• Nenhum resultado encontrado

O período de transição entre a infância e a vida adulta que caracteriza a juventude é de complexa definição, tendo em vista que se trata de uma categoria que pode ser analisada

sob diferentes aspectos: culturais, sociais, econômicos e políticos. Bourdieu, conforme explica Castro (2016), aborda a juventude por uma perspectiva geracional, a qual se mostra por um viés relacional, estando o jovem em oposição ao adulto ou velho. “O que quero lembrar é simplesmente que a juventude e a velhice não são dados, mas construídos socialmente na luta entre os jovens e os velhos. As relações entre a idade social e a idade biológica são muito complexas” (BOURDIEU, 1983, p.113).

O corte geracional, segundo a autora, também é o caminho escolhido por Karl Mannheim. Castro explica que o autor trabalha com três construções conceituais de geração: 1) o recorte biológico, 2) a unidade geracional, 3) e os grupos concretos. Mannheim parte da ideia de que geração é uma construção da modernidade e, portanto, da linearidade histórica que lhe é característica. Com isso, explica Castro, a história é uma sucessão de fatos em linha do tempo e os homens se sucedem em gerações. O corte geracional é dado pelo nascimento, portanto, biológico. “Ou seja, populações convivem estando em momentos distintos do ciclo de suas vidas e compartilham e disputam a compreensão de um dado momento histórico” (CASTRO, 2016, p.203). Segundo Castro, essa é uma definições mais utilizadas por Mannhein e mais divulgada nos estudos sobre juventude.

A segunda construção conceitual da ideia de geração formulada por Mannhein “pode ser lida como processos identitários em um contexto histórico, ainda que, individualmente, nem todos que compõem uma dada população se reconheçam como tal” (CASTRO, 2016, p.203). Trata-se da percepção social de que certa população faz parte de uma categoria que se opõe a outra por uma identidade geracional. Não há aqui necessariamente a existência de grupos concretos. É a configuração de uma categoria identitária.

Já a terceira definição de Mannhein volta-se para os grupos sociais. “[...] Ou seja, seria a identificação nativa de geração em um mesmo contexto local. Esse grupo pode ser formado por laços prévios, isto é, por proximidade ou por livre arbítrio” (CASTRO, 2016, p.203). No caso de proximidade é relação às formações comunitárias e familiares. No livre arbítrio, por formações associativas.

As definições de Mannhein são consideradas centrais para os debates de juventude. Para Castro, compreendê-las nos permite analisar a juventude “como uma

categoria identitária, marcada por percepções e ordenações geracionais” (CASTRO, 2016, p.203). Nesse sentido, não se trata, inicialmente, apenas de um corte etário, mas de como a percepção sobre gerações contribui para a construção da categoria identitária juventude. Neste trabalho, a segunda e terceira formulações conceituais do autor nos permitem olhar para os jovens da Pirituba como grupo identitário que compartilham experiências e expectativas e, diante da proposta desta pesquisa, analisar como essa geração nascida após a conquista da terra se apropria de um contexto que é associado originalmente às gerações mais velhas.

Ainda sobre o debate conceitual de juventude, há dificuldades operacionais para estabelecer o início e o fim dela (BRUMER, 2007). A autora aponta, no entanto, que “há algum consenso na consideração de quem é jovem em determinada sociedade” (BRUMER, 2007, p.35). Ela cita Pierre Bourdieu para lembrar que essa fronteira entre juventude e vida adulta está em disputa nas sociedades. Os limites, portanto, variam.

Wanderley (2007) destaca que se trata de uma categoria “culturalmente determinada”, sendo sua demarcação imprecisa, podendo corresponder ao fim dos estudos, ao início da vida profissional, à saída da casa paterna ou ao casamento e, de forma simplificada, pode ser definida por uma faixa etária. Brumer aponta que, a grosso modo, considera-se a faixa entre 15 e 24 anos. Essa noção, no entanto, depende tanto da auto-identificação como do reconhecimento de outros.

A perspectiva da identificação ficou evidente durante a primeira etapa do trabalho de campo, com a aplicação dos questionários com jovens entre 20 e 29 anos. O objetivo inicial era mapear os jovens, traçando um panorama de hábitos socioculturais, além de uma caracterização desse segmento no assentamento. Alguns deles demonstraram estranhamento por serem entrevistados para uma pesquisa sobre jovens, porque assim não se identificavam. Em um primeiro momento, fizemos o recorte estritamente etário, de 20 a 29 anos. Tal faixa está prevista no Estatuto da Juventude, lei aprovada em 2013, a qual contém os princípios e as diretrizes das políticas públicas de juventude no Brasil. Ricardo Abramovay (1998) também sugere uma categorização, baseada em definições da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), que também considera a faixa de 15 a 29 anos, mas, nesse caso, especificamente, para a delimitação de juventude rural. Para a pesquisa desenvolvida por Abramovay, contudo, foram observados critérios adicionais como a dependência familiar e o

matrimônio.

