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Itapeva e Itaberá fazem parte da região no estado denominada Sudoeste Paulista. No documento do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), de 2006, o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável da região, elaborado pela socióloga Ariane Favareto, caracteriza a região como uma das piores em relação ao desenvolvimento humano

no estado.

Apesar da sua antiga colonização, marcada pela importante rota dos tropeiros que vinham do Sul para São Paulo, essa trajetória histórica não proporcionou a região ciclos de desenvolvimento virtuosos, mas sim um tipo de desenvolvimento cujas consequências são marcadas pela degradação ambiental e enorme concentração da renda. A região é conhecida como “ramal da fome”, por ser a região mais pobre do estado de São Paulo, apesar da presença de grandes lavouras florestas e agroindústrias (FAVARETO, 2007, p. 6).

A região também experimenta o avanço do modelo do agronegócio globalizado (ELIAS, 2013) trazendo novas dinâmicas socioespaciais, reestruturando o espaço agrícola, com evidente pressão exercida sobre os pequenos agricultores – com o arrendamento de terras –, inclusive nas alternativas que se apresentam para a juventude da região. Sobre a ideia de um agronegócio globalizado, ela explica que se refere à “exacerbação da apropriação capitalista da agricultura”, com incremento da agricultura empresarial, baseada “em um modelo técnico, econômico e social de produção globalizada”, e oportunizando novos meios para acumulação ampliada do capital.

Denise Elias destaca que, desde a década de 1960, em um contexto de revolução tecnológica, diferentes setores econômicos, entre eles a agropecuária, passam por uma reestruturação produtiva, com reflexos “na economia, no espaço, na dinâmica demográfica, culminando numa nova repartição dos instrumentos de trabalho, do emprego e dos homens no território do país, denotando uma nova economia política da urbanização e das cidades brasileiras” (ELIAS, 2013, p.13). A autora ressalva que, embora a agricultura empresarial se desenvolva desde o período colonial, a revolução tecnológica – cinco séculos depois – traz contorno diferentes, pois incorpora paradigmas da produção e do consumo globalizados. Ela acrescenta que, entre os principais vetores da reorganização do território brasileiro, destacam-se: descentralização industrial; a guerra dos lugares pelos investimentos produtivos; as especializações produtivas do território; a difusão dos novos agentes econômicos e a reestruturação produtiva da agropecuária.

Outra característica da difusão do agronegócio globalizado é a regulação pela economia de mercado, tendo em vista demandas urbanas e industriais, parte delas voltadas à

exportação, com uma produção voltada prioritariamente à geração de commodities (como soja, café, suco de laranja), geração de combustíveis renováveis (por exemplo, a cana-de-açúcar), matérias-primas para ramos agroindustriais e produtos in natura , como as frutas tropicais.

Entre as mudanças resultantes desse processo em que a agropecuária passa a ser “um empreendimento associado à racionalidade do período técnico-científico-informacional” (ELIAS, 2013, p.17), a autora destaca alterações nas formas de uso e ocupação do solo, com aumento da monocultura, em substituição à produção de alimentos; e a “radical” mudança dos hábitos alimentares da população com a difusão de um padrão de consumo alimentar, com o beneficiamento industrial de produtos agropecuários, “violando identidades locais baseadas em saberes e fazeres historicamente construídos” ( idem , ibidem , p.18).

No ponto de vista prático, Elias aponta que o aprofundamento da divisão social do trabalho agropecuário muda também as estruturas de comando do setor. A figura tradicional de fazendeiros é substituída, muitas vezes, nas empresas especializadas na produção de commodities, por um corpo técnico de administradores, que podem planejar a produção mesmo a quilômetros da área, em um espaço eminentemente urbano.

Elias explica que a concentração fundiária é um dos principais traços estruturantes da sociedade brasileira e tal condição se aprofundou com modelo de agronegócio globalizado, impondo uma nova dinâmica ao mercado de terras com a intensificação do valor de troca em detrimento do valor de uso. “[...] contrariando ainda mais as aspirações pela Reforma Agrária, que se mercantilizou na última década (com a substituição da desapropriação pela compra da terra)” (ELIAS, 2013, p.20).

A valorização do mercado de terras no Brasil se dá marcada pelo desenvolvimento do capital financeiro. Natália Demétrio (2017) aponta a estratégia de compra de terras para conferir materialidade à acumulaçao na esfera financeira, tendo em vista que “os investimentos no mercado imobiliário representam uma reciclagem segura para a economia real, por meio da qual os recursos financeiros ficam congelados na forma de capital fundiário à espera de valorização futura” (DEMÉTRIO, 2017, p.88).

