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CAMINHOS TRILHADOS PARA CONHECER UMA REALIDADE: COMO PROCEDER NESTE UNIVERSO?

4 OS CAMINHOS PERCORRIDOS PARA A COMPOSIÇÃO DESTE SAMBA

4.3 CAMINHOS TRILHADOS PARA CONHECER UMA REALIDADE: COMO PROCEDER NESTE UNIVERSO?

Como neste trecho “O homem tem dois olhares, um enxerga, e o outro que vê [...] quero meus olhos abertos, quero bem longe enxergar” do samba composto por Martinho da Vila, a partir do livro Jubiabá, de Jorge Amado, tem-se como base investigativa neste trabalho os olhos para além de ver e sim enxergar com olhos atentos, curiosos e provocativos, para com os sujeitos do estudo – os jovens autores de ato infracional - tendo o samba como uma estratégia metodológica.

Definir o caminho e o percurso escolhido na abordagem da realidade, que foi investigada para este trabalho, foi um exercício constante e diário, pois, simultaneamente, teria que trazer a teoria de abordagem, o método, e apontar os instrumentos variados para operacionalizar o trabalho investigativo, as técnicas. Assim, foi necessário utilizar toda a criatividade e sensibilidade exigida em distintos momentos deste processo. Como diz Minayo

(2010, p.15): “na verdade, a metodologia é muito mais que técnicas. Ela inclui as concepções teóricas da abordagem, articulando-se com a teoria, com a realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade.”.

O caminho que percorri para conduzir esta pesquisa consistiu em uma relação dinâmica entre pesquisador e o coletivo de sujeitos que dela fazem parte, buscando, neste coletivo, meios para a construção, criação ou ressignificação das ações educativas, respondendo com maior eficiência aos problemas de estar na condição de jovens em privação de liberdade, criando diretrizes para uma ação educativa transformadora guiada pelo samba.

Embora exista uma relação de trabalho dinâmica com jovens em situação de cumprimento de MSE, e com jovens em situação de vulnerabilidade social, que vêm sendo construídas ao longo de minhas vivências, estabelecidas em trabalhos educacionais desenvolvidos anteriormente, sempre busquei tomar os cuidados necessários, neste percurso da pesquisa, para que esta não recaia sobre um ativismo ou inclinações missionárias, como afirmou Thiollent (1996).

Assim, a busca do pensar, do refletir e do explorar, nesta pesquisa, faz parte da construção de um conhecimento que rompa com ideias, preconceitos e estereótipos em torno dos sujeitos, bem como busca superar as práticas educativas que tenham por finalidade o ressocializar como principal objetivo.

Desta forma, minha inquietude passa a ser, também, intelectual, pois identificar, analisar e compreender com rigor científico é o caminho traçado, sem perder a curiosidade e a criatividade, confrontando sempre as teorias e suas hipóteses com a realidade empírica, como afirma Minayo (2010, p.62). A autora diz, ainda, que “O pesquisador não deve ser um formalista que se apegue à letra de seu projeto e nem um empirista para quem a realidade é aquilo que vê a ‘olho nu’, pois, tanto o auxilio das vivências quanto aporte dos conceitos são fatores preponderantes para a construção de um conhecimento o mais próximo da verdade possível. Pois nem um e nem outro, sozinho, contém a verdade. “Recompõe-se nisto a dialética do relacionamento entre teoria e prática. Ambos os termos se necessitam e se repelem, na unidade dos contrários. Quer dizer, um não existe sem o outro, mas cada um possui densidade própria, o que possibilita o relacionamento dinâmico.” (DEMO, 2004, p.79).

Nesta investigação instigante por conhecer o outro e sua situação é que busquei construir este trabalho com os objetivos de propor caminhos que, nesta relação, respondam aos problemas da situação vivida por estes jovens, apontando as contribuições da manifestação da cultura popular brasileira - o samba - neste processo.

Acreditar e desenvolver na investigação uma prática educativa que respeite os sujeitos, tendo-os como parte construtora do trabalho, é entendê-los como agentes dinâmicos na participação e na elaboração deste trabalho, como também, nos questionamento e reflexões em torno da temática, educação, samba e juventude. Sendo esta a compreensão e proposta do pensar, agir e pesquisar, pois no sentido descrito acima pesquisar e educar se identificam em um permanente e dinâmico movimento, como afirma Brandão (1985).

Diante do exposto, defendo, neste trabalho, como uma possibilidade de ampliar uma proposta investigativa, somando toda estrutura teórica e metodológica, as vivências e as experiências voltadas para a oficina com o samba. Desta maneira, foi construída uma pesquisa voltada para a prática social, entendendo que estas práticas “geram interações entre os indivíduos e entre eles e os ambiente, natural, social, cultural em que vivem.” (SILVA et al., 2008, p.9).

Assim, pensando que as práticas sociais “se constroem em relações que se estabelecem entre pessoas e comunidades nas quais se inserem.” (SILVA et al., 2008, p.9), este aspecto torna-se fundamental para a integração e a participação das pessoas envolvidas.

Para uma maior compreensão, se faz necessário discorrer sobre as dificuldades em se pesquisar nos estabelecimentos socioeducativos, para que se possam identificar possibilidades distintas de olhar uma realidade, transpondo métodos e técnicas fechadas.

