo com o qual realizaria a pesquisa, pude entender como funcionam as atividades pedagógicas no espaço, participando, a convite da coordenação, de alguns eventos onde os jovens puderam apresentar os resultados dos seus trabalhos desenvolvidos nas diversas oficinas de arte e educação.

O primeiro momento foi a participação na “mostra cultural” realizada na CASE/SSA, como já descrito acima, em que grande parte dos jovens participaram fazendo suas apresentações, ou apenas assistindo a performance de seus colegas.

O segundo momento ocorreu a partir do convite do instrutor de música Derício Filho para participar de suas aulas. Foram realizadas sete participações nas aulas de violão e flauta, que aconteciam as terças e quintas-feiras na parte da manhã. Nestas ocasiões, como

parte de estratégia de “sedução pedagógica” junto aos jovens, ocorria a minha apresentação pessoal, e sempre ao final de suas aulas era apresentada a proposta de oficina, para motivar e despertar o desejo deles em participarem das oficinas.

Utilizavam-se todos os elementos do samba, que funcionavam como “sedução pedagógica” para os jovens. Falou-se um pouco de minha relação e imbricação com o samba, a história do próprio samba a partir de relatos de sambistas antigos e a apresentação dos instrumentos musicais característicos desse meio musical; deste modo queria apenas dar uma dimensão dos assuntos que iriam ser trabalhados no decorrer das atividades.

Esta estratégia foi positiva, pois além de poder entrar em contato direto com os jovens, percebi o quanto a arte é importante no processo educativo neste espaço especificamente. Notei nas aulas de música, as quais participava como observador, que quase todos os participantes ficavam bem à vontade; no entanto era registrado que uns eram mais interessados nos conteúdos das aulas e outros queriam apenas utilizar os instrumentos musicais que estavam disponíveis na sala, não dando muita importância para a proposta principal da atividade.

Aos poucos foi se solidificando o entendimento e a compreensão de toda a dinâmica de funcionamento das atividades pedagógicas e, ao mesmo tempo, ia se estabelecendo e criando uma possibilidade real de estreitamento das relações com os jovens, os quais poderiam fazer parte das atividades desenvolvidas pela oficina que seria iniciada. A este respeito, Costa (2001, p.57) afirma sobre a importância da presença: “Fazer-se presente na vida do educando é o dado fundamental da ação educativa dirigida ao adolescente em situação de dificuldade pessoal e social. A presença é o conceito central, o instrumento-chave e o objeto maior desta pedagogia.”.

Após todo o processo descrito da sensibilização junto à comunidade onde a pesquisa foi desenvolvida, a formalização da pesquisa com o Juiz da Vara da Infância e Juventude e a aproximação com o universo dos jovens internos, caminhei para o recorte daqueles que iriam participar da oficina, e em sequência a execução destas.

Depois da aproximação com os jovens, exigia-se a delimitação dos participantes da oficina. Para Marconi e Lakatos (2008) “delimitar a pesquisa é estabelecer limites para a investigação.” (p.15). Segundo as autoras, uma pesquisa pode ser limitada em relação aos meios humanos, ou seja, à quantidade de pessoas a fazerem parte do processo investigativo.

Para tanto, nesta investigação exigiu-se que fosse utilizado critérios externos e internos para delineamento dos jovens. Os critérios externos seguiram orientações dos profissionais, bem como regras já estabelecidas na CASE/SSA, dentre elas: não colocar

jovens de alojamentos distintos no mesmo espaço para realizarem as mesmas atividades, pois é uma regra básica do espaço pela questão da rivalidade entre os alojamentos.17; formar um grupo que pudesse participar até o final das atividades sem ter intervenções judiciais no decorrer do trabalho, ou seja, foram escolhidos aqueles que teriam um tempo mínimo de três meses no sistema de internação, esta indicação partiu da coordenação pedagógica e também do instrutor musical Dericio Filho, que indicou o grupo de “inicial de S”, nomenclatura utilizada para diferenciar os alojamentos com diferentes tipos de sentenças como já apresentado; com relação ao quantitativo foram seguidas as normas de segurança do espaço, que afirmaram que seria inseguro ter mais de dez jovens em uma mesma atividade. Neste caso, mesmo podendo realizar a pesquisa com um número maior de jovens seria inviável conduzi-la com um quantitativo alto de participantes. Desta forma, o número de dez jovens seria o ideal tanto para conduzir as oficinas com qualidade quanto para facilitar a sistematização dos dados coletados e observados.

Após todos estes critérios externos ao pesquisador, serão apresentados os critérios internos de pesquisa. Estes exigiram conciliar o meu olhar de pesquisador e o meu olhar de educador. Como pesquisador, tinha que focar a coleta de dados e ter uma observação atenta para compreender as relações estabelecidas nas atividades e, como educador, buscar motivar e criar mecanismos de interação entre o grupo, apresentando o samba e seus elementos de forma atrativa e instigante, despertando, assim, desejo para as atividades.

Para tanto, para facilitar à dinâmica das atividades, assim como a possibilidade de ter um olhar atento e com rigor como pesquisador, decidi pelo delineamento de oito a doze jovens. No entanto, para chegar a um número desejável, a oficina se iniciou com cinco jovens e, no decorrer das atividades, este número aumentou. Isto ocorreu por causa da opção pela “inclusão progressiva” sem a demarcação específica do número de participantes, sendo interrompida pelo critério de saturação quando os sujeitos começam a ter uma regularidade de permanência, como afirma Suely Deslandes (in MINAYO, 2010, p.63). Desta forma iniciou- se as atividades da oficina “Cantos e batuques: o samba na educação”.

17

Ocorrem dentro da CASE–SSA rivalidades entre os alojamentos, em que jovens vem os outros, apenas por estarem alocados em espaços diferentes, como seus inimigos. Isso tudo gera uma grande dificuldade na realização de atividades com jovens de alojamentos distintos. Os próprios jovens dizem que esta rivalidade existe porque eles estão defendendo sua família (alusão aos membros do mesmo alojamento). No momento da condução das oficinas de samba, presenciei alguns momentos de agressões, motivadas apenas pelo fato do jovem agredido não fazer parte da “família” do agressor.