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O assentamento que não envelhece : discursos e práticas das novas gerações sobre a luta pela terra no assentamento da Fazenda Pirituba, do MST, em Itapeva (SP)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – IFCH

CAMILA DE ARAÚJO MACIEL

O ASSENTAMENTO QUE NÃO ENVELHECE

DISCURSOS E PRÁTICAS DAS NOVAS GERAÇÕES SOBRE A LUTA PELA TERRA

NO ASSENTAMENTO DA FAZENDA PIRITUBA, DO MST, EM ITAPEVA (SP)

CAMPINAS 2019

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CAMILA DE ARAÚJO MACIEL

O ASSENTAMENTO QUE NÃO ENVELHECE: DISCURSOS E PRÁTICAS DAS NOVAS GERAÇÕES SOBRE A LUTA PELA TERRA NO ASSENTAMENTO DA

FAZENDA PIRITUBA, DO MST, EM ITAPEVA (SP)

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Sociologia, na Linha de Pesquisa Cultura.

Supervisora/Orientadora: Profa. Dra. Mariana Miggiolaro Chaguri

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA CAMILA DE ARAÚJO MACIEL E ORIENTADA

PELA PROFESSORA DOUTORA

MARIANA MIGGIOLARO CHAGURI.

CAMPINAS 2019

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Maciel, Camila de Araújo,

M187a MacO assentamento que não envelhece : discursos e práticas das novas gerações sobre a luta pela terra no assentamento da Fazenda Pirituba, do MST, em Itapeva (SP) / Camila de Araújo Maciel. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

MacOrientador: Mariana Miggiolaro Chaguri.

MacDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Mac1. Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. 2. Juventude rural. 3. Memória. 4. Identidade. 5. Movimentos sociais. 6. Movimentos sociais rurais. I. Chaguri, Mariana Miggiolaro, 1983-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The settlement that does not age : discourses and practices of the new age generations about the struggle for land in the Landless Worker's Movement

settlement of Fazenda Pirituba, in Itapeva, São Paulo Palavras-chave em inglês:

Landless Worker's Movement Rural youth

Memory Identity

Social movements Rural social movements

Área de concentração: Sociologia Titulação: Mestra em Sociologia Banca examinadora:

Mariana Miggiolaro Chaguri [Orientador] Catarina Tereza Farias de Oliveira Lidiane Maria Maciel

Data de defesa: 28-03-2019

Programa de Pós-Graduação: Sociologia

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0003-4544-5073 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/8306379561440677

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública, realizada em 28 de março de 2019, considerou a candidata Camila de Araújo Maciel aprovada.

Professora Doutora Mariana Miggiolaro Chaguri Professora Doutora Catarina Tereza Farias de Oliveira Professora Doutora Lidiane Maria Maciel

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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Aos meus pais, Laurice e Heliano, pelo amor e pela dedicação, e aos Sem-Terra que resistem na certeza de um mundo mais justo.

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Sem planejamento racional, a urbanização do campo se processará cada vez mais como um vasto traumatismo cultural e social, em que a fome e a anomia continuarão a rondar o seu velho conhecido. Antonio Candido, em “Os Parceiros do Rio Bonito”

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AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a todos/as que estiveram ao meu lado nesta caminhada e que acreditaram na viabilidade desta pesquisa. Este é um percurso que se faz a muitas mãos e estas palavras, certamente, não serão suficientes para agradecer.

Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pelo exemplo e pela perseverança intransigente na construção de um mundo mais justo para todos/as.

À professora Mariana Chaguri, pela orientação generosa e atenta. Às professoras Catarina Farias de Oliveira e Lidiane Maciel, pelas contribuições fundamentais desde a qualificação.

Ao professor e amigo Robson Braga, por acreditar tanto em mim a ponto de viabilizar emocional e praticamente este trabalho.

Aos meus pais, Laurice e Heliano, por apostarem na educação como chave de mudança no mundo e em casa; e às minhas irmãs, Lidiana e Talita, pelo amor e pela parceria de toda uma vida. Aos meus cunhados, Herbet e Kleber, pela torcida de sempre. À amiga-irmã Bia Pasqualino, pelo apoio incondicional.

Aos pequenos, que nos movem dia a dia na busca de um mundo melhor e que nos ensinam o caminho nos gestos mais despretensiosos, Felipe, Olga, Luiza, Violeta, Milton, Mariana e Heitor.

Aos jovens do assentamento da Fazenda Pirituba, que compartilharam comigo suas vivências e sonhos para esta pesquisa. A Lourdes, Luiz, Cauê, Iraí e Iara, pela acolhida sempre calorosa, pelas conversas e pelo interesse e ajuda a cada etapa deste trabalho. À Amanda, por todas as andanças no assentamento, que possibilitaram a efetivação da pesquisa de campo (e pela da companhia da pequena Kerollyne). À Camila Bonassa (xará!), que me abriu as portas do Pirituba. Meus agradecimentos a Ana Terra, Magnólia, Bel, Fernanda, Aranha, Alessandra, e tantos outros que pude encontrar no assentamento e que me ajudaram neste percurso, mas a cuja contribuição certamente não conseguirei fazer jus nestas palavras.

Às amigas que estiveram sempre por perto com incentivos e disponíveis para ajudar como fosse possível: Pri, Rebeca, Carrijo e Jo, obrigada pelas leituras e empurrões.

Aos amigos de sempre e de tanto amor e saudade, Gabi, Fefe, Milas, Livinha, Ítalo, Cris, Paulinho, Zé, Vasconcelos, Zé Bruno, Dani, Vivi, Aldemeire, Raquel e Cyane.

Aos meus amigos que resistem dentro ou fora da EBC em defesa de uma comunicação verdadeiramente pública: Boehm, Felipe, Thi, Eli, Michele, Pedro, Léo, Léo Baby, Sarah, Luana, Carol, Rovena, Marcelo, Márcio, Viné, Geilson, Rubem, Héveny, Carol Barreto, Clarice, Rafa e Alê.

Ao Centro Popular de Mídias (CPMídias), pelo apoio na liberação para as atividades acadêmicas e por nos permitir exercitar uma comunicação transformadora. Aos amigos que fazem parte deste projeto, é um privilégio estar nesta trincheira com vocês.

À Unicamp e ao Programa de Pós-graduação em Sociologia, pela oportunidade de me desafiar em uma nova área de conhecimento e por fazer da educação pública uma referência nacional. Aos colegas da turma de 2016.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de estudos concedida (Processo nº 152842/2016-0), fundamental para viabilizar esta pesquisa. Que as gerações atuais e futuras de pesquisadores possam contar este apoio para o desenvolvimento da ciência no Brasil.

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RESUMO

Esta dissertação analisa alguns dos elementos identitários com a luta pela terra mobilizados pelos jovens do assentamento da Fazenda Pirituba — em Itapeva (SP), onde o MST atua. O assentamento foi criado em 1984, resultado de processos de mobilização e organização dos trabalhadores sem terra da região do sudoeste paulista. Com base nos conceitos de movimento social, ruralidade, memória e identidade, a pesquisa investigou as relações que os jovens hoje estabelecem com elementos que constituem o assentamento historicamente e na atualidade, buscando identificar, com base na literatura sobre juventude rural, possíveis conflitos contemporâneos no modo de vida camponês. Para isso, foi realizada pesquisa de campo no assentamento, com uso de três procedimentos metodológicos: a) observação participante que totalizou uma incursão de cerca de três meses; b) aplicação de questionários com 32 jovens; c) e entrevistas em profundidade com sete desses jovens, sendo utilizada a Análise de Discurso como método interpretativo dos dados coletados durante esse terceiro procedimento. Os resultados foram organizados a partir de duas perspectivas: a) a relação identitária dos jovens com o assentamento; b) e as aproximações dos jovens em relação ao discurso ideológico do MST.

Palavras-chave: MST. Juventude Rural. Memória. Identidade. Movimento Social.