No trabalho desenvolvido no assentamento da Fazenda Pirituba, como já dito anteriormente, foram adotados critérios estritamente etários para a aplicação do questionário, o qual englobou 32 jovens do assentamento, sendo 13 homens e 19 mulheres. Para a etapa seguinte, com entrevistas em profundidade, foram selecionados sete jovens com idade de até 24 anos e que se identificavam com a condição de jovem, sendo apenas um deles casado, embora mantivesse a moradia na mesma unidade familiar dos avós.

Kummer e Colognese (2013) destacam que “a operacionalização da análise da categoria juventude deve, invariavelmente, levar em conta as ‘muitas’ juventudes manifestas em diferentes espaços” (2013, p. 206). Nesse sentido, eles destacam a necessidade de pensar as juventudes, sejam elas urbanas ou rurais, a partir dos contextos de classe e socioculturais.

A juventude rural, entendida como uma categoria social específica, também se configura diante da diversidade e da heterogeneidade. Isto decorre do fato de que não é apenas “estar no espaço rural e situar-se numa baliza cronológica de idade que configura de modo claro o que “é” um jovem rural ou o que é “ser” um jovem rural (KUMMER E COLOGNESE, 2013, p.207).

Em relação à juventude rural, Elisa Guaraná de Castro (2009) aponta que eles vivenciam o que pode ser denominado de “duplo enquadramento”:

Por um lado, sofrem com as imagens pejorativas sobre o mundo rural e as consequências dessa desvalorização do mundo rural no espaço urbano – ou seja, a associação do imaginário sobre o ‘mundo rural’ ao atraso e a identificação dos jovens como roceiros, peões, aqueles que moram mal. Por outro, no meio rural, muitas vezes são deslegitimados por seus pais e adultos em geral, por serem muito urbanos (CASTRO, 2009, p. 39).

Sobre os esforços de conceituar as especificidades dos jovens rurais, Wanderley (2007) alerta que da mesma forma que não cabe o isolamento na busca por uma caracterização, “não cabe também diluí-los numa pretensa homogeneidade, que desconhece as formas particulares de viver a juventude, quando se é jovem nas áreas rurais brasileiras. Mesmo nestas [...] é muito grande a diversidade” (WANDERLEY, 2007, p.31).

Castro chama atenção ainda para a centralidade que o debate sobre juventude ganhou nas últimas décadas, mobilizando esforços acadêmicos, ações governamentais e

também do terceiro setor. O foco, no entanto, volta-se para a juventude urbana. Percebe-se, nesse sentido, um processo de invisibilização desse segmento, mesmo quando caracterizado em uma perspectiva de políticas públicas. Um das explicações para isso, segundo a autora, é o fato de que se trata de uma minoria entre a população jovem do país. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015, do IBGE, a população de 20 a 29 anos é de 30.867 milhões, sendo que 13,5% moram no campo, ou seja, 4.168 milhões. Castro destaca, contudo, que embora seja uma minoria do ponto de vista estritamente populacional, não é um contingente pequeno. No contexto de Itapeva e Itaberá, a população de 20 a 29 anos é, na soma dos dois municípios, de 18.502, segundo projeções da Fundação Seade.

Tabela 3: Projeção da população por faixas etárias quinquenais, em 1º de julho de 2018. Município de Itapeva

Faixa Etária - Quinquenal Homem Mulher Total

20 a 24 anos 4.134 3.992 8.126

25 a 29 anos 3.720 3.730 7.450

Total da seleção 7.854 7.722 15.576

Total Geral da População 44.751 46.088 90.839

Fonte: Sistema Fundação Seade de Projeções Populacionais

Tabela 4: Projeção da população por faixas etárias quinquenais, em 1º de julho de 2018. Município de Itaberá

Faixa Etária - Quinquenal Homem Mulher Total

20 a 24 anos 796 772 1.568

25 a 29 anos 701 657 1.358

Total da seleção 1.497 1.429 2.926

Total Geral da População 8.859 8.780 17.639

Fonte: Sistema Fundação Seade de Projeções Populacionais

Castro (2009) aponta também a necessidade de que a juventude rural não seja vista apenas como um recorte populacional específico, mas a partir dos processos de interação social e as configurações em que ela se encontra. “[...] juventude é, além de uma categoria

que representa identidades sociais, uma forma de classificação social que pode ter múltiplos significados, mas que vem se desenhando em diferentes contextos como uma categoria marcada por relações de hierarquia social” (CASTRO, 2009, p. 182).

