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Ainda na etapa quantitativa de pesquisa (aplicação de questionário com 32 jovens), quando perguntados se faziam parte de algum movimento de luta pela terra, 19 deles responderam que sim, fazendo menção ao MST; e 13 deram uma resposta negativa. Entre os que responderam negativamente, quatro fizeram uma diferenciação entre ser sem-terra e integrar o MST. Ao dizer que não fazem parte do movimento, eles consideram a participação nas instâncias formais, como a direção regional e a Coapri. Ser sem-terra, nestes casos, aparece como uma condição própria de ser assentado, tendo em vista o processo de luta na Fazenda Pirituba.

Para o caso daqueles que responderam negativamente, durante a aplicação de um dos questionários, ficou evidente a discordância entre o jovem que respondia às perguntas e os pais dele, que participaram do acampamento para conquista da terra. Os três estavam juntos na sala no momento da aplicação.

Pedro, 22 anos (Entrevistado em agosto de 2018): “Não dá pra dizer que faço parte”.

Pai: “Estando dentro do assentamento dá pra dizer que faz parte [do MST]”. Entrevistadora: “E sem-terra? Você se considera? Tem diferença?”

Pedro, 22 anos: “Acho que sim, daí”.

Pai: “A gente é assentado, mas enquanto tiver gente sem terra, a gente é sem-terra”.

Mãe: “Nasceu aqui, né? Pra essa geração é mais difícil, porque não é igual à

gente que montou barraquinha, que não tinha nada. Pra eles é mais difícil falar, porque a gente sabe o que passou”.

O diálogo demarca as percepções acerca da luta pela terra entre as diferentes gerações do assentamento da Fazenda Pirituba. Costa (2004) aponta que a conquista do assentamento define um outro momento do processo de construção da identidade sem-terra. “Os assentados, no entanto, continuam se autodenominando Sem Terra. Reconhecer a existência de possibilidade de construção da identidade Sem Terra é, pois, uma tentativa de unir sujeitos com trajetórias diferentes sob uma mesma denominação, tendo como base a participação no processo de luta pela conquista da terra” (COSTA, 2008, p.182). No Pirituba, contudo, onde a condição de assentado já perdura por mais de 30 anos, essa identificação não é imediata. Ela passa por outros processos de rememoração da conquista da terra, seja na convivência familiar, escolar ou na comunidade.

Carregada de significados, a identidade sem-terra, embora afirmada internamente, parece ser negada para os “de fora” como estratégia de aproximação e sobrevivência no espaço urbano. Eles optam pelo não enfrentamento. Uma situação que é sensível, sobretudo, para os que convivem e interagem com frequência fora do assentamento.

Parecia até humilhante falar que era sem-terra. Se alguém falava “Ah, você é sem-terra”, eu me sentia humilhada [e respondia]: “Claro que eu não sou”. Tipo, não falava isso pra pessoa, mas eu pensava, eu não sou, não. [...] Quando alguém dizia que eu era sem-terra, eu não dizia nada, porque eu não tinha argumentos, não tinha formação. Eu não gostava que falassem isso (Simone, 20 anos, entrevistada em agosto de 2018).

Muita gente na cidade fala sobre isso, né? Começa a falar mal do MST. Esses tempos fui em Itapeva pra ir no médico e a mulher começou a falar mal do

MST. Eu dei uma desenxabida: “Ah, não sei de nada”. Falando que sem-terra

não valia nada. Eu não tava dando bola. Eu não dei muita bola. Não tava falando comigo, mas ela deu um toque em mim. Não tava nem prestando atenção. Na hora não me incomodei. Não achei que era comigo. Falava que sem-terra era vagabundo, não sei o que... Eu concordava e virava a cabeça (Lucas, 25 anos, entrevistado em agosto de 2018).

