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Aproximações históricas da Economia Solidaria: olhares cruzados entre dois continentes

ECONOMIA SOLIDÁRIA

1- Aproximações históricas da Economia Solidaria: olhares cruzados entre dois continentes

Em termos materiais, a garantia da sobrevivência humana está vinculada à associação de homens e mulheres nas formas de produção e consumo. Lógicas informais de entreajuda e solidariedade entre parentes, vizinhos e comunidade existem em diferentes contextos geográficos e culturais. Desde que alguns povos passam do nomadismo ao sedentarismo, originando a agricultura, é constituído um regime de desfrute e propriedade coletivos da terra, repartindo-a segundo as necessidades de cultivo. Os sentidos de comunidade, associação e cooperação têm sobrevivido e resistido dentro e na contra-corrente de estruturas económicas e sociais adversas.

A exemplo destas práticas no continente americano, a vasta obra de Mariátegui assinala que, na formação e alargamento do império Inca dos quíchuas1, seja pela anexação

pacífica ou pela guerra, a organização económica, assente na propriedade comum e no usufruto da terra, foi encontrada em toda a parte. Por razões políticas e administrativas, de reforço ao controlo central - cujo poder económico e político pertencia ao império Inca - este foi levado a organizar um regime comunista, em que todas as riquezas lhe pertenciam e a propriedade privada era desconhecida2. (Ibid., 2011).

Esta feição é alterada com a colonização espanhola, que aniquila a economia agrária Inca, em prol de uma economia de maior produtividade. Sob a servidão e o feudalismo, as comunidades indígenas, durante este período, sofrem alterações. O governo, antes centralizado no Inca, fica a cargo dos administradores de cada ayllu3. Este sentido de

coletivo do indígena, para além da comunidade, ainda hoje existe no costume secular da

1 Os quíchuas são povos indígenas da América do Sul, cuja língua tem o mesmo nome. Em alguns países assumem diferentes denominações: Ingas (Colômbia), Runakuna ou nunakuna - "povo, pessoas"; singular: runa ou nuna -(Peru). Habitam a região andina, especialmente no Peru, na Bolívia, Argentina e Chile. Os Incas, maior império pré-colombiano, foi um dos povos quíchuas históricos, assim como os Chancas (em Huancavelica, Ayacucho e Apurímac) e os Huancas (em Junín), ambos no Peru, e os Cañaris (no Equador, que adotaram a língua quíchua por influência dos incas). Fonte: Wikipédia. (2013). Quíchuas. Retrieved June 12, 2013, from http://pt.wikipedia.org/wiki/Qu%C3%ADchuas

2 A terra era tripartida entre o Sol, o Inca e a aldeia, sendo que, primeiramente, cuidavam da terra do Sol; a seguir dos anciãos, viúvas, órfãos e soldados que estavam no ativo; posteriormente a aldeia cultivava as suas terras, tendo por compromisso ajudar os vizinhos e, por fim, cultivavam a do Inca. Não havia dinheiro. A economia do governo gerava excedentes, destinados aos depósitos que, na época da escassez, eram partilhados com os doentes assolados pela miséria. Sendo assim, de alguma for ma, a riqueza, de propriedade do Inca, retornava ao povo (Ibid.).

Minka4, em países como o Peru, Bolívia, Equador e Chile.

Na Europa, com o advento da Revolução Industrial em meados do século XVIII, transitando para o século XIX, o trabalho, a terra e o capital passam a ser considerados os três fatores de produção e oferecem os maiores contributos para a riqueza de uma nação5. Nesta via, apesar da propriedade privada individual, bem como a contratação e a

remuneração pelo trabalho, que compõem um cenário de mutações nas relações sociais e económicas de então, as formas de associação e cooperação não só permanecem como ganham autonomia organizativa e se institucionalizam.

A luta dos trabalhadores, como reação à revolução social capitalista, vai ganhando terreno. Por um lado, contra o capitalismo industrial e a utilização das máquinas e, posteriormente, tendo como meta histórica os ideais de outra sociedade, expressa num coletivismo, tendo como propriedade comum os meios de produção ou a propriedade privada com acesso a todos.

As iniciativas no campo económico também se fazem sentir, face às condições de inferioridade em que se encontram em relação aos patrões, como vendedores da força de trabalho, mas também pela desunião e a concorrência, promovida por estas condições, entre os seus pares (o decrescimento acentuado dos salários em função da disputa entre empregados e desempregados). Portanto, não tarda a que os trabalhadores busquem as suas formas de organização.(Singer, 1998)

A constituição da classe trabalhadora e a busca da auto-organização e da cooperação são também reveladoras de práticas de produção e consumo de novo tipo, constituindo uma crítica ao capitalismo com diversos desdobramentos (Bocayuva, 2007). As crises que se seguem durante à era industrial, na primeira metade do século XIX, em Inglaterra, agudizam-se em diversos momentos, na luta por melhores salários e pela regulamentação das condições de trabalho que convergem para a formação do

4 A Minka é um costume secular em que, um membro da comunidade ou não, por impossibilidade de realizar um trabalho por falta de auxílio, este é levado a cabo com a ajuda dos vizinhos, sendo que os mesmos recebem parte da colheita,desde que a quantidade o permita, ou outro auxílio manual noutras circunstâncias (Mariátegui, 2011).