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ABSTRACT

This dissertation analyzes some of the elements which related to the struggle for land mobilized by the youngsters who live in the settlement in Fazenda Pirituba, a farm in Itapeva, São Paulo, where the Landless Workers’ Movement (MST) acts. The settlement was created in 1984 as a result of the mobilization and organization of the landless workers in the southwestern region of the state of São Paulo. Based on the concepts of social movement, rurality, memory and identity, the research has investigated the relationships established by youngsters today with elements which historically constitute the settlement until nowadays. It aimed at identifying possible contemporary conflicts in the land worker way of life based on the literature on rural youth. In order to do so, a field research has been accomplished in the settlement, with three methodological procedures: a) participant observation, which totalized an incursion of approximately three months; b) application of questionnaires with 32 youngsters; c) in-depth interviews with seven of these youngsters, utilizing Discourse Analysis as an interpretative method of the data collected during this third procedure. The results have been organized from two perspectives: a) the identity relationship between the youngsters and the settlement; b) the approximations of the youngsters to the ideological discourse of the Landless Workers’ Movement.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa do Estado de São Paulo com Dimensão Riqueza do Índice Paulista de

Responsabilidade Social

55

Figura 2 : Ao fundo, prédio da Escola Municipal Terezinha de Moura 60

Figura 3: Fachada da Rádio Camponesa 64

Figura 4: Estúdio da Rádio Camponesa 65

Figura 5: Preparação para a saída da Cavalgada na Agrovila 3, em frente à Copava 69

Figura 6: Jovens participam da atividade 69

Figura 7: Jovem segue a cavalgada com a bandeira do MST 69

Figura 8: Homenagem a Seu Antônio, da Agrovila 5 69

Figura 9: Violeiros apresentam-se no Programa Domingo Alegre Especial durante a

Cavalgada

69

Figura 10: Violeiros apresentam-se no Programa Domingo Alegre Especial durante a

Cavalgada

69

Figura 11: Violeiros aguardam para se apresentar no Programa Domingo Alegre Especial na

Rádio Camponesa durante a Cavalgada

70

Figura 12: Apresentação da dupla caipira Cacique e Pajé 70

Figura 13 : Público participante da Cavalgada 70

Figura 14: Público participante da Cavalgada 70

Figura 15: Público participante com blusas indicando comitivas de participantes na

Cavalgada

70

Figura 16: Público acompanha a programação da Cavalgada 70

Figura 17: Silo da Copava para guarda de grãos. Ao lado, o mercado e o bar da Copava. Em

seguida, o escritório e o restaurante da cooperativa

72

Figura 18: Casas da Agrovila 3 73

Figura 19: Entrada da Agrovila 5 com placas indicativas do Itesp e do MST 74

Figura 20: (Da esquerda para a direita em sentido horário) Mulheres da Cooplantas

trabalham em coletivo na plantação de ervas medicinais orgânicas. Elas trabalham na secagem em uma sede erguida na Agrovila 5

75

Fig ura 21: Área relativa dos estabelecimentos agropecuário por grupos de área (em hectare) no estado de São Paulo 1970, 1 975, 1980, 1996 e 2006

(11)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Etapas de imersão em campo 19

Tabela 2: Áreas do assentamento Pirituba II em relação ao município, início, número de lotes e área ocupada

50

Tabela 3: Projeção da população por faixas etárias quinquenais, em 1º de julho de 2018. Município de Itapeva

97

Tabela 4: Projeção da população por faixas etárias quinquenais, em 1º de julho de 2018. Município de Itaberá

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

CAPÍTULO 1 – A LUTA 27

1.1 A luta pela terra no Brasil 28

1.2 A luta do MST pela terra 38

1.3 A luta pelas terras do assentamento da Fazenda Pirituba 45

CAPÍTULO 2 – A TERRA 52

2.1 O assentamento da Fazenda Pirituba 52

2.2 Transformações no campo do sudoeste paulista 75

2.3 Tensionamentos no modo de vida camponês 84

CAPÍTULO 3 – O JOVEM 93

3.1 Os jovens do assentamento da Fazenda Pirituba 93

3.2 Identidade e memória 105

3.3 Relação identitária dos jovens com o assentamento 111

3.3.1 Alternativas não agrícolas de vida 115

3.3.2 Tensões nas relações comunitárias 120

3.4 Aproximações em relação ao discurso ideológico do MST 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS 133

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INTRODUÇÃO

Ficar ou partir. Este é um impasse recorrente nos trabalhos que abordam a juventude no campo brasileiro. No contexto rural, as vidas dos jovens parecem se desenvolver entre essas duas possibilidades (CASTRO, 2007). E, no meio delas, diversos fatores concorrem para a permanência ou a migração: relações sociais, condições estruturais, oportunidades de lazer, acesso a atividades agrícolas ou não agrícolas, entre outras. “O assentamento que não envelhece” nos permite pensar sobre as condições que levam à permanência desses jovens no campo. Esta frase, dita por uma assentada, demonstra um olhar “para dentro”, ou como se percebem os moradores do assentamento da Fazenda Pirituba, em Itapeva, no sudoeste paulista.

Nesta pesquisa, me propus a refletir sobre a permanência desses jovens a partir de elementos identitários relacionados à luta pela terra em uma área conquistada há mais de 30 anos. Permeados pela constituição histórica do assentamento e pela memória relacionada a essa trajetória de mobilização e organização dos trabalhadores sem terra, os discursos e as práticas dos jovens do Pirituba se vinculam, também, a outros elementos identitários e a relações sociais como a identificação com o modo de vida camponês e a relação com o urbano.

Há, no Brasil, 972.289 famílias assentadas em pouco mais de 9,3 mil assentamentos, de acordo com o painel de assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com dados de dezembro de 2017. As percepções da juventude sobre a luta por terra e a identificação com a vida no campo nos ajudam a entender as relações sociais no meio rural brasileiro.

A Fazenda Pirituba, localizada nos municípios de Itapeva e Itaberá, foi incorporada ao patrimônio público estadual em 1950 por meio da execução de dívida da Companhia Agrícola e Industrial de Angatuba. A área de 17.500 hectares passou a ser propriedade do Banco do Estado de São Paulo. Segundo informações da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), o governo paulista pretendia destinar essas terras para colonização, mas a fazenda foi arrendada para um grupo de pecuaristas, mantendo a lógica do latifúndio. Foi na década de 1980 que trabalhadores sem terra da região passaram a

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disputar esse território.

As primeiras áreas – Agrovila 1 e Agrovila 2 – foram destinadas para assentamento em 1984, resultado de processos de acampamentos para reivindicação da área. Junto com a organização dos trabalhadores sem terra na região, nascia o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). A fundação do MST se deu em Cascavel, no Paraná, aglutinando ações de luta por terra que despontavam nos anos 1980 junto com o processo de redemocratização do Brasil. No Pirituba, o processo de acampamento da Agrovila 3 já ocorre sob a organização do movimento. Nos anos seguintes, novas áreas – hoje com um total de seis agrovilas – foram sendo conquistadas e ainda hoje o MST reivindica terras que compõem a Fazenda Pirituba, fazendo com que a região conviva com acampamentos sem terra.

A Rádio Camponesa, em funcionamento há 20 anos, foi a minha porta de entrada no assentamento da Fazenda Pirituba, no sudoeste paulista. Como jornalista e atuando como repórter do Brasil de Fato , eu mantinha contato com os assentados que participavam da rádio, 1 especialmente os que atuavam nacionalmente na Frente de Rádios do MST, e meu primeiro olhar investigativo se lançou sobre essa experiência e as trocas simbólicas (GEERTZ, 2014) que se estabeleciam ali. Meu olhar, portanto, voltava-se aos elementos da “cultura”, conceito definido por Clifford Geertz como essencialmente semiótico. O autor (2014, p.10) se refere ao homem, apoiando-se em Max Weber, como um “animal amarrado a teias de significados, que ele mesmo teceu”. Nesse sentido, ele assume a análise dessas teias, a cultura, como “uma ciência interpretativa, à procura do significado”.