No assentamento da Fazenda Pirituba, a percepção entre os moradores é a de que há uma grande permanência dos jovens no meio rural, especialmente na área do assentamento. Fernanda Matheus apresenta, em entrevista, o dado de que 70% dos jovens do Pirituba permanecem no assentamento. Ela atribui os dados ao Itesp, mas não conseguimos confirmá-los com a instituição citada. Embora não possamos comprovar tais dados quantitativamente, eles apontam para um aspecto subjetivo: o modo como alguns assentados constroem discursos sobre a relação dos jovens com o local. Além dos dados atribuídos ao Itesp, outros elementos — além, claro, da própria percepção dos assentados — nos ajudam a perceber e explicar a presença dos jovens na área. Um deles é a existência de todo o ciclo de formação escolar, da Educação Infantil ao Ensino Médio, no próprio assentamento. Até a conclusão da educação básica, os estudantes, portanto, não precisam se deslocar para a cidade, como é comum entre outras áreas de assentamento, inclusive em ciclos iniciais. Há também turmas de Educação de Jovens e Adultos para os que abandonam os estudos.

Isso possibilita não só ter um desenvolvimento, mas também ter um assentamento que não envelhece. Tem sempre gente nova. Tem muitos filhos e netos, de quem ocupou num primeiro momento essa área, que assentaram num primeiro momento, que foram embora e voltaram. Foram embora quando estavam jovenzinhos, e voltaram quando tiveram seus filhos porque [tem] a facilidade de acessar a escola e a saúde (Fernanda Matheus, entrevistada em fevereiro de 2017).

A sistematização dos questionários nos mostra que a maioria dos entrevistados (26 de um total de 32) concluíram o Ensino Médio. Desses 26, seis estão com Ensino Superior em andamento e quatro possuem formação superior. Seis jovens disseram ter interrompido os estudos no Ensino Médio, das quais cinco são mulheres. Todas elas são casadas e tiveram filhos entre 18 e 23 anos . 10

10 Dados da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo mostram uma redução de 32,2% nas gravidezes de mães

menores de 20 anos de idade entre 2000 e 2016 no estado. Em relação ao total de nascidos vivos, o percentual passou de 19,5% para 13,2%. A região de Saúde de Itapeva, contudo, apresentou em 2016 percentual acima da média, com 20,8%, sendo o valor mais alto do indicador no estado. Fazem parte da região de Saúde de Itapeva os

Brumer (2007) aponta que, muitas vezes, o Ensino Médio exige o deslocamento para a sede dos municípios. Essa movimentação permite o acesso a outro modo de vida e também diferentes relações sociais. Os jovens assentados passam a se confrontar com valores sobre a vida rural e o meio urbano, podendo, inclusive, estarem submetidos a uma visão negativa sobre o campo. Para a autora, essa circulação, predominantemente ausente durante a educação básica no assentamento Pirituba, permite um “círculo de relações sociais e uma maior integração cultural” (BRUMER, 2007, p.40).

Por meio dos questionários, apreendemos também que a maioria dos entrevistados morou fora do assentamento por um período de até quatro anos. A principal motivação para a saída foi a busca de trabalho em cidades próximas, incluindo Itaberá e Itapeva. Também foram citadas cidades do Sul, como Londrina e Curitiba, além de cidades paulistas, como São Carlos, Itu e Sorocaba. Há três relatos de jovens – sendo duas mulheres – que deixaram o assentamento para fazer faculdade, incluem-se aqui as mudanças de residência para Itapeva e Itaberá, pois há os casos em que os jovens permanecem no assentamento e fazem os deslocamentos diários para a cidade. Entre as mulheres, destacam-se os deslocamentos para acompanhar o marido que trabalha como assalariado em fazendas da região ou atividades urbanas em cidades próximas. Entre os que saíram do assentamento para trabalhar, apenas duas são mulheres.

