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2 A HARMONIA ENTRE EDUCAÇÃO, JUVENTUDE E ARTE

3 A CADÊNCIA DO SAMBA E A FORÇA DE SUA TRADIÇÃO

3.2 O SAMBA E SEUS SABERES EDUCACIONAIS

3.2.3 As letras de samba mandam o seu recado

Defender o samba como um potencial na educação é entendê-lo como uma manifestação cultural, que traz em seu universo a dança, a religiosidade, a indumentária, a culinária e, também, a música, que pode melhor identificar esta manifestação. O universo temático musical do samba é bem diverso em seus conteúdos, e traz em suas letras: a crônica do dia-

dia, histórias bem humoradas das pessoas, a desilusão amorosa, a historia de um povo e de um país, a luta contra a discriminação racial e social, o retrato de um bairro ou cidade, a crônica da malandragem, a crítica social, entre outras temáticas possíveis que surjam do cotidiano de um sambista.

As letras de samba podem se tornar uma importante forma de desenvolver na educação mecanismos que possam, além de tornar o fazer pedagógico mais atrativo para os educandos, criar possibilidades de compreensão crítica e reflexiva da realidade vivida, por ser uma manifestação de origem popular com uma linguagem simples, embora muito contundente em seus versos.

O samba em sua parte musical tem variações diversas, tanto temáticas quanto rítmicas que trazem em seus conteúdos diferentes ramificações etimológicas: samba choro, samba de terreiro, samba exaltação, samba enredo, samba de breque, samba de gafieira, bossa nova, samba canção, samba jazz, samba de partido alto, samba de morro, samba de quadra e samba rock são algumas delas, como elenca Diniz (2010).

Este universo rítmico com suas influências diversas abre um leque de possibilidades temáticas, que perpassam por muitas vozes e contextos diversos, que ecoam das periferias, dos morros, dos terreiros, dos bares e botequins por todo território brasileiro. Vozes que buscam, em meio aos seus versos, expressar sentimentos de alegria, tristeza, revolta, solidariedade, atrelados a perspectivas de futuro.

Pretende-se aqui apontar alguns sambas que sustentem a importância de suas letras na educação, e como podem estar presentes em meio às propostas educacionais em diversos espaços onde a educação se faça. Na escolha do repertório para a realização da oficina de samba na CASE/SSA, várias letras foram elencadas no intuito de servir de base para as atividades. Embora nem todas fossem utilizadas, aqui, serão apresentadas algumas delas, juntamente com suas possibilidades educacionais.

As letras de crítica social e a crônica da malandragem nada melhor do que serem representadas por Bezerra da Silva, pois a irreverência do sambista intitulado “Portavoz do Morro” traz em seu repertório várias vozes sociais, que falam diferentes textos e linguagens, como o calão de policiais, bandidos e contraventores, a gíria, o jargão político. Essas linguagens comunicam a realidade multifacetada, isenta de verdade absoluta, que sustente inflexibilidade no julgamento moral, como afirmou Letícia Vianna (1998, p. 70) em seu livro “Bezerra da Silva: produto do morro”, trazendo a biografia do compositor pernambucano.

O sambista Bezerra da Silva, em depoimento para o documentário “Coruja”, relata a importância de uma fala que se transforma em música, como instrumento de denúncia e revolta:

O morro não tem voz, ele somente é atacado, mas não se defende. Como o morro não tem direito a defesa, só tem direito a ouvir marginal, ladrão, safado [...] como é que ele vai falar? Então o que faz os autores do morro, ele diz cantando aquilo que ele queria dizer falando, e eu sou o porta voz. (DERRAIK & NETO, 2001).

Esta forma de se expressar do morro e das periferias tem toda uma particularidade, principalmente entre os jovens, pois os olhares, o gestual, podem identificar a forma de se expressarem sem ser verbalmente.

Algumas letras podem identificar claramente o tom de descrença na política e denúncia de forma irreverente e engraçada, como no samba “Candidato caô caô”, de Pedro Butina e Walter Meninão:

Ele subiu o morro sem gravata Dizendo que gostava da raça Foi lá na tendinha bebeu cachaça

[...]

Meu irmão se liga no que eu vou lhe dizer Hoje ele pede seu voto

Amanhã manda a polícia lhe bater. (Bezerra da Silva ao Vivo, 1999).

Com mais de duzentas letras gravadas, Bezerra da Silva abordou diferentes temáticas, mas pouco falou de amor, pois segundo ele “não posso cantar o amor quando eu nunca tive. Sou realista, canto a realidade.” (DERRAIK & NETO, 2001).

No entanto, é importante ressaltar que letras de samba falam de amor, também é um fator relevante na educação destes jovens, que, muitas vezes, assim como Bezerra da Silva disse, podem até não ter vivido o amor, mas não é por isso que não o desejem. Este é um ponto a que o educador deve ficar atendo, pois:

Diante das manifestações inquietas do educando – impulsos agressivos, revoltas, inibições, intolerância a qualquer tipo de norma, apatia, cinismo, alheamento e indiferença -, deve o educador situar-se num ângulo que lhe permita ver além dos aspectos negativos, o pedido de auxilio de alguém que, de forma confusa, se procura e se experimenta em face de um mundo, a seus olhos, cada vez mais hostil e ininteligível. (COSTA, 1997, p. 26).