Carregada de significados, seja pela presença física ou simbólica, a Rádio Camponesa me levou ao assentamento. A imersão no campo, no entanto, foi ampliando o meu interesse para entender como a juventude de um assentamento já consolidado da reforma agrária, com mais de 30 anos de existência, relacionava-se com a trajetória de lutas e conquistas que se deu naquele território.

Este era um tema recorrente em outros espaços do MST em que eu participava como jornalista do Brasil de Fato. “Como vamos trazer mais a juventude?”, questionavam-se

1 O Brasil de Fato (BdF) é um veículo de comunicação lançado em 25 de janeiro de 2003 durante o Fórum Social

Mundial daquele ano, em Porto Alegre. Inicialmente, o BdF circulou por mais de dez anos com uma versão impressa nacional e, atualmente, existe em diferentes formatos, como site (nacional e em quatro estados), rádio e impressos regionais. O veículo reúne jornalistas, articulistas e movimentos populares do Brasil e do mundo. Entre os movimentos populares que dão suporte editorial ao BdF está o MST.

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dirigentes em uma reunião da Coordenação Nacional do MST, ocorrida em janeiro de 2017 em Fortaleza (CE). A presença de muitos jovens naquele encontro, no entanto, foi motivo de alegria entre os presentes, embora a questão da participação da juventude sempre aparecesse como um desafio para o movimento. Além da rádio, outros espaços da vida cultural e comunitária, como a escola e a própria comunidade, mostravam pistas de como problematizar as relações daqueles jovens com a memória coletiva sobre a luta pela terra no assentamento da Fazenda Pirituba.

Como parte desse contexto, abordamos neste trabalho aspectos da trajetória de lutas que marca o campo brasileiro, do período que vai da metade do século XX, com destaque para as Ligas Camponesas, alcançando o surgimento do MST na década de 1980. Para tanto, mobilizamos o conceito de movimentos sociais (GOHN, 2011) como forma de entendermos o caráter de ações políticas coletivas com vistas à expressão de demandas por direitos. Ao se situarem as características dos movimentos sociais contemporâneos no Brasil, compreende-se como o MST se torna uma organização que, para além de reivindicações por terra, projeta um modelo de desenvolvimento para o país que põe em cena o trabalhador rural como um sujeito de direitos, assim, ao se constituir como movimento social, o MST forja a identidade sem terra (CHAVES, 2000).

Essa forma de atuação do MST reverbera dentro do assentamento da Fazenda Pirituba. A identificação e as percepções dos jovens sobre o movimento são parte da análise empreendida neste trabalho. Recorremos à ideia, desenvolvida por Pierre Bourdieu (1989), de que as representações da realidade social são construídas como produto de imposições arbitrárias e respondem a uma relação de forças nas lutas por delimitações legítimas. Lançamos mão ainda do conceito de memória (BOSI, 1983), entendido como uma construção social do grupo em que se vive e, portanto, o que é lembrado faz parte de um processo de escolha e rejeição. Compreende-se que esses dois conceito – memória e identidade – nos ajudam a compreender a relação analisada nesta pesquisa como processos carregados de simbologias e construídos socialmente.

Outros dois conceitos-chave nos levam às especificidades do ambiente e dos sujeitos que são foco desta pesquisa. Abordamos como as transformações no meio rural brasileiro, com a expansão do modelo do agronegócio globalizado (ELIAS, 2013), levam a

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mudanças nas dinâmicas socioespaciais do campo. Essas transformações, contudo, não são suficientes para fazer desaparecer as sociedades rurais. O “rural” é entendido não como essência (WANDERLEY, 2009), mas como uma categoria histórica, sujeita a mudanças. Nesse contexto, recorremos à noção de “juventude rural”, a partir da qual nos voltamos para a caracterização do grupo social que tem desdobramentos próprios da vida no campo. Como nos lembra Elisa Guaraná de Castro (2007), não se trata apenas de um recorte populacional, mas de uma identidade social que deve ser lida a partir de processos de interação social e pelas configurações em que ela se encontra.

Trabalho de campo

A pesquisa em campo teve início em fevereiro de 2016 em uma visita na qual fui apresentada às principais estruturas existentes no assentamento, como escola, rádio, cooperativas, entre outros espaços. A relação prévia com o MST, por meio da atuação no Brasil de Fato, me rendeu uma dupla apresentação: além de pesquisadora, eu era identificada como jornalista. Para além das formalidades da apresentação, a inserção no campo foi muitas vezes facilitada por essa relação anterior, desde condições de infraestrutura ao auxílio no desenvolvimento da pesquisa para encontrar os jovens que seriam entrevistados.

Já na primeira ida, fui calorosamente “adotada” pela família da professora e militante do MST Lourdes Sanchez que me acolheu, também, em todas as estadias seguintes, inclusive as de maior duração. A dupla relação – como pesquisadora e jornalista do Brasil de Fato – me levou também ao cumprimento de tarefas na área de comunicação, como produção de reportagens que eram solicitadas pelo movimento ou propostas por mim. Essa aproximação contribuiu, ainda, para uma relação de confiança com os jovens que foram surgindo ao longo das visitas. Por outro lado, é necessário explicitar metodologicamente as etapas que se cumpriram com o apoio de integrantes do MST e que, portanto, tiveram um recorte selecionado pelo movimento.

Refiro-me à aplicação dos 32 questionários com jovens com idade entre 20 e 29 anos. A busca ativa das pessoas que seriam entrevistadas foi viabilizada pela cooperação da militante e coordenadora da Rádio Camponesa, Amanda Correa, da professora e militante Lourdes Sanchez e da também militante Fernanda Ramos. Não houve, contudo, nenhuma

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ação limitadora por parte de integrantes do MST. Pelo contrário, a ajuda possibilitou encontrar o perfil pretendido para as entrevistas e dissolveu a desconfiança inicial constatada quando da abordagem direta a alguns jovens. O procedimento para a aplicação dos questionários será detalhado mais à frente.

A vivência no assentamento teve um fator limitante pela indisponibilidade de tempo para períodos mais longos, tanto pela necessidade de conciliar pesquisa com emprego, como pela distância do assentamento (cerca de 300 km da capital paulista, onde moro). Foi possível permanecer por dois períodos mais longos de 15 e 10 dias e por períodos menores (2 a 3 dias) para acompanhamento de atividades representativas do assentamento, como a cavalgada que celebra o aniversário da Rádio Camponesa e o aniversário da Agrovila 1, celebrado em maio na escola, junto com o Dia das Mães (Tabela 1). Listamos ainda outras atividades do MST fora do assentamento que, embora não estivessem diretamente relacionadas à pesquisa, de forma secundária ajudaram a compor as análises empreendidas neste trabalho. Maria Cecília de Souza Minayo (2010) destaca a importância da aproximação com o campo de pesquisa de forma a estabelecer interações que ofereçam elementos substanciais para a análise interpretativa.

O trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com os “atores” que conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz pesquisa social (MINAYO, 2009, p.61).

Reflexões sobre a posição observador/pesquisador permearam toda esta pesquisa. A dupla posição, sendo reconhecida no campo como pesquisadora e jornalista que atuava junto ao MST, impôs desafios. Entre eles, uma possível retração por parte dos jovens ao dar opiniões sobre a organização por meio dos questionários e entrevistas. Questões que poderiam parecer simples, como a pergunta em que eles deveriam indicar se ouviam rádio, geraram certo constrangimento quando os jovens assumiam que não ouviam a Rádio Camponesa, do MST. Notei que eles ficariam mais confortáveis se eu deixasse claro que não seriam identificados com seus nomes no texto final, deste modo, as declarações se tornaram mais espontâneas e francas. E assim o fizemos: os nomes dos jovens entrevistados — tanto no

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questionário, como na entrevista em profundidade — são fictícios.