Por se tratar de uma etapa quantitativa da pesquisa — a aplicação dos questionários —, não foi possível identificar com amplitude as razões que motivaram o retorno ao assentamento. Contudo, em meio a conversas informais durante a aplicação, foi possível captar relatos que associavam o retorno ao alto custo de vida na cidade, o que não permitia uma boa qualidade de vida com o ganho financeiro; a não identificação com o meio urbano e a perda da convivência familiar.

É muito difícil a vida na cidade grande. Não é minha vida. É tudo muito caro. O que ganha lá, já entrega. O custo de vida é muito alto lá. Não vale a pena (Roberto, 24 anos. Aplicação do questionário nº 11 em maio de 2018).

É difícil morar na cidade grande sozinha. Fiquei com muita saudade da família toda. Tá todo mundo aqui (Regina, 21 anos. Aplicação do

seguintes municípios: Apiaí, Barra do Chapéu, Bom Sucesso de Itararé, Buri, Guapiara, Itaberá, Itaóca, Itapeva, Itapirapuã Paulista, Itararé, Nova Campina, Ribeira, Ribeirão Branco, Riversul e Taquarivaí.

questionário nº 3 em maio de 2018).

Voltei pela saudade. Meu pai fez uma casinha lá no lote e a gente decidiu voltar (Marta, 23 anos. Aplicação do questionário nº 13 em maio de 2018).

Esses relatos contrastam com a imagem clássica, entre os estudos sobre campesinato, de um jovem desinteressado pelo campo e atraído pela cidade. Anita Brummer (2007), citando Castro, aponta que este tema é tratado como uma questão intrínseca aos processos de reprodução social do campesinato.

Maria José Carneiro (2007) aponta que a permanência ou retorno para o campo, em contextos como este, não significa necessariamente uma derrota ou fracasso para esse jovem.

[...] Pode ser resultado de uma escolha motivada pelo desejo de manter um padrão de vida possibilitado pelo fato de morar com a família, junto de amigos e parentes, compartilhando os mesmos códigos e valores, mas também ter acesso a determinados bens materiais e simbólicos que, até recentemente, só eram disponíveis nas cidades (CARNEIRO, 2007, p.60).

Os meios de mobilidade virtual, para além dos deslocamentos físicos, também contribuem para colocar em convivência os diferentes modos de vida. No assentamento da Fazenda Pirituba, todos os respondentes dos questionários disseram acessar internet em casa diariamente, possibilitadas pelo acesso via rádio, disponibilizado na área, a um custo médio de R$ 50, ou pelo celular (3G/4G). Sobre a qualidade do sinal, pouco mais da metade (18) considera bom e 11 disseram ser indiferente. Apenas três consideram o sinal ruim. Em uma perspectiva relacional, em comparação com a qualidade do sinal em meio urbano, é possível dizer que o acesso é limitado, tanto porque uma única operadora de telefonia oferece sinal para internet na área, quanto pela oscilação e velocidade do serviço a rádio. Em relação ao uso da internet, o WhatsApp (aplicativo para envio de mensagens) é o dispositivo mais acessado, seguido pelo Facebook. Também chama atenção o fato de que dois jovens citaram espontaneamente grupos de WhatsApp quando perguntados se participavam de algum grupo organizado na comunidade. Foram citados ainda grupo religioso e time esportivo. Em menor número, apareceram cooperativa e movimento social. Um grande número (14) indicou não

participar de nenhum grupo. Ao mesmo tempo que a internet promove, nas palavras de Carneiro, o “estreitamento das distâncias”, percebe-se a virtualização das relações comunitárias.

Essa situação de estreitamento das distâncias, do estar ao mesmo tempo no ‘lugar’, na localidade, ou na sede do distrito, e estar sofrendo os efeitos das dinâmicas ‘de fora’, de escala nacional ou global, certamente afeta não apenas a percepção sobre o mundo, mas também afeta a maneira como as populações rurais, de pequenos agricultores por exemplo, pensam e organizam suas próprias vidas (CARNEIRO, 2007, p.57).

Durante as entrevistas em profundidade, a reorganização das relações comunitárias a partir do uso disseminado da internet no assentamento se expressou nos relatos dos jovens:

Antes eu ia bastante [em atividades do MST], mas agora não vou mais, porque agora nem tão fazendo mais, né? Acho que vi alguma coisa no Face[book] falando. Acho que vi falando que vai ser anunciado o ganhador [de uma rifa], né? Faz tempo que não vou lá. Bastante. A última vez que eu fui foi na Cavalgada de 2016. Não fui mais. Acho que foi a última que eles fizeram (Sílvia, 20 anos, entrevistada em agosto de 2018).