Desenvolver a afetividade por meio de letras que trazem um conjunto de sentimentos, falando de amor, afeto, amizade, entre outros, pode ser, portanto, um caminho para explorar a sensibilidade do grupo de jovens e compreendê-los de forma mais próxima.

A fé, juntamente com as perspectivas de luta, de futuro, os sonhos e os desejos engrossam a lista de sambas que podem, quando bem utilizados, intensificar o ato educativo, tornando mais significativo o processo formativo de jovens.

As escolas de samba - ou melhor, os sambas enredos responsáveis por toda a estrutura que as escolas levam para a avenida - têm um papel de grande importância educativa. Renato Assumpção (2009), em seu artigo “Cultura do samba: enredo como meio de educação popular”, afirma que, durante o processo histórico, os sambas ganharam uma característica educativa e ao mesmo tempo de expressão de sentimentos e ideias, como pode ser visto em alguns sambas enredos históricos:

O samba da Escola Império Serrano do ano de 1964, "Aquarela brasileira", que procurava promover as riquezas e belezas de nossa pátria, realizando um tipo de samba chamado exaltação.

Vejam essa maravilha de cenário: É um episódio relicário, Que o artista, num sonho genial

Escolheu para este carnaval. E o asfalto como passarela

Será a tela do Brasil em forma de aquarela. (Sambas de Enredo 2004, 2003).

O samba de 1988, "Kizomba: festa da raça", que a Escola Vila Isabel desfilou naquele ano, sendo a campeã daquele carnaval, buscou resgatar e fortalecer a cultura negra a partir de sua força de resistência.

Valeu, Zumbi O grito forte dos Palmares Que correu terra, céus e mares

Influenciando a abolição. (Os Sambas da Vila Isabel, 2006).

E a mais recente campeã do carnaval carioca do ano de 2012, a Escola de Samba Unidos da Tijuca com o enredo “O dia em que toda a realeza desembarcou na avenida para coroar o Rei Luiz do sertão”, falando sobre a cultura popular destacando a obra de Luiz Gonzaga:

Nessa viagem arretada Lua clareia a inspiração Vejo a realeza encantada Com as belezas do sertão!

"Chuva, sol" meu olhar Brilhou em terra distante

Ai que visão deslumbrante, se avexe não! Muié rendá é rendeira

E no tempero da feira O barro, o mestre, a criação!

(Sambas de Enredo, 2011).

Assim pode-se identificar que neste outro seguimento do samba estão presentes elementos que são favoráveis ao processo de aprendizagem, através de seus enredos. Aqui, apresentei apenas alguns sambas enredo dentro de uma grandiosidade de letras e canções que ao serem cantadas retrataram a história do Brasil e dos brasileiros em suas letras.

Contudo, a partir da discussão acima, o samba pode ser, e deve ser, compreendido, também, pelos seus aspectos de identificação e reflexão em torno das questões raciais, como os dizeres dos versos da música “Tristeza de sambista”, cantados por Geraldo Filme.

A tristeza do sambista

É não ter no carnaval sua própria fantasia

E um barraco em condição para não ver a realidade no desfile da ilusão. (Geraldo Filme – Memória Eldorado).

Ainda reforçando este pensamento, trazemos o compositor Antonio Candeia Filho, no samba “Dia de graça”.

Negro acorda! É hora de acordar

Não negue sua raça, torne o amanhã dia de graça Negro não se humilhe, nem se humilhe a ninguém

Todas as raças já foram escravas também. (Samba da Antiga, 1975).

Ambos os versos demonstram a força das letras em que os compositores evidenciam a relações estabelecidas pós-carnaval, entre aqueles que realmente fazem a festa popular e muitas vezes não tem a possibilidade de desfrutar de sua própria arte e, logo em seguida ficam esquecidos, apenas sendo lembrados novamente no ano seguinte no período da festa. Estes versos podem no mostrar um caminho em que o samba se apresenta com várias facetas: a face da resistência, da crítica social, da razão, e da existência daqueles personagens que constroem parte da história, porém são postos em segundo plano, quem deveria ser o principal destaque desta grande festa popular que é o carnaval.

Evidenciado a história marginal, a proximidade com o rap, o conceito de malandro e a força das letras que advém do universo do samba, busquei apontá-los como possibilidades dentro da educação, como um importante caminho na condução de uma pedagogia que indague e questione os problemas vivenciados por uma juventude que está inserida no PMSE. E que, ao mesmo tempo, estes elementos do samba possam ser um caminho para propor avanços nas ações educacionais transcendendo o reeducar e o ressocializar e, assim, desenvolver a formação destes sujeitos como agentes ativos e transformadores dentro do processo histórico no qual estão imersos, com base nos pressupostos educacionais já apresentados.

No próximo capitulo apresentarei os caminhos metodológicos percorridos, nesta pesquisa, buscando relatar o contato direto com o lócus pesquisado e com os sujeitos participantes.