Alba Zaluar (1986) problematiza a posição do observador/pesquisador enquanto sujeito que se sente parte a partir da confluência de uma mesma ação política, desfazendo o distanciamento entre observador e observado.

Alternativamente, a pesquisa pode e deve ser o momento em que se reflete sobre essas variadas possibilidades de relacionamento entre pesquisador e pesquisado, sobre os diferentes impactos que qualquer pesquisa sempre provoca no grupo pesquisado, tomando-se como pano de fundo, uma alteridade nunca resolvida nem dissolvida nos encontros e desencontros que a pesquisa traz. Neste caso, a alteridade não seria dissolvida nem pela função simbólica única das subjetividades em encontro, nem pelo projeto político popular unificado. Ao contrário, aqui ela independe da vontade o pesquisador: está nos gestos, na posse de objetos (gravador, papel, caneta…), nos hábitos diários de comer, andar, vestir, falar e nos rituais sutis da dominação a que o pesquisador não consegue escapar (ZALUAR, 1986, p.115).

Compreende-se que, ao exigir distanciamento, Zaluar não está defendendo uma entrada “neutra” em campo, mas sim que a reflexão não deixe de incorporar também essa relação com os observados. “[…] O texto final do antropólogo pode vir a fornecer manancial teórico e prático para as lutas específicas que os grupos estudados travam na sociedade, sem que o antropólogo seja o porta-voz ou o líder, muito menos o representante do grupo que estuda. Quando muito, um aliado” (ZALUAR, 1986, p.116).

Para Zaluar, portanto, a ação e a participação é própria da pesquisa científica, mas não se deve perder a percepção de que o observador é um sujeito externo, por mais integrado que esteja. Ela também reforça a necessidade de se olhar o campo pelo contraditório, pelos espaços de mediação, da interação.

Na tabela a seguir (Tabela 1), foram listadas todas as inserções em campo durante o período do mestrado, incluindo aí as visitas ao assentamento investigado e as participações em eventos do MST realizados em outros espaços.

(19)

Tabela 1: Etapas de imersão em campo

Data Atividades Procedimentos adotados Fevereiro de 2016 (3 dias) Pesquisa exploratória a) entrevistas com militantes do

MST [Fernanda Matheus, Lourdes Sanchez, Camila Bonassa, José Aparecido Ramos (Zezinho) ] b) visita à escola

c) visita à rádio

d) visita à família assentada Janeiro de 2017

(2 dias)

Reunião da

Coordenação Nacional do MST (em Fortaleza)

Participação como jornalista do Brasil de Fato

Maio de 2017 (2 dias) Aniversário do assentamento

a) festa do assentamento na escola b) festa do Dia das Mães na escola Outubro de 2017 (2 dias) Festa na Rádio

Camponesa (no assentamento)

a) festa para arrecadar recursos para a rádio

b) participação na venda de bingo Abril de 2018: qualificação

Maio de 2018 (15 dias) Pesquisa sistematizada a) festa de Dia das Mães na escola b) aplicação de 32 questionários c) conversas informais

d) visita a acampamento em Itaporanga

e) trabalho como repórter do Brasil de Fato (matéria sobre o

acampamento de Itaporanga) f) trabalho como repórter do Brasil de Fato (matéria sobre a

Cooplantas) Junho de 2018 (4 dias) Feira Nacional da

Reforma Agrária (em

a) observação

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São Paulo/SP) b) facilitação de oficina para programa de rádio com crianças do MST

Agosto de 2018 (4 dias) Marcha Nacional Lula Livre (em Brasília)

Participação voluntária como integrante da equipe de comunicação

Agosto de 2018 (10 dias) Pesquisa sistematizada no assentamento

a) entrevista com 7 jovens do assentamento b) conversas informais Novembro de 2018 (3 dias) 11º Cavalgada do MST e 20 anos da Rádio Camponesa a) observação

b) cooperação em tarefas como cobertura de rádio e venda de comidas

Fonte: Da autora

Em campo, trabalhamos com observação participante desde a fase exploratória, sempre mantendo um diário de campo. Minayo (2009, p. 59) explica que a técnica “se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos”. Nesse processo, se estabelece uma relação face a face entre os sujeitos pesquisador e indivíduos-alvo da pesquisa, a qual resulta em interferências mútuas de compreensão.

Definimos observação participante como um processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador de uma situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador, no caso, fica em relação direta com seus interlocutores no espaço social da pesquisa, na medida do possível, participando da vida social deles, no seu cenário cultural, mas com a finalidade de colher da dados e compreender o contexto da pesquisa. Por isso, o observador faz parte do contexto sob sua observação e, sem dúvida, modifica esse contexto, pois interfere nele, assim como é modificado pessoalmente (MINAYO, 2009, p.70).

Após o exame de qualificação desta pesquisa, em abril de 2018, optamos por uma abordagem por meio da aplicação de questionários que tinham como propósito traçar um panorama de hábitos socioculturais dos jovens do assentamento da Fazenda Pirituba,

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conhecendo aspectos da história de vida, meios de interação, consumo cultural e trajetória profissional e escolar. Foram entrevistados nesta fase 32 jovens, sendo 19 mulheres e 13 homens. Como já dissemos, a busca pelos entrevistados foi mediada pelo apoio dado pelas integrantes do MST Amanda Correa, Lourdes Sanchez e Fernanda Ramos, que acompanharam esta etapa do trabalho. Consideramos que, para além de viabilizar a aplicação dos questionários, essa mediação permitiu a localização de jovens com faixa etária de 20 a 29 anos no assentamento, pois, pela relação de confiança com elas, foi possível acessar as casas deles sem dificuldades.

Para ampliar o número de jovens contactados, adotamos como mecanismo a indicação dos próprios entrevistados para que pudéssemos buscar outros respondentes para o questionário. Durante as semanas que desempenhamos este trabalho, percebemos o envolvimento dos participantes da pesquisa ao se mobilizarem para que pudéssemos encontrar o máximo de jovens com o perfil definido. A aplicação de cada questionário durava de 15 a 20 minutos, aproximadamente; mas os diálogos em paralelo levaram a situações em que a conversa se estendeu por até 40 minutos. Nesse sentido, os dados quantitativos resultantes dos questionários foram sistematizados, oferecendo um panorama dos hábitos e das trajetórias dos jovens do assentamento da Fazenda Pirituba, mas também a anotações que contribuíram para a etapa qualitativa da pesquisa.

Por fim, selecionamos 7 dos 32 jovens entrevistados para a etapa qualitativa, em que faríamos entrevistas em profundidade. Minayo (2009) diferencia a entrevista em profundidade como um modelo em que o informante é convidado a falar livremente sobre um tema e as perguntas do pesquisador buscam dar mais profundidade às reflexões. Trabalhamos, no entanto, com um roteiro semi-estruturado que abordava pontos como as memórias da infância, a chegada dos pais ao assentamento, as informações que tinham sobre a origem do assentamento, a relação com a escola, com a cidade, com o MST, projetos de vida, entre outros.

Para este momento, selecionamos inicialmente dez dos 32 jovens, mas somente sete entrevistas foram viabilizadas. O contato foi feito diretamente por mim, agora sem a mediação do MST. O contato era agendado previamente por ligação telefônica ou WhatsApp. Tivemos algumas resistências entre os jovens, especialmente entre os homens, os quais, no

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geral, demonstraram maior timidez. Destacamos aqui a importância de termos informado e reforçado para eles que a entrevista não seria identificada, pois, em alguns momentos, notamos certo desconforto em tecer críticas ao MST, sobretudo em relação às ações do setor de produção por meio das cooperativas.