Na relação com indivíduos exteriores ao assentamento, percebemos uma distinção nos sentidos conferidos à terra pelos jovens do Pirituba. Se por um lado, como apontado em

tópico anterior, há uma valorização da vida no campo, com o espaço rural associado à

natureza; aqui, notamos uma expressão negativa quando ele é associado ao processo de luta

que levou à conquista da área. O espaço bom para morar, o rural idílico, não é o mesmo que

se vincula à luta dos sem-terra. Enquanto internamente os jovens se afirmam como parte do

MST ou como sem-terra;para “os de fora”, antevendo uma posição crítica do interlocutor, rejeitam essa condição, deixando de explicitá-la. Importante destacar a mídia, como um dos

instrumentos que conformam a opinião pública sobre o movimento, que comumente associam

o MST a “ações criminosas” e não a reivindicações legítimas . Ser visto como “sem-terra” 14

para “os de fora” os coloca numa posição de transgressor (MARTINS, 2009), resultado da

criminalização das ações do movimento, tanto pela mídia, como pelos poderes institucionais

conservadores. Durante a aplicação dos questionários e a realização das entrevistas, foi difícil

para os jovens relatar a experiência de ocupação, que levou à conquista do assentamento. A

maioria dos jovens recorria aos pais ou avós, durante o preenchimento do questionário, para

responder às perguntas sobre a origem do assentamento. Nas entrevistas, percebemos que os

relatos associavam a história do assentamento, na verdade, à trajetória familiar. Os jovens

falavam sobre como os pais se conheceram e de qual cidade tinham vindo. Sei muito pouco. Perguntei algumas coisas. Até que meu pai não morava aqui, ele morava na Agrovila 2, naquele tempo. Aí depois conheceu minha

mãe, aí veio pro acampamento da 6 (Sílvia, 20 anos, entrevistada em agosto

de 2018). Meu pai morava numa fazenda aqui perto, na Água Preta, que era do meu

tataravô, o alemão que veio pro Brasil, e comprou ali. A minha mãe veio

com o meu avô e a minha avó pra Agrovila 4, porque era o acampamento lá.

Aí minha avó com meu avô não deram certo, daí minha mãe, minha avó e

um dos meus tios voltaram. Meus outros dois tios entraram aqui na vila, foi

na época que eles entraram aqui. Nessa época, o meu tio Jacir, mais velho,

tinha conhecido lá na 4 a Tia Neuza, e quando eles entraram aqui acabaram

casando. E minha tia acabou ficando grávida do meu primo mais velho e

14Estudo produzido pelo Coletivo Brasil de Comunicação Social - Intervozes a partir da cobertura da mídia sobre

o MST durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito em 2010 mostra, por exemplo, que apenas 18,9% das

reportagens que abordavam o movimento tinha a própria organização como uma das fontes ouvidas. Além disso,

“em muitos casos, o MST foi citado como referência para baderna, violência ou relações de prevaricação com o Poder Público” (INTERVOZES, 2011, p.57).

quando o meu primo nasceu, minha mãe e minha avó vieram pra cuidar dela, que ela tinha acabado de parir e foi quando minha mãe conheceu o meu pai, que já tava aqui no acampamento. Aí ela até voltou embora, na época do acampamento ainda, em 1990 e poucos. Minha mãe com a minha avó voltaram embora, só que ela e meu pai mantinham correspondência por carta, a gente até tem as cartas. A gente sempre lê. Até que um dia ela disse: “Eu estou indo embora”. Minha avó falou: “Tá indo pra onde?” Ela: “Tô indo pra São Paulo, lá junto com meus irmãos, vou embora pra lá”. Daí eles venderam pouca coisa que tinha lá, uma vaca, pra pagar passagem, e vieram pra cá. Minha avó veio também. Minha avó e minha mãe foram morar de favor, praticamente, junto com o meu tio, tio Nilson, que mora lá pra baixo, e ela com meu pai continuaram se namorando. Daí um dia resolveram juntar as escovas e vieram morar aqui (Rita, 23 anos, entrevistada em maio de 2018).

Se não fosse o MST, eu nem teria nascido, né? Porque meus pais nem teriam se conhecido. Minha mãe lá no Paraná, meu pai aqui de São Paulo. Acho que a minha história começa no MST. Foi quando eu me tornei possível, uma possibilidade, então não me vejo sem o MST (Rita, 23 anos, entrevistada em maio de 2018).

A minha mãe morava na cidade e meu pai não lembro onde ele morava. Não sei se morava na cidade ou no sítio. Eles se conheceram aqui na época que tavam nos barracos ainda, sabe? Aí minha mãe engravidou e ficaram juntos os dois. Depois de um tempo conseguiram a terra e ela veio embora e foram tocando. Meu pai faleceu vai fazer 12 anos e minha mãe continuou tocando a terra e graças a Deus hoje a gente tem uma vida estável, através disso, da lavoura. Daí minha mãe criou eu e mais meus dois irmãos que são mais velhos que eu e a gente (Letícia, 21 anos, entrevistada em agosto de 2018).