Com isso, avança a internacionalização do mercado de terras no Brasil, como aponta Demétrio. A autora cita Fábio Augusto Santana Hage, José Eustáquio Ribeiro Vieira

Filho e Marcus Peixoto falar sobre o fenômeno denominado “agroinflação”, segundo o qual

o crescimento significativo da população mundial, a maior demanda por alimentos, os efeitos climáticos adversos, a precariedade dos estoques reguladores, o crescimento econômico registrado pelos mercados emergentes, a elevação dos preços do petróleo e o avanço da produção de biocombustíveis, condicionaram a surpreendente valorização dos preços agrícolas ao longo da primeira década do século 21, mesmo diante da crise financeira de 2008 (DEMÉTRIO, 2017, p.88).

Como consequência desse processo, destaca-se a maior especulação, elevação dos preços e especialização produtiva, além da concentração fundiária, danos ambientais e sociais decorrentes da monocultura e a expulsão de pequenos proprietários e posseiros (DEMÉTRIO, 2017). A autora cita Saskia Sassen para apontar que “o recrudescimento de inúmeras formas de exclusão social, antes sinônimo de crise econômica, agora expressa mesmo o modo como se dá a dinâmica de reprodução do capital financeiro globalizado” ( idem , ibidem , p.89).

Dados do Censo Agropecuário do IBGE, divulgados em julho de 2017, mostram que a estrutura agrária no Brasil se concentrou ainda mais nos últimos 11 anos, na comparação com 2006, quando foi feita a última pesquisa. As propriedades rurais com até 50 hectares representam 81,3% do total de estabelecimentos agropecuários, ou seja, mais de 4,1 milhões de propriedades rurais. Se considerada a parcela de terra ocupada por elas, equivale a 12,8% do total da área rural produtiva do país. Na pesquisa anterior, a área ocupada por essas propriedades correspondia a 13,3%. Por outro lado, 2,4 mil fazendas com mais de 10 mil hectares correspondem a 0,04% das propriedades rurais do país, mas ocupam 51,8 milhões de hectares, ou 14,8% da área produtiva do campo brasileiro.

Em relação ao estado de São Paulo, o censo de 2017 mostra a existência de 188.643 estabelecimentos agropecuários, ocupando uma área de 16.469.975 hectares. Considerando as propriedades de 10 até 20 hectares, são 41.039 unidades, em uma área de 602.712 hectares. Os estabelecimentos de 50 até 100 hectares somam 16.382 em uma área de 1.163.459 hectares. São 135 propriedades com mais de 10 mil hectares, numa área de 2.148.442. Abaixo a análise dos censos anteriores no estado paulista. A imagem mostra o aumento das propriedades acima de 1.000 hectares.

Fig ura 21: Área relativa dos estabelecimentos agropecuário por grupos de área (em hectare) no estado de São Paulo 1970, 1 975, 1980, 1996 e 2006

Fonte: IBGE, Séries Históricas e Estatísticas. Disponível em: www.seriesestatisticas.ibge.gov.br. Acesso:

15/11/2018

Demétrio aponta que, comparado ao resto do país, São Paulo ainda apresenta uma estrutura fundiária menos concentrada, “expressão de suas raízes históricas”. Ela cita como exemplo a expansão da fronteira agrícola pós 1930, fase de ocupação do Oeste Paulista, que ocorreu majoritariamente com base na pequena propriedade. A tendência de crescimento de propriedades com mais de 1.000 ha indica “transformações na dinâmica de distribuição das terras no Estado, com destaque à tendência de concentração da propriedade” (DEMÉTRIO, 2017, p.86).

O Censo Agropecuário de 2017 do IBGE mostra, ainda, que em Itapeva dos 1.231 estabelecimentos, que ocupavam uma área de de 137.344 hectares, 1.035 tinham até 100 ha, ocupando uma área total de 18.937 hectares, o que representa pouco mais de 13,7% da área total ocupada pelos estabelecimentos agropecuários. As propriedades acima de 1.000 ha eram 23, com uma área de 59.750 ha, o equivalente a 43,50% da área total de estabelecimentos agropecuários do município.

Em relação a Itaberá, o total de estabelecimentos é 946 em uma área de 84.680 ha. As propriedades até 100 ha somam 824, ocupando 16.094 hectares, equivalente a 19% da área total de estabelecimentos agropecuários do município. A área é menos que a metade da

ocupada por 19 estabelecimentos acima de 1.000 hectares, que estão em 37.908 ha do município, o que representa 44,7% da área total das propriedades.

A entrada do agronegócio globalizado no sudoeste paulista é caracterizado por lideranças do MST como algo recente.