Análise do Discurso

Para empreender a análise dos dados coletados, recorremos à Análise de Discurso. A teoria da Análise de Discurso, conforme explica Eni Orlandi (2000), trabalha com o conceito de que o discurso é um objeto sócio-histórico, não se tratando de uma expressão linguística fechada em si mesma. A teoria relaciona a linguagem à sua exterioridade. A autora esclarece que essa proposta de análise confronta o simbólico e o político, interpelando campos como a Linguística e as Ciências Sociais. A Análise de Discurso parte, então, da ideia

de que a materialidade específica da ideologia é o discurso e a materialidade específica do discurso é a língua, trabalha a relação língua-discurso-ideologia. Essa relação se complementa com o fato de que, como diz M.Pêcheux, não há discurso em sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido (ORLANDI, 2000, p.17).

Patrick Charaudeau (2006, p.40) destaca que o discurso “resulta da combinação das circunstâncias em que se fala ou escreve (a identidade daquele que fala e daquele a quem este se dirige, a relação de intencionalidade que os liga e as condições físicas da troca) com a maneira pela qual se fala”. Nesse contexto, não se deve esquecer que “o acontecimento é sempre construído” (CHARAUDEAU, 2006, p.95).

Rosalind Gill (2002, p.247) aponta os quatro principais temas trabalhados na Análise de Discurso. O primeiro deles é a preocupação com o discurso em si mesmo. Por esse ponto de vista, os analistas estão interessados no conteúdo e na organização do texto, “em vez de considerá-los como um meio de chegar a alguma realidade que é pensada como existindo por detrás do discurso”.

O segundo tema destacado é a visão da linguagem como construtiva (criadora) e construída. Sobre este ponto depreende-se a ideia de que o discurso é construído a partir de recursos linguísticos preexistentes, há um conjunto de formas da língua com as quais se

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podem organizar um relato. Relato este que implica em escolha, pois há inúmeras formas de descrever uma mesma situação. A noção do uso construtivo da linguagem enfatiza, também, a forma como lidamos com o mundo, que se dá a partir de construções sociais mediadas pelos diferentes textos que conferem sentido ao nosso mundo.

A terceira característica apontada por Gill é a ênfase no discurso como uma forma de ação, na qual todo discurso é visto como prática social. Esse tema denota que os enunciadores são atores sociais e, portanto, se orientam pelo contexto interpretativo em que encontram. O discurso está ajustado a esse contexto. Por fim, a autora destaca a convicção na organização retórica do discurso. Ela diz que a análise do discurso percebe a vida caracterizada por diversos conflitos e grande parte dos discursos, portanto, estabelece versões do mundo diante de versões conflitantes.

Nesse sentido, a “análise do discurso visa a fazer compreender como objetos simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que ela considera como atos no domínio público, pois eles intervêm no real do sentido” (ORLANDI, 2000, p.26). Interessa ao analista saber as condições de produção: contexto e lugar do qual fala o emissor. A análise do discurso vai além de saber o que o texto quis dizer, numa interpretação direta de compreensão textual. Ao analista de discurso, importa captar o sentido da enunciação.

Não há, entretanto, segundo Orlandi (2000, p.26), uma “chave de interpretação. [...] há método, há construção de dispositivo teórico”. Cabe ao analista explicitar processos de significação presentes no texto e, dessa forma, compreensões que podem ser percebidas em uma leitura analítica criteriosa. “A análise do discurso não procura o sentido ‘verdadeiro’, mas o real sentido em sua materialidade linguística e histórica” (ORLANDI, 2000, p.59).

A autora (2000) esclarece que o dispositivo teórico da interpretação é único. Ele diz respeito à teoria da análise do discurso em si e, portanto, não sofre diferenciações entre objetos distintos. Há diferença, no entanto, no que diz respeito ao dispositivo analítico. Este cabe ao analista, que mobiliza conceitos que condigam com a questão lançada.

Trataremos agora os conceitos referentes à Análise do Discurso em si, conforme dito acima, denominados de dispositivo teórico. Orlandi nos fala da condição de produção, a qual pode ser considerada no sentido estrito, o contexto imediato; e em sentido amplo, que

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inclui o contexto sócio-histórico e ideológico. Um outro elemento interferente no processo de produção é a memória, aqui entendida nos termos do discurso. Também tratada como interdiscurso, é definida como

o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada (ORLANDI, 2000, p. 31).

Trata-se de um impulso que vem pela memória e atinge sua materialidade no texto; as palavras significam pela história e pela língua.

O cruzamento entre interdiscurso – ligado à memória discursiva – e intradiscurso – que seria o campo da formulação do enunciador – não é feito de forma consciente. “Ao falarmos, nos filiamos a redes de sentidos, mas não aprendemos como fazê-lo, ficando ao saber da ideologia e do inconsciente” (ORLANDI, 2000, p.34). O intertexto mobiliza as relações de sentido. Devem ser observados, portanto, além das formas discursivas expressas no texto, também o que não foi dito.

Entremos, então, em mais um conceito, o de “esquecimento”. A autora enumera duas formas: ordem da enunciação e esquecimento ideológico. O primeiro versa sobre o processo do modo como escolhemos falar, pois a forma de dizer também tem relação com o sentido. Esse esquecimento de que poderíamos nos expressar de outra forma, produz a impressão de realidade do pensamento, como se só houvesse uma forma de se expressar sobre um mesmo fato, utilizando-se as mesmas palavras. Segundo a autora, esse esquecimento é parcial ou semi-consciente.

A segunda forma tem relação com a ideologia. Está relacionada ao inconsciente e refere-se à ilusão da origem do que dissemos, quando, na verdade, o que dizemos está vinculado a sentidos preexistentes. Os discursos já estão em processo, quando formulamos algo. Orlandi diz que o esquecimento é estruturante, como constituinte dos sujeitos e dos sentidos.

Paráfrase e polissemia são duas ideias sobre as quais se estabelece a tensão entre o mesmo e o diferente no discurso. Paráfrase representa a retomada de formas ditas, a memória.

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A polissemia, por sua vez, se expressa na ruptura de processos de significação. A esses dois conceitos se ligam as ideias de produtividade e criatividade. A primeira é norteada pela paráfrase, “a produtividade mantém o homem num retorno constante ao mesmo espaço dizível: produz variedade do mesmo” (ORLANDI, 2000, p.37). Enquanto a criatividade implica a produção de significados diferentes, que interferem no sujeito e no sentido, bem como a relação deles com a história.

É importante perceber, ao analisar um discurso, as relações de força e sentido que estão implicadas. A característica contínua do discurso, sendo este visto como um processo discursivo mais amplo, denota a relação de um dizer com outros, ou seja, os sentidos resultam de relações entre discursos. Como relação de força, entende-se que o lugar do qual fala o sujeito também constitui o dizer. Os discursos significam também de acordo com quem fala, marca da estrutura hierarquizada da sociedade.

Precisamos também elucidar o sentido de “antecipação” para a Análise do Discurso. Ele explicita a capacidade do sujeito em colocar-se no lugar de seu interlocutor, pois essa reflexão sobre o que o destinatário espera ouvir interfere na construção do discurso. Temos, então, o que Orlandi denomina de “formações imaginárias”. “São essas projeções que permitem passar das situações empíricas – os lugares dos sujeitos – para as posições do sujeito no discurso” (ORLANDI, 2000, p.40). Trazemos também a ideia de polifonia (João Bosco Bonfim, 2002) que revela as escolhas de quem fala, apoiando-se em outros discursos para constituir o seu. Isso confere uma ideia de distanciamento para se referir a algo, no entanto, as escolhas das fontes evidenciam um controle sobre a partir de quem se escolhe dizer.

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Esta dissertação está dividida em três partes: “A Luta”, “A Terra” e “O Jovem”. Trata-se de uma organização que guarda semelhança com o livro reportagem “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, mas este trabalho não tem outros elementos de aproximação com a obra.