Os jovens demonstram elaborar as memórias mais a partir das relações familiares do que pelas relações comunitárias. Percebemos, nesse sentido, que os laços familiares são mais evidentes do que os laços comunitários. Há aqui uma compreensão de que esses vínculos foram mais representativos para os que participaram da luta pela terra e nos anos que se seguiram, especialmente alimentados pelas reivindicações em torno do desenvolvimento do assentamento.

Os jovens de famílias que possuem militantes do MST ou pessoas que afirmam ser do movimento trazem, em seus discursos, as dificuldades enfrentadas durante o período de lutas pela terra. “O que eu sei também é que eles buscavam água na cachoeira, buscavam lenha pra fazer comida, cozinhar... A casa era de madeira. Era uma casinha de madeira. Que

eu lembro já era essa casa de material. (Paulo, 22 anos, entrevistado em agosto de 2018). “Era barraco, era difícil, né? Tinha os coronel também, que teve até conflito pra ganhar a terra. Eles falam que era difícil, né? Muito difícil a vida” (Valter, 24 anos, entrevistado em agosto de 2018).

Nesse sentido, as escolas Agrovila 1 aparecem como um espaço importante para rememoração da história do assentamento. Além das atividades, como o aniversário da Agrovila 1, que é realizado lá, a escola é citada pelos jovens como o espaço em que tiveram contato com essa história.

Eles chamavam o pessoal do assentamento mais antigo pra falar sobre o que aconteceu. Na aula mesmo. Quando era assim, mais nova. Depois vai crescendo e fica mais difícil, né? Quando cresci, que mudei da escola pra outra, aí já não falou mais tanto. Aí só em algumas aulas, em algumas matérias que conseguia se encaixar nisso. Mas quando eu tava na outra escolinha lá embaixo, onde os pequenininhos estudam, aí a gente falava muito. Até que nas apresentações que têm aqui na escola eles fazem sobre isso, sobre a conquista da terra, eles falam (Sílvia, 20 anos, entrevistada em agosto de 2018).

Além da escola, são frequentes as referências aos Encontros dos Sem Terrinha. Nos questionários, quando perguntados se já haviam participado de alguma atividade do MST, 29 dos 32 citaram, entre outras atividades, esses encontros na infância, realizados no assentamento ou, no caso do encontro estadual, em outras cidades paulistas. Do total, cinco disseram não ter participado de nenhuma atividade.

Mediadas pelas famílias, pela escola, pela comunidade (onde se inclui o MST), a relação dos jovens do Pirituba estabelecem relações ambíguas com o Movimento Sem Terra. Ao mesmo tempo que relatam distanciamento na atuação em relação ao movimento, se afirmam como integrantes e buscam atividades da infância (Encontro Sem Terrinha) para apontar essa relação. Para os “de dentro”, a afirmação de uma identidade sem-terra os delimita como grupo e, como aponta Mauro Almeida (2007), se impõem como detentores de cidadania. Para os “de fora”, negar essa identidade nos parece uma forma de negar, na verdade, os preconceitos e estigmas decorrentes dessa marca. De forma similar, assim como vimos no Capítulo 2, a referência ao assentamento como “os sem-terra que trabalham” aparece como um artifício, demarcar o preconceito por um viés positivo (onde fica

subentendida a ideia de sem-terra diferenciados), para estabelecer uma relação da cidade com o assentamento.

Na relação dos jovens do Pirituba com o MST, notamos ainda uma associação recorrente do movimento com a produção agrícola. Com 35 anos de existência, recém-completados em 2019, o MST, como abordamos no Capítulo 2, repensou suas bases programáticas no VI Congresso Nacional do movimento, ocorrido em 2013, tendo como um dos propósitos oferecer respostas à expansão do agronegócio no campo, o qual trouxe transformações importantes para as dinâmicas sociais nos assentamentos. Mais do que lutar por terra, o MST se propõe a lutar por um modelo de desenvolvimento. Ao longo de três décadas, o movimento ampliou a perspectiva da Reforma Agrária, inclusive nomeando-a de “Popular”, e lançou olhar sobre as políticas de permanência da população assentada no campo, com o fortalecimento de cooperativas de produção e distribuição, instalação de agroindústrias e, mais recentemente, a opção pelo modelo agroecológico.