Essa é uma região que, do ponto de vista do desenvolvimento do capitalismo da agricultura, é uma região muito recente, com a entrada do capital nessa região. Não é como Ribeirão Preto, onde você já tem grandes empresas estabilizadas. Aqui é uma região onde tem muitos pequenos agricultores. Mas, nos últimos anos, a soja e o eucalipto tem entrado com muita força. As grandes empresas do agronegócio têm chegado com muita força aqui. Tudo o que você vê aqui de pinus e eucalipto é da Votorantim. Ou de alguma empresa ligada a eles. E a soja agora nos últimos anos voltou com muita força (Entrevista com Fernanda Matheus em 14 de fevereiro de 2017).

Elias destaca, contudo, que não é apenas o aumento do latifúndio que caracteriza esta fase do campo no Brasil.

Devemos também lembrar a significativa nucleação de muitos estabelecimentos agrícolas que não foram incorporados pelos grandes, muitas vezes inviabilizando a própria manutenção da subsistência da família na propriedade. Entre os impactos desastrosos destacaríamos: uma significativa desarticulação de parte significativa da pequena agricultura, que passa a ter cada vez mais dificuldades de existir com todas as pressões advindas de tais processos. Por outro lado, os pequenos agricultores que não detinham a propriedade da terra (meeiros, parceiros, pequenos arrendatários, entre outros), são expulsos do campo, culminando na territorialização do capital no campo e na monopolização do espaço agrário (ELIAS, 2013, p.20).

Com isso, aponta a autora, tem-se o acirramento das relações de trabalho mercantilizadas no campo. Avança o trabalho assalariado, aumentando a proporção do trabalho agrícola como mercadoria. Elias acrescenta que esse trabalhador agrícola, no geral, já foi totalmente expropriado dos meios de produção e tem o campo como local de trabalho e a cidade, o lugar de moradia, perfazendo o deslocamento diário cidade-campo-cidade. Citando Milton Santos, em texto escrito em 1988, ela destaca o surgimento de uma nova categoria associada ao trabalho agropecuário, conforme designado pelo autor: agrícola não rural.

Ainda a partir das formulações de Santos, é preciso apontar que “as mudanças

operadas no espaço raramente eliminam de uma vez os traços materiais do passado” (ELIAS, 2013, p.22).

Engana-se, dessa forma, quem imagina ter cessado a expansão das formas não capitalistas no campo. Tais formas, contraditoriamente, continuam se reproduzindo. Apesar da expansão do mercado de trabalho agrícola formal, materialização do acirramento da divisão social do trabalho no setor, esta convive com as antigas características ligadas às formas clássicas de relações de trabalho (ELIAS, 2013, p.22).

Nesse aspecto, cabe destacar as particulares de um assentamento da reforma agrária que convive com o desenvolvimento do capitalismo no campo, evidenciando relações dialéticas e contraditórias entre a expansão do trabalho assalariado e a reprodução das relações camponesas.

Guilherme Costa Delgado (2010) lembra que a antinomia “reforma agrária” versus “modernização técnica”, proposta pelos conservadores pós golpe civil militar de 1964, é novamente colocada na atualidade sob um novo arranjo político. O autor destaca os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2003) e Luiz Inácio Lula da Silva (2004 a 2011) como o momento de relançamento de uma estratégia de grandes empreendimentos agroindustriais baseados no latifúndio e voltados à “geração de saldos comerciais externos expressivos”. A remontagem do agronegócio, no segundo mandato de Cardoso, se dá em um momento de crise de liquidez internacional que afeta o Brasil no final de 1998.

Observe-se que o agronegócio na acepção brasileira do termo é uma associação do grande capital agroindustrial com a grande propriedade fundiária. Essa associação realiza uma aliança estratégica com o capital financeiro, perseguindo o lucro e a renda da terra, sob patrocínio de políticas de Estado (DELGADO, 2010, p.94).

O desenvolvimento do agronegócio globalizado trouxe novos desafios ao movimento popular camponês. No MST, novas formulações se expressam no Programa Agrário do MST, aprovado no VI Congresso Nacional do movimento, realizado em 2013.

O agronegócio passou a ter uma expressiva função econômica no modelo do capital financeiro (gerar saldos comerciais para ampliar as reservas cambiais, condição essencial para atrair os capitais especulativos para o Brasil). E este

avanço do agronegócio bloqueia e protege as terras improdutivas para futura expansão dos seus negócios, travando a obtenção de terras para a reforma agrária (MST, 2013, p.11).