No Capítulo “A Luta”, abordamos o contexto de lutas por terra a partir de três vieses: a reforma agrária no Brasil, a luta do MST e a luta por terra no assentamento da

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Fazenda Pirituba. Ao trazer o contexto nacional, fizemos a opção de abordar o período que antecede a formação do MST e as lutas na região do sudoeste paulista, abrangendo a segunda metade do século XX. Contamos, em seguida, a história do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que surge por uma ascensão dos movimentos campesinos durante a redemocratização na década de 1980. Encerramos este capítulo com o histórico de lutas por terra na área da Fazenda Pirituba, demonstrando a divisão em agrovilas que representam mais de uma década de luta por reforma agrária na região, tendo em vista que a primeira agrovila foi conquistada em 1984 e a última em 1996. Ainda hoje, no entanto, famílias sem terra da região reivindicam áreas sob posse do governo paulista que são utilizadas para plantação de pinus e eucalipto.

Já o segundo capítulo – “A Terra” – inicia com uma descrição do assentamento da Fazenda Pirituba, considerando aspectos geográficos, da produção, populacionais e estruturais, bem como diferenciações de cada uma das agrovilas, com exceção da Agrovila 2, a qual entendemos manter um distanciamento físico e de interação com as demais agrovilas e que, portanto, não faz parte das análises empreendidas neste estudo. As transformações no campo do sudoeste paulista são tema do segundo tópico deste capítulo. Discutimos inicialmente o avanço do modelo do agronegócio globalizado (ELIAS, 2013) para, no tópico seguinte, abordar as mudanças nas dinâmicas socioespaciais no campo, as quais exercem pressão sobre os pequenos agricultores e interferem nas alternativas que se apresentam para os jovens do meio rural.

Por fim, o terceiro capítulo – “O Jovem” – apresenta os sujeito que são foco desta pesquisa, considerando os dados coletados por meio dos questionários e das entrevistas em profundidade. No primeiro tópico, abordamos conceitualmente os debates sobre geração e juventude rural, ao mesmo tempo em que relacionamos isso ao contexto dos jovens do Pirituba. Em seguida, apresentamos os dois suportes teóricos – identidade (BOURDIEU, 1989) e memória (BOSI, 2012) – que são dispositivos para análise das práticas e dos discursos dos jovens do assentamento. Por fim, os resultados foram organizados a partir de duas perspectivas: a) a relação identitária dos jovens com o assentamento; b) e as aproximações dos jovens em relação ao discurso ideológico do MST.

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CAPÍTULO 1 – A LUTA

Que a noite escura da dor e da morte passe ligeira, que o som dos nossos hinos anime nossas consciências

e que a luta redima nossa pobreza, que o amanhecer nos encontre sorridentes festejando a nossa liberdade. Terra Sertaneja, Ademar Bogo

Antes de nos debruçarmos sobre a história de luta pela terra na Fazenda Pirituba, no sudoeste paulista, é fundamental compreendermos como surgem os movimentos sociais ligados ao campo no Brasil. As bases para o surgimento de um movimento massivo de luta pela reforma agrária se expressa na região da Fazenda Pirituba anteriormente à formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Bernardo Mançano Fernandes (1994) destaca que é justamente uma diversidade de experiências em São Paulo, que ocorrem desde 1979, e também em outros estados, que levam à conformação de um movimento nacional de luta pela terra no Brasil. O MST foi fundado em 1984 na cidade de Cascavel, no Paraná, com a realização do primeiro Encontro Nacional dos Sem-Terra, mas não foi o ato formal que permitiu a sua existência e continuidade como um movimento social de referência no país. Em São Paulo, a resistência dos posseiros da Fazenda Primavera, nos municípios de Andradina, Castilho e Nova Independência, marca a origem do MST no estado.

As novas formas de luta e resistência configuraram-se em movimentos com o objetivo de transformar as suas realidades, de reconquistar frações do território, lutando contra a miséria e resistindo ao assalariamento, que tem crescido com a territorialização do capital e, consequentemente, com a expansão da propriedade capitalista, em detrimento da propriedade e do trabalho familiar (FERNANDES, 1994, p. 78).

Levantamentos recuperados por Fernandes, a partir de estudos desenvolvidos por Elide Rugai Bastos e José Eli da Veiga na década de 1980, mostram que durante o período de ascensão e início da queda do governo civil-militar, considerando os anos de 1964 a 1981, foram registrados 128 conflitos no campo paulista. A maioria deles (52%) está relacionada à terra. Os demais referem-se a questões trabalhistas, entre outras causas, envolvendo

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arrendatários, posseiros, latifundiários, grileiros, assalariados, pequenos proprietários, Estado, empresas, Igreja etc. Os dados refletem parte do contexto de lutas sociais no campo naquele período.

Neste capítulo, será abordada a trajetória de luta que levou à formação de assentamentos da área da Fazenda Pirituba apresentando informações trazidas em entrevistas com os moradores e relacionando-as ao surgimento do MST e ao contexto das políticas de reforma agrária no Brasil, especialmente aquelas que antecedem a criação dos assentamentos. Ainda neste capítulo, situa-se o MST nos debates contemporâneos sobre movimentos sociais.

1.1 A LUTA PELA TERRA NO BRASIL

Se comparada à formação do latifúndio no Brasil e à consequente luta pela terra, a reforma agrária é uma política recente no Brasil (FERNANDES, 1999). Na compreensão de Bernardo Mançano Fernandes, não é possível dissociar as ocupações de terra da formação histórica da concentração de terra no país, que tem sua origem nas sesmarias, ainda no período colonial (1500-1822).

O autor faz uma diferenciação entre a luta pela terra e pela reforma agrária, uma vez que elas são independentes, embora interajam. Fernandes (1999) aponta que o primeiro projeto de reforma agrária é da década de 1960 – o Estatuto da Terra –, mas que camponeses já lutavam por esse direito sem a existência desta perspectiva. “A luta pela reforma agrária é uma luta mais ampla, que envolve toda a sociedade. A luta pela terra é mais específica, desenvolvida pelos sujeitos interessados. A luta pela reforma agrária contém a luta pela terra” (FERNANDES, 1999, p. 10). Os processos de resistência indígena e negra são caracterizados pelo autor também como lutas camponesas.

Após a libertação dos escravos (1888) e a constituição da propriedade privada da terra, desenvolveu-se a formação das fazendas pelo processo de grilagem de terras. Fernandes explica que esse processo se deu sob falsificação de documentos, subornos dos responsáveis pela regularização fundiária e o assassinato de trabalhadores rurais, que atuavam na terra como posseiros e foram expropriados.

A terra como propriedade privada, no entanto, remonta à própria constituição do

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mundo moderno, como destaca Antonádia Borges (2014), ao retomar os conceitos de acumulação primitiva de Karl Marx. “(…) o cercamento dos campos e a expulsão de seus moradores não tiveram como objetivo único ou primordial a exploração extensiva da terra para a produção de alimentos ou a criação de animais, mas o esfacelamento daquela humanidade” (BORGES, 2014, p. 434).

Borges reflete sobre a compreensão da terra como um meio de produção, e não de vida: “(…) a terra tornou-se índice de uma forma de ocuparmos o mundo à nossa volta não em termos de convivialidade, mas a partir da exclusão obrigatória de qualquer alteridade que coloque em xeque seu estatuto como propriedade privada” (BORGES, 2014, p. 440). Ela cita como exemplo o uso da terra pelos povos tradicionais, como indígenas e quilombolas: “Para que tanta terra, se são poucos?”, questiona-se. Para a autora, novas formas de vida no campo devem ser pensadas, “como ensaiam os sem-terra”.

Leonilde Sérvolo de Medeiros (1989) avalia que recuperar a história da luta dos trabalhadores rurais é desafiante, tendo em vista os escassos, dispersos e fragmentados registros. Ela aponta que a própria trajetória de exploração e subordinação dessa população, por vezes excluídas de direitos políticos e sociais, torna mais complexa a preservação da sua memória social. A despeito da construção histórica de um trabalhador rural vitimizado, a autora relembra revoltas populares que construíram testemunhos de resistência da classe trabalhadora no campo brasileiro.