No Pirituba, a já consolidada presença do MST no assentamento e a ampliação da atuação do movimento em diferentes áreas, nos levou a observar uma maior associação do movimento à questão da produção, por meio de suas cooperativas, como demonstram as referências identificadas nas entrevistas, quando perguntados sobre a atuação do movimento. “A questão dos projetos, essas coisas, ou então a questão do Itesp. Porque sempre tem briga de terra aqui, né? Um fala que tá plantando um tanto enquanto o outro tá plantando mais. Sempre tem essa disputa, então ou é a Coapri ou é o Itesp” (Rita, 23 anos, entrevistada em maio de 2018).

Outra jovem, ao se referir ao MST, o associa a projetos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Projetos de entregar as coisas também, minha mãe participava, mas agora não têm mais. Não souberam administrar. E vinha muito dinheiro ali. Era o PAA. Para isso veio muito dinheiro ali” (Letícia, 21 anos, entrevistada em agosto de 2018). Entende-se que as associações do MST a uma organização ligada à produção decorre da atuação também neste campo. A vivência no assentamento em relação ao MST, contudo, demonstra, no que concerne à juventude, uma percepção restrita das ações do movimento popular.

Se por um lado a prática do MST, entre os jovens do assentamento Pirituba, é 129

associada à produção; por outro lado, há uma recorrência de discursos assumidos pelos jovens que podem ser creditados ao movimento.

“Vocês desvalorizam o campo, mas, se a gente não planta, vocês não

comem ” (grifo nosso). “Tudo que ceis compra aí, no mercado, vem do sítio”. “Se não é a gente lá, vocês não sobrevivem aqui, na cidade”. “Nem tudo é feito numa fábrica”. Eu falo muito isso pra eles. Aí eles ficam quietos. É verdade mesmo. Por que desvalorizam o campo? No geral é comum, de eles se achar um pouco superior (Rita, 23 anos, entrevistada em maio de 2018).

Muitas pessoas que não entendem do sofrimento. Acham, que nem ficam falando que o pessoal que mora no assentamento são vagabundos, são isso, são aquilo, só que eles não entendem que, se não fossem essas pessoas que

moram no sítio, que plantam e colhem, eles não tinham o que comer

(grifo nosso) (Sílvia, 20 anos, entrevistada em agosto de 2018).

A frase destacada pode facilmente ser associada às expressões “Se o campo não planta, a cidade não janta” e “Se o campo não roça, a cidade não almoça”, cuja autoria não conseguimos identificar, mas aparece com recorrência nas atividades do MST, em palavras de ordem ou cartazes. As duas jovens, ao valorizarem o rural, fazem uso de conceitos ideológicos expressados pelo movimento. Nesse aspecto, podemos recuperar o dispositivo analítico “esquecimento”, segundo o qual temos a ilusão de ser aquele momento a origem do que dizemos, quando, na verdade, nossos discursos estão associados a sentidos preexistentes (ORLANDI, 2000).

Também é possível perceber que os jovens assumem para si o discurso do MST quando reivindicam direitos, como o acesso à universidade por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).

Lá na faculdade, a gente vê que tinha muita gente de carrão, que tinha carro zero, essas coisas. Então isso quer dizer que eles tiveram oportunidade de fazer uma escola particular, tiveram bons professores, e eu já não tive isso. Pra mim, estar lá, por mais que seja pelo Pronera, pelo Incra, já era uma grande vitória. Eu me sentia muito sortuda de estar lá, realmente, mas eu também fiz prova, eu também fiz vestibular para estar lá. Não foi assim: “Você quer, vem”. Eu passei por uma seleção também para chegar lá (Rita, 23 anos, entrevistada em maio de 2018).

Esse entremeio entre os discursos e a realidade prática do MST no assentamento é

mediada com frequência pelos meios de comunicação. Oliveira (2014) cita Beatriz Sarlo para

destacar o papel dos meios de comunicação também como elementos que perpassam a

construção de sentidos pelos sujeitos, tendo em vista a centralidade dos meios de

comunicação. “Numa cultura caracterizada pela comunicação de massa à distância, os

discursos dos meios de comunicação sempre funcionam e não podem ser eliminados”

(OLIVEIRA, 2014, apud SARLO, 2007, p.93-94). Entre os discursos dos jovens, verificamos que muitas vezes a relação com o MST