4.3.1 As dificuldades em se pesquisar nas instituições socioeducativas

Pesquisar junto a jovens autores de atos infracionais institucionalizados no Programa de Medida Socioeducativas é um grande desafio para qualquer pesquisador, pois se fala de um espaço constituído historicamente com fins punitivos, que pode, na maioria das vezes, dificultar o processo investigativo.

Para que possa ficar mais claro este meu posicionamento, afirmando a dificuldade em se pesquisar nas instituições socioeducativas, trago um trecho do livro “Capitães de areia”, do escritor baiano Jorge Amado, para elucidar a problemática. No trecho selecionado abaixo, uma mãe costureira escreve uma carta à redação do “Jornal a Tarde”, fazendo denúncias sobre as instituições educacionais da época:

É pra falar no tal reformatório que eu escrevo estas mal traçadas linhas. Eu queria que o jornal mandasse uma pessoa ver o tal reformatório para ver como são tratados os filhos dos pobres que têm a desgraça da cair nas mãos daqueles guardas sem alma [...]. O menos que acontece pros filhos da gente é apanhar duas e três vezes por dia [...]. Se o jornal do senhor mandar uma pessoa lá, secreta há de ver que comida eles comem, o trabalho escravo que têm, que nem um homem forte aguenta as surras que tomam. Mas é preciso que vá secreto senão se eles souberem vira um céu aberto. Vá de repente e há de ver quem tem razão. (AMADO, 2008, p.18) (grifo nosso).

A denuncia da mãe é confirmada pelo padre que fala dos abusos sofridos pelos jovens naqueles espaços, assim ele diz ao mesmo “Jornal a Tarde”:

As crianças no aludido reformatório são tratadas como feras, essa é a verdade. Esqueceram a lição do suave mestre, [...] e em vez de conquistarem as crianças com bons tratos, fazem-nas mais revoltadas ainda com espancamentos seguidos e castigos físicos verdadeiramente desumanos. (AMADO, 2008, p.20).

Estes relatos fazem com que o diretor do tal reformatório responda as acusações de maus tratos, ditas pela mãe de um interno e pelo padre, se dirigindo ao diretor do mesmo jornal afirmando:

Querem impedir que o reformatório cumpra a sua santa missão de educar os seus filhos. Elas os criam na rua, na pândega, e como eles aqui são submetidos a uma vida exemplar, elas são as primeiras a reclamar, quando deviam beijar as mãos daqueles que estão fazendo dos seus filhos homens de bem [...]. Porém, Sr. Diretor, fazendo minhas as palavras da costureira que escreveu a este jornal, sou eu quem vem vos pedir que envieis um redator ao reformatório. Disso faço questão. Assim podereis, e o público também, ter ciência exata e fé verdadeira sobre a maneira como são tratados os menores que se regeneram no Reformatório Baiano de Menores Delinquentes e Abandonados. Espero vosso redator na segunda-feira. E se não digo que venha no dia que quiser é que estas visitas devem ser feitas nos dias permitidos pelo regulamento. Este é o único motivo por que convido o vosso redator para segunda-feira. (AMADO, 2008, p.22) (grifo nosso).

Os relatos da mãe, seguido do pedindo para que o jornal fosse comprovar as denúncias no reformatório “de surpresa”, e a própria fala do diretor afirmando que gostaria da presença do jornal no espaço, mas, “no dia marcado”, podem enunciar algumas das dificuldades em se pesquisar nestes espaços. Mas uma questão inquietante é: como conseguir desenvolver um trabalho de pesquisa nestes espaços, em que os dados coletados possam representar a realidade observada? E, assim, poder contribuir para a sua modificação, quando necessário, a partir da concepção de educação fundada neste trabalho.

Esta preocupação passa a existir pelos estudos da história sobre a origem e a finalidade destas instituições, que surgem com o intuito punitivo e repressivo. Por mais que ocorreram mudanças durante este tempo, ainda existem fortes resquícios deste passado. Assim, considerado até hoje um espaço hostil e não receptivo para as pessoas que buscam estudar as relações humanas existentes dentro destes ambientes, torna-se um grande desafio metodológico a pesquisa nestes espaços. Todavia “adentrar o universo que se move por detrás das muralhas dos estabelecimentos de privação de liberdade é um desafio dadas as múltiplas complexidades que reservam o cotidiano destas instituições”, como relata a pesquisadora Gilca Oliveira Carrera15 (2005, p.112).

Ao ir a campo identificando possíveis dificuldades de inserção nestes espaços, como descritas acima, e pela minha própria experiência de educador, a procura foi por estabelecer relações iniciais entre o pesquisador, o coletivo de funcionários da CASE/SSA e - depois desta primeira aproximação - os sujeitos da pesquisa (jovens).

Para isso, se fez necessário conhecer o espaço, e assim a quantidade de visitas foi fundamental para extrair um entendimento da complexidade que é o trabalho investigativo nestas instituições como apresentado acima. O gráfico abaixo tem por objetivo fazer com que o leitor possa entender como foi a aproximação com o espaço da pesquisa.

DISTRIBUIÇÃO DAS 50 VISITAS NA CASE