Medeiros (1989) relembra as fugas de escravos e a constituição de quilombos, onde se criavam formas próprias de organização econômica, social e política. Lembra também a revolta de homens livres e pobres na zona da Mata pernambucana que se rebelaram diante do boato de que o governo estaria tornando obrigatório o registro de nascimento e realizando levantamentos censitários com vistas a escravizá-los. “O boato percorreu o interior de Pernambuco e gerou sucessivas ondas de pânico coletivo” (MEDEIROS, 1989, p. 12). A autora retoma, ainda, as greves de colonos paulistas, bem como as sucessivas greves de colonos que reivindicavam preços justos para a época da colheita, além da retirada de punições com multas que eram consideradas arbitrárias.2

2 Há ainda os movimentos de caráter messiânicos, conforme aponta Medeiros, assim chamados pois tinham a sua

frente um líder que baseava a liderança na confiança religiosa. Stedile e Görgen (1996) situam essas

mobilizações no período entre 1850 e 1940. Canudos, na Bahia, é o movimento mais conhecido, que teve

Antônio Conselheiro como messias, de 1870 a 1897. Há também o Contestado, que se instalou na divisa entre os

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O segundo momento das lutas no campo traçadas por Stedile e Görgen(1996) é chamada de “lutas radicais localizadas”, registradas de 1940 a 1955. Eles destacam neste período lutas de característica violenta, entre elas: a luta dos posseiros de Teófilo Otoni em Minas Gerais (1945 a 1948), a revolta de Dona “Nhoca” no Maranhão (1951), a revolta de Trombas e Formoso em Goiás (1952 a 1958), revolta do Sudoeste do Paraná (1957) e a luta dos arrendatários em Santa Fé do Sul, em São Paulo (1959). “Todas essas lutas foram consequência do enorme contingente de trabalhadores rurais sem terra que já existia no país, enquanto, por outro lado, permaneciam imensas áreas sem nenhuma utilização” (STEDILE E GORGEN, 1996, p. 19).

A terceira fase, de 1950 a 1964, caracteriza-se pelo surgimento de movimentos de camponeses organizados. Neste período, destacam-se três grandes organizações: Uniões de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas no Brasil (Ultabs), Ligas Camponesas e Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master). Os autores explicam que as Ultabs tinham estrutura equivalente a uma associação que se organizava em níveis municipal, estadual e nacional, sob influência do Partido Comunista Brasileiro (PCB), com maior incidência nos estados de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro. As Ligas Camponesas, por sua vez, nasceram a partir das lutas nos engenhos pernambucanos, nos anos 1950. Stedile e Frei Sérgio Görgen apontam que eles foram o movimento mais massivo e radical na luta pela reforma agrária e organizavam-se majoritariamente na região Nordeste. O Master estava mais localizado no Rio Grande do Sul e tinha influência do PTB e do então governador do estado Leonel Brizola. O movimento organizava camponeses para ocupação de terra para conseguir que o governo desapropriasse fazendas.

Medeiros foca seu estudo no período que se segue a 1945, acima caracterizado por Stedile e Sérgio.

Surgindo num período em que grandes transformações se processavam no país, com a intensificação do processo de industrialização, redefinição do papel da agricultura na economia, constituição de um projeto desenvolvimentista etc., as lutas dos trabalhadores rurais provocaram a emergência de novos sujeitos. Tal fato se expressa na própria linguagem

estados do Paraná e Santa Catarina, entre 1912 e 1916, sob a liderança do monge José Maria. Caldeirão, por sua

vez, foi o nome pelo qual ficou conhecido o movimento liderado por Padre Cícero, na região do Cariri, no Ceará,

de 1930 a 1934.

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política da época: não se fala mais em colonos, parceiros etc., mas em “camponeses” (MEDEIROS, 1989, p. 13-14).

Fernandes (1999) reforça a ideia de que a organização dos trabalhadores no campo ganha novas feições na metade do século XX, com o surgimento das Ligas Camponesas em 1945. Pequenos proprietários, arrendatários, posseiros, assalariados resistem ao processo de concentração de terra no Brasil, que se deu pela expropriação e expulsão dos camponeses de suas terras, os quais recusavam o assalariamento. O autor destaca que, neste momento, crescia a luta pela reforma agrária, junto ao PCB e as Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) da Igreja Católica. A origem das Ligas Camponeses, portanto, tem vinculação com o partido e, após decretada a ilegalidade dele, as organizações do campo passaram a ser violentamente reprimidas.

A organização de trabalhadores no campo, contudo, não se deu sem uma reação organizativa de grandes latifundiários. Miguel Carter (2010) lembra que o século XX no Brasil foi marcado por um intenso processo de modernização capitalista, levado a cabo por um Estado fortalecido, sem que houvesse correção de desigualdades históricas, sobretudo no campo.

A classe latifundiária perdeu muito de sua proeminência nacional com a ascensão de uma florescente burguesia industrial, comercial e financeira. Mesmo assim, manteve significativo poder político como resultado de vínculos estreitos mantidos com outros setores empresariais e a grande mídia, além de uma importante presença no Congresso Nacional e forte atuação política nos âmbitos estadual e municipal. Ao longo da história brasileira, a força duradoura da sua classe latifundiária tem prejudicado as tentativas de democratização política e extensão igualitária dos direitos de cidadania (CARTER, 2010, p.61-62).

Leonilde Medeiros (2010) lembra que no mesmo processo de florescimento da identidade política camponesa cresceu a presença, no debate político, de latifundiários organizados em associações. Estas surgiram ao lado de entidades já tradicionais, como a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) e a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a qual expressava principalmente os anseios dos cafeicultores. A autora aponta que se multiplicaram as associações municipais e as federações, que influenciavam não só na política local, mas também na nacional. Entre as mais destacadas, estavam as federações das associações rurais

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de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A entidade de representação nacional foi criada em 1954, a Confederação Rural Brasileira (CRB), que dispunha, inclusive, de assento em instituições estatais, como o Serviço Social Rural, o qual era subordinado ao Ministério da Agricultura.

Essas organizações faziam a leitura de que a solução para o campo era recuperar a capitalização dos empresários rurais pelo acesso ao crédito e a manutenção da segurança da produção. Medeiros destaca que a falta de capitais justificava, portanto, a proletarização rural, pois a pouca rentabilidade produzia salários baixos. “Assim, a miséria do meio rural passava a ser vista como resultado do pouco apoio dado pelo Estado à produção agrícola. Nesse quadro, emergiam não como latifundiários, mas como produtores, demandando apoio do Estado para se capitalizar” (MEDEIROS, 2010, p.122).

O golpe civil-militar assim como foi um momento de retrocesso no desenvolvimento de uma política agrária, também foi um período duro para as organizações camponesas. “A repressão foi de tal ordem que as três organizações foram destroçadas. Acabaram. Persistiram apenas, muito debilmente, alguns sindicatos de trabalhadores rurais, que mudaram completamente suas atividades e passaram a ter um caráter basicamente assistencialista” (STEDILE E GÖRGEN, 1996, p. 22). Os autores lembram que, inclusive, as atividades do Funrural, mecanismo criado no governo de Emílio Garrastazu Médici, em 1971, para previdência no meio rural, eram mantidas dentro dos sindicatos, burocratizando ainda mais as entidades sindical. Esse período coincide, portanto, com as intenções de “modernização” do campo brasileiro, como explica Sônia Mendonça (2010), e formulações de modelos de regulação fundiária, como o Estatuto da Terra, que, na prática, resultaram no aumento do latifúndio e incentivos aos donos de terras.