é mediada por meios de comunicação, sejam eles grupos de WhatsApp próprios da comunidade; redes sociais como Facebook, tanto a página do próprio movimento, como sites

de veículos locais; grande canais de TV; ou a emissora comunitária (Rádio Camponesa). Nas redes sociais falam muito mal mesmo, chamando de vagabundo, que

sempre falam essas coisas, pessoal que não tem o que fazer, que ficam

atrapalhando a movimentação dos carros (...) Essa (TV) normalmente filma,

porque é para o jornal da região [emissora afiliada da Globo em

Itapetininga]. Muitas vezes fala mal mesmo. Muito difícil quando não fala. Essa vai em todas que tão acontecendo nos lugares. A gente sabe o que tava

acontecendo, né? Acho que televisão até que não é muito. Pior é nas redes

sociais, principalmente. É o pior. Lá falam mesmo. Já tem um meio de

preconceito que não devia ter, daí falam muito mal. É difícil, gente que tá lá,

melhor não responder, porque se mexer pior. Mexer com pessoa que já tá

desse jeito é pior (Sílvia, 20 anos, entrevistada em agosto de 2018). Eu não fico sabendo [das ações do MST]. Nunca fico sabendo. Às vezes alguém comenta alguma coisa. A sogra da minha mãe vem aqui em casa e

comenta alguma coisa, mas geralmente eu não fico sabendo de nada. Às vezes também pela TV. Eu acho bom quando aparece, geralmente tão fazendo alguma manifestação, né? Acho bom, tão lutando pelo direito nosso, né? Porque a gente é muito desvalorizado. Muita coisa (Letícia, 21 anos,

entrevistada em agosto de 2018). Não tinha coisas assim que expandisse pra comunidade, coisas que mostrassem o que eles estão fazendo de bom, as ideologias, essas coisas pra

sociedade, sabe? Uma coisa fechada deles e tinha que ir lá pra saber. A mídia

fazia a narrativa deles, então passava pra gente outra coisa e a gente não

sabia o que estava acontecendo de verdade, não sabia o que porque e ficou

essa coisa. Por isso acho que é muito fechado, porque não tem um

desenvolvimento com a sociedade, na sociedade, na comunidade, aqui, sabe?

A gente nem sabe quando tem reunião, então acho que devia ser uma coisa aberta para a comunidade. (...) Uma coisa que já é direcionada pela mídia.

Por todas as fontes de comunicação que querem criminalizar o movimento e

criam essa narrativa de que o movimento é só isso e não deixa a gente. E também por ele ser assim, um movimento bem fechado. Acaba que você é manipulado pela mídia a pensar o que convém pra eles (Simone, 20 anos, entrevistada em agosto de 2018).

Oliveira (2014) destaca o papel da comunicação como “fundamental para a atualização da memória e da constituição da identificação dos assentados com o MST. Seja como interação não mediada vivenciada pelos assentados no dia a dia de suas cerimônias ou pelas relações mediadas, quando as mídias comerciais constroem representações sobre o MST” (OLIVEIRA, 2014, p.164). Os meios de comunicação, portanto, atravessam de diversas formas os discursos e as práticas das novas gerações do assentamento. Não há, contudo, um distanciamento desses jovens da realidade do MST no assentamento que os coloque numa posição de não confrontar o discurso midiático. Apesar de considerá-los negativos, os jovens o percebem de forma positiva, como uma distorção dos fatos por eles, em algum nível, observados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A luta por reforma agrária atravessa a trajetória e as vivências dos jovens do

assentamento da Fazenda Pirituba. Embora não tenham vivenciado diretamente o momento da

conquista do território, tais atravessamentos ocorrem por meio de processos de construção de

identidades e memória que perpassam o cotidiano, as expectativas, as escolhas profissionais e

o modo de vida desses jovens. Nesta pesquisa, sustentada por procedimentos quantitativos e

qualitativos, refletimos sobre este contexto a partir de duas perspectivas: a relação identitária

dos jovens com o assentamento e as aproximações dos jovens ao discurso ideológico do MST. Ao confrontar essas duas perspectivas, identificamos distinções nos sentidos conferidos à terra, especialmente na relação com “os de fora”. Quando o rural é associado à

natureza, ao idílico, há uma explícita valorização da vida no campo, elaborada a partir de uma

oposição ao urbano. No discurso dos jovens, observamos, por exemplo, questionamentos