Se precisava falar com uma pessoa, ia na casa. Agora não vai mais, só manda mensagem, rapidinho. Às vezes, precisava conversar, ia lá, ou a pessoa ia na sua casa. Agora vem porque realmente quer te ver, não pra mandar recado (Sílvia, 20 anos, entrevistada em agosto de 2018).

Eu perco mais tempo mexendo na internet do que fazendo outras coisas. A gente vicia, né? Parece que o dia não rende se você não dá uma olhadinha ali no Instagram, no Facebook, pra vê se tem alguma coisa. Passo o dia conectada (Rita, 23 anos, entrevistada em maio de 2018).

A internet ocupou bastante espaço. A gente, às vezes, deixa de fazer alguma coisa só pra ficar mexendo ali. Meu irmão, principalmente, vejo muito isso. Eu sou menos que ele (Rita, 23 anos, entrevistada em maio de 2018).

Eu não tenho muitos meios de ficar sabendo o que o movimento [MST] faz,

se não pela internet. Rádio do movimento mesmo eu quase não escuto, não

ouço (Pedro, 22 anos, entrevistado em agosto de 2018).

É bom mais a internet pra comunicação, eu acho. Fala mais, mas se encontra menos. Não vê muito a pessoa, porque já conversa pela internet (Valter, 24 anos, entrevistado em agosto de 2018).

Com a expansão na internet no meio rural, a ideia de um continuum urbano-rural ganha contornos ainda mais abrangentes. Carneiro (2007) aponta que a intensificação da comunicação com a cidade impõe o desafio de entender os valores e os novos anseios dos jovens de “residência rural”.

A cidade não é mais o único caminho para se ter acesso a esses bens, o que, a meu ver, constitui uma das mudanças mais relevantes que identificamos no mundo rural. A cidade não exerce mais o mesmo fascínio sobre os jovens rurais de algum tempo atrás. Os motivos para isso são vários e complexos (CARNEIRO, 2007, p. 63).

Pelos questionários, constatamos a amplitude do acesso à internet entre os jovens do Pirituba. O uso é amplo, tanto do ponto de vista local, com a troca de mensagens entre os grupos formados com moradores das agrovilas, como pelo acesso à informações relativas a oportunidades no meio urbano, como emprego e faculdades.

O Censo Agropecuário de 2017, do IBGE, mostra que o acesso à internet no campo cresceu 1790% em relação ao último levantamento de 2006. Estão conectados mais de 1,4 milhão de produtores rurais, mas 3,64 milhões ainda não têm acesso à internet. A expansão da conectividade no campo, muitas vezes de processos de desenvolvimento do modelo do agronegócio, alcança de forma expressiva o pequeno agricultor e modifica o modo de vida e as oportunidades no meio rural. Em Itapeva, dos 1.228 estabelecimentos, 583 disseram ter acesso à internet. Em Itaberá, o proporção dos que estão conectados é maior, 682 dos 943 estabelecimentos. Com a aplicação dos questionários, percebemos que, no assentamento da Fazenda Pirituba, a internet é citada como o principal meio para se informar, seja sobre os acontecimentos de dentro ou de fora do assentamento, tendo sido citada por todos os entrevistados, quando perguntados sobre os meios de comunicação que utilizam. A TV, o rádio e a internet são os meios preferidos de 18 jovens. A TV e a internet foi escolhida

por sete entrevistados. Três indicaram o rádio e a internet. Dois citaram a TV, o rádio, a internet e revistas, enquanto dois citaram apenas a internet.

Carneiro questiona qual seria o lugar do jovem nessa nova dinâmica e como ele se posiciona em face dessa nova mentalidade, “do olhar para fora”. “Estaríamos presenciando o aparecimento de novas visões de mundo que informam não apenas as relações entre os ‘da comunidade’ e os ‘de fora’, mas também as novas formas de consumo, de pensar a produção agrícola e de projetar o futuro”. (CARNEIRO, 2007, p.59). Essa nova mentalidade se expressa, por exemplo, na esfera do trabalho, afastando-os, como explica a autora, do trabalho agrícola. Este aspecto será melhor analisado no tópico 3.3, que analisará, entre outros temas, esta perspectiva entre os jovens do assentamento da Fazenda Pirituba.

Brummer aponta, como temas recorrentes quando se focaliza a juventude rural, a tendência emigratória, a qual, segundo a autora, é “em grande parte justificada por uma visão relativamente negativa da atividade agrícola e dos benefícios que ela propicia; e as características ou problemas existentes na transferência dos estabelecimentos agrícolas