O documento do MST lança olhar também sobre as condições de produção no campo que acabam pressionando o pequeno agricultor por meio de uma matriz tecnológica de produção universal, a qual se amplia, segundo o movimento, a partir da década de 1990, com a aplicação da biotecnologia, da informática e das técnicas de irrigação. “Poderia ser considerada como é uma nova fase da modernização conservadora iniciada na década de 1960, mas diferente e mais intensa do que a anterior, a qual foi a chamada de ‘revolução verde´ pelo uso intensivo de insumos agroquímicos de origem industrial” (MST, 2013, p.10). Tais condições de produção levaram a uma dependência do “adiantamento do capital financeiro”, por meio de crédito rural, para aquisição de sementes, mudas e sêmen; fertilizantes e herbicidas químicos; agrotóxicos e hormônios; máquinas, tratores, implementos e veículos de transportes.

No texto, o MST aponta a disputa na sociedade entre a necessidade ou não de uma reforma agrária como uma das consequências da generalização do modelo produtivo do agronegócio. O movimento argumenta que, além das forças ruralistas, o Estado assume a posição de que as forças produtivas no campo se dão por meio do agronegócio. “As terras improdutivas dos latifúndios, antes destinadas à Reforma Agrária após a pressão dos camponeses, agora também são pretendidas, e disputadas, pelo agronegócio” (MST, 2013, p.29). A questão de fundo, para o MST, é: as terras agrícolas devem ser destinadas à produção de alimentos para camponeses ou à agroexportação?

Na atualidade, a luta pela terra e pela Reforma Agrária mudou de natureza, frente ao modelo de desenvolvimento econômico vigente no país. Não há mais espaço para uma reforma agrária clássica burguesa, apoiada pela burguesia industrial ou por forças nacionalistas. Mas do ponto de vista dos camponeses e de um projeto popular de desenvolvimento do país, a Reforma Agrária é cada vez mais urgente e necessária. Agora, a luta pela Reforma Agrária se transformou numa luta de classes, contra o modelo do capital para a agricultura para brasileira (MST, 2013, p.31).

Carter (2010) aponta que essas visões contrastantes, diagnosticadas pelo MST, se moldam por percepções diferentes da realidade, configuradas por interesses e valores

diferenciados. Para os “oponentes e céticos”, a reforma agrária é irrelevante para o desenvolvimento rural, tendo em vista a modernização tecnológica no campo, da produção abundante de alimentos e do lucro gerado pelo agronegócio. Além disso, o volume de terras não produtivas teria sido reduzido, particularmente no Sul e Sudeste. Para os defensores do modelo do agronegócio globalizado, os latifúndios tradicionais foram convertidos em empresas que, atualmente, respondem por dois terços da produção agrícola do país. Defendem ainda, conforme enumera o autor, que o Brasil é um país majoritariamente urbano. Os adversários da reforma agrária, portanto, colocam-se em oposição ao MST, considerando-o uma organização “violenta” com intenções “ideológicas”.

Para os que apostam na necessidade de uma reforma no campo brasileiro, a preocupação em comum é o combate à profunda injustiça social no Brasil. A implementação, portanto, serviria também como um ato de reparação. Sobre a urbanização, defensores de uma reforma agrária destacam que ainda uma parcela grande da sociedade poderia se valer de uma reforma fundiária, acessando meios para uma vida digna. Acerca da produtividade, os que fazem críticas ao agronegócio destacam a resistência do setor ruralista em redefinir os critérios que estabelecem que uma propriedade é, ou não, produtiva. Segundo Carter, atualmente, eles são baseados no Censo Agropecuário de 1975. Ressaltam ainda que os alimentos consumidos por brasileiros são produzidos por agricultores familiares. O autor destaca a mandioca (92%), carne de frango e ovos (88%), bananas (85%), feijão (78%), batatas (77%), leite (71%) e café (70%).

Nesse contexto, o MST estabelece como novo programa agrário a ideia de uma Reforma Agrária Popular, o qual, segundo o documento, se coloca diante de desafios “mais elevados e complexos” pelo enfrentamento com o capital e o modelo de agricultura, que parte das disputas por terra, mas alcançam o controle de sementes, da agroindústria, da tecnologia, dos bens da natureza, da biodiversidade, das águas e das florestas.

O conceito ‘popular’ busca identificar a ruptura com a ideia de uma reforma agrária clássica feita nos limites do desenvolvimento capitalista e indica o desafio de um novo patamar de forças produtivas e de relações sociais de produção, necessárias para outro padrão de uso e de posse da terra (MST, 2013, p.33).

O programa de Reforma Agrária Popular do MST sintetiza a proposta em pontos que abarcam temas amplos, como a democratização da terra, água como um bem da natureza em benefício da humanidade, organização da produção agrícola, uma nova matriz tecnológica que mude o modo de produzir e distribuir riqueza na agricultura, industrialização, política pública agrária, educação no campo, desenvolvimento de infraestrutura social nas comunidades rurais e camponesas e mudanças na natureza do Estado e na estrutura administrativa.