Stedile e Görgen apontam que o período seguinte foi de “buscas por saídas individuais”, como a colonização da região Amazônica, sobretudo na década de 1970, a qual era incentivada pelos governos militares. Os problemas, no entanto, logo surgiriam: como a falta de estrutura, mas também a reivindicação de áreas de posseiros por fazendeiros e empresas do Sul do país que, estimulados por incentivos fiscais do governo, passaram a comprar terras na Amazônia. “Surgiu então um novo tipo de luta pela terra: a resistência dos posseiros contra a ação de fazendeiros e empresas que buscam expulsá-los de suas terras.

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Multiplicaram-se os conflitos, a maioria deles com morte, queima de plantações e das casas dos posseiros” (STEDILE E GÖRGEN, 1996, p. 23).

Medeiros aponta que por volta dos anos 1970, após o refluxo do movimento camponês com o golpe civil-militar, começam a reaparecer as organizações de trabalhadores, não só na cidade, mas também no campo. “Reapareceram as greves, muitos sindicatos renovaram suas práticas, trazendo não só novas formas de expressão como também uma crítica radical à estrutura sindical. A luta pela anistia e a condenação econômica e política ao regime ganharam fôlego” (MEDEIROS, 1989, p. 15). É nesse bojo que as lutas no campo também se diversificam e se intensificam.

[…] surgiram propostas distintas para o campo, que se expressavam quer na constituição de oposições sindicais, críticas em relação à linha da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), quer na formação do Movimento dos Sem Terra (MST). A Igreja, apoiando muitas das lutas e reivindicações que emergiam, manteve uma presença vigorosa entre os diversos segmentos dos trabalhadores” (MEDEIROS, 1989, p. 15).

Nesse contexto, Fernandes destaca o papel das CEBs que se constituíram como um como espaço de organização popular. Em meados dos anos 1970, elas estavam enraizadas pelo país sob os ensinamentos da Teologia da Libertação. A criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), por sua vez, funcionou como espaço de articulação de novos movimentos camponeses. “Com a implantação do atual modelo de desenvolvimento econômico da agropecuária, apostou-se no fim do campesinato” (FERNANDES, 1999, p. 15). A repressão política e as expropriações que se davam a partir desse modelo de desenvolvimento resultaram no surgimento do MST . Esse processo teve início no final da década de 1979 com ocupações de terra no Rio Grande do Sul.

Os movimentos de luta pela terra se expressam também a partir da conjuntura política e dos modelos de desenvolvimento agrário no Brasil que se manifestam em legislações. Considerando o período de surgimento do MST e as mobilizações no sudoeste paulista, que resultaram na criação do assentamento nas terras da Fazenda Pirituba, a legislações pós golpe civil-militar, com o Estatuto da Terra e depois com o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) – em 1985, já no contexto de enfraquecimento do poder militar –,

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ajudam a entender o contexto das mobilizações no campo brasileiro na década de 1980 . 3 Sônia Regina Mendonça (2010) lembra que o Estatuto da Terra, de novembro de 1964, veio como demanda pré-golpe de 1964 diante de uma das três questões gerais que se apontavam como exigência para o desenvolvimento capitalista no Brasil: “o combate à inflação, a alteração da política externa e a chamada ‘modernização’ da agricultura” (MENDONÇA, 2010, p.35). É a este último ponto que um projeto de reforma agrária, expresso no Estatuto da Terra, se coloca como proposta.

Em São Paulo, os debates sobre reforma agrária no final da década de 1950 deram impulso para a elaboração do Programa de Revisão Agrária de 1960 (BERGAMASCO E NODER, 2010). A meta era assentar mil famílias por ano no estado. A iniciativa entusiasmou grupos urbanos que viam a medida como uma forma de ampliar a oferta de alimentos e também “neutralizar o avanço comunista”. Mas, na prática, as forças conservadoras de oposição e o elevado custo das indenizações inviabilizaram a execução do programa. Apenas 175 famílias foram assentadas, a maioria em terras públicas.

O golpe de 1964, no entanto, se colocou, do ponto de vista da política agrária, mais como uma reação “às alternativas contidas no movimento dos trabalhadores rurais e no movimento social pelas reformas em geral, que poderiam, eventualmente, sinalizar para uma reforma agrária ‘na marra’, já que tais mobilizações sinalizavam para a possível ruptura de alianças tradicionais que davam sustentação às formas de dominação prevalecentes no campo, desde há muito” (MENDONÇA, 2010, p. 36), do que como reação ao programa fundiário de João Goulart, então presidente da República, o qual não atacava o latifúndio.

Para além de seus aspectos antipopulares e autoritários, no entanto, o estatuto guardava um evidente cunho reformista, que pode ser exemplificado pela própria reforma agrária. Esta, ademais, se inseria num conjunto de medidas vinculadas a uma estratégia geral cuja racionalidade prendia-se ao Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), mormente no que dizia respeito tanto à análise do papel da agricultura no desenvolvimento do capitalismo, quanto da própria reorganização fundiária (MENDONÇA, 2010, p.37).

3 Não será abordado, portanto, o período do Brasil Império (STEDILE E GÖRGEN, 1996), de quando data a Lei

de Terras, de 1850, a partir da qual passou a ser permitida a compra de terras da Coroa, acirrando a disputa pela

posse, bem como o registro das terras em cartório. Com a abolição da escravidão em 1888, cresce a massa de

trabalhadores autônomos que não pode acessar as terras, pois não tinham recursos para adquiri-las.

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Para a autora, o interesse do governo militar de Humberto Castello Branco, portanto, era responder à crise econômica brasileira por meio da reforma agrária e ampliar o mercado interno, ao mesmo tempo que se configuraria uma classe média rural consumidora, se neutralizariam conflitos e tensões.

Em termos práticos, no entanto, Sônia Regina Mendonça aponta que o que se viu foi um projeto que, desde a formulação até a aprovação, pôs em relativo embate as forças do Estado e as distintas frações da classe dominante agrária, já articuladas para não ver o estatuto ir adiante. “[…] o estatuto emergiu como instrumento de atuação do Estado em dois planos: a reforma agrária e o desenvolvimento agrícola” (MENDONÇA, 2010, p.41). Não se conformou, portanto, em uma legislação que ameaçava o latifúndio, “pelo contrário, ela fora concebida como um instrumento para forçar a sua modernização, particularmente, por prever sua interpenetração ao conceito de empresa, a qual, no estatuto, era isenta de desapropriação” ( idem, ibidem ).

Compreende-se, deste modo, que o processo de elaboração do Estatuto da Terra estava envolto de contradições que colocavam em oposição os interesses da classe dominante agrária tradicional, do Estado modernizador e dos movimentos do campo. Por um lado, a nova lei conferiu status de categorias legais a termos que, como aponta Sônia Mendonça, haviam atingido grande politização no decorrer da década de 1960: latifúndio e minifúndio. “Ao mesmo tempo, com os movimentos sociais reprimidos, lideranças perseguidas e sindicatos sob intervenção, a nova lei acabou por significar muito pouco em termos de medidas efetivas em prol das demandas por terra dos trabalhadores rurais” (MENDONÇA, 2010, p. 71). O latifúndio, portanto, não só se manteve intocado, como se ampliou.

[…] para além de colonizar as fronteiras em favor do grande capital – nacional e estrangeiro –, abrindo brechas para a expansão do latifúndio improdutivo em maior escala que os projetos agropecuários de colonização, a política de “modernização” da agricultura brasileira, perpetrada pelos governos militares a partir dos anos de 1960, pautar-se-ia por mais uma diretriz: a farta concessão estatal de créditos e subsídios seletivamente direcionados para a agricultura patronal, tendo em vista disseminar tecnologia e privilegiar os produtos de exportação ou vinculados a programas energéticos (Proálcool, por exemplo) (MENDONÇA, 2010, p.73).

A colonização em áreas de fronteira agrícola no país e a modernização agrícola

Referências

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