5 Esta afirmação remete para os fundamentos da Economia Política (clássica), tratada por Adam Smith em “A Riqueza das Nações”, publicada em 1776, numa tentativa de investigar a causa e a natureza do que permitia que as sociedades passassem de uma economia de subsistência e escassez para uma economia tendencialmente abundante, autonomizando-a enquanto ciência.

tradeunionismo (sindicalismo inglês). Movimentos políticos como o ludismo6 e o

cartismo7, ocorrem em paralelo com as experiências de cooperativismo inspiradas no

socialismo utópico de Owen8, para além de outros pensadores9, que não apenas

escrevem, mas até participam ativamente em movimentos.

A aproximação ideológica e organizativa entre Owen, os sindicatos e o movimento operário revela práticas criativas. O owenismo é reinterpretado e surgem as associações operárias auto-governadas, criadas pelos próprios operários e integradas na luta de classes, em lugar das “aldeias cooperativas” apoiadas por filantropos. Por outro lado, visando obter fundos para as “aldeias cooperativas”, estas sociedades organizam armazéns cooperativos que distribuem os produtos das cooperativas operárias e promovem o intercâmbio entre os variados ofícios (Singer, 1998).

Estas, entre outras ações como o Labour Exchange10,criado por Owen, não passam

incólumes aos meios burgueses, cujo patronato, unido, intensifica a repressão11 sobre os

sindicatos e trabalhadores (amenizada em 1832), ao lado do Estado, o que significa um duro golpe12 ao movimento sindical e cooperativo.

Acerca desta polémica etapa da construção e esmorecimento do socialismo utópico, no que concerne à interação e assimilação transversal do conhecimento produzido pelos sujeitos “movimentos sindicalista, cooperativo e owenismo”, Bocayuva (2007) introduz a seguinte questão: como o pensamento de Owen, com uma estrutura de ideias assente

6 A denominação é uma referência a Nedd Ludd, indicado como o líder do movimento, em que máquinas são frequentemente destruídas como protesto à mecanização, no início do século XIX, em Inglaterra. Mais desenvolvimentos podem ser consultados em Thompson (1987).

7 Os trabalhadores apresentam as suas reivindicações, entre outras, relacionadas com a jornada de trabalho de dez horas, a liberdade sindical e o direito de representação parlamentar dos operários ao parlamento inglês, no documento conhecido como “Carta do Povo”. (Ibid.).

8 Os experimentos das “aldeias cooperativas” escrevem uma parte importante da história deste período, duas das quais dirigidas pelo próprio Owen: “New Harmony”, em Indiana, EUA (1825 – 1829) e “Queenswood ou Harmony Haíl” (1839 -1846). Estas experiências são suportadas financeiramente por simpatizantes generosos, com capacidade económica para apoiá-las, sendo que, mais tarde, muitos renunciam, levando grande parte ao declínio.

9 Alguns dos destacados pensadores da época são: Saint-Simon, Fourier, Bouchez, King, Blanc, entre outros.

10 A avaliação dos produtos resultantes do trabalho é feita em tempo de trabalho, ou seja, em “horas” e colocados à venda em armazéns ou filiais da sociedade cooperativa. O preço de venda inclui uma comissão pelo uso do Exchange. O produtor recebe em “horas”, que são utilizadas na compra de produtos no próprio Exchange. Posteriormente, as “horas” são também aceites por comerciantes fora do Exchange.

11 A forma de repressão é especialmente eficaz através do que fica conhecido como o “documento”, que todos os trabalhadores têm que assinar renunciando ao sindicado e a qualquer forma de apoio por parte deste.

12 Este período é marcado pela decisão do governo de prender e condenar seis trabalhadores agrícolas de Dorsetshire e também pelas petições apresentadas por Owen, para além de uma manifestação de massa em Londres, sem qualquer resultado, que acaba por aniquilar os sindicatos e movimento cooperativo.

num paradigma iluminista do século XVIII (Thompson, 1987), consegue influenciar a prática do movimento operário na terceira década do século XIX?

O autor refere que, em paralelo com a ideia de que Owen radicaliza a “utilidade social”, convencendo atores sociais devido à sua competência prática, está a sua vontade educativa, que vai de encontro às necessidades dos artesãos autodidatas. São as próprias imprecisões e a amplitude das elaborações de Owen que propiciam a absorção e a adaptação das suas ideias por parte dos trabalhadores.

Ainda segundo o autor, este refere que os artesãos, tecelões e trabalhadores qualificados, buscam nos textos produzidos pelos owenistas as partes que mais diretamente coincidem com a sua situação e alteram-nas segundo às suas práticas e reflexões. Outro aspeto é que, a sua capacidade de enfatizar o “nós”, propicia um sentimento de pertença coletivo fundamental à elaboração da crítica ao capitalismo, como lógica de espoliação e produção de desigualdades sociais.

Neste sentido, ainda que as experiências cooperativas, aldeias, entre outras não tenham conseguido aniquilar o domínio do capital, Thompson (Ibid.) sustenta que o owenismo não é uma mera experiência retrógrada, mas sim, a primeira afirmação da necessidade de substituir o sistema capitalista por um sistema alternativo. Entretanto, o esgotamento histórico do socialismo utópico e a sua transição para o que fica conhecido como socialismo científico, traz outras questões teóricas e práticas, que os socialistas pós- utópicos tratam de formular.

Com Marx e Proudhon tem início a crítica científica dos movimentos sociais das últimas décadas (Morel, 2003). Ambos buscam, a partir de leituras da dialética hegeliana, interpretar cientificamente a história de maneira a conduzir o movimento operário à superação do capitalismo. O diálogo levado a cabo entre ambos, situa-se entre 1844 e 1848 quando, na impossibilidade de uma convergência teórica, dá-se a ruptura entre os dois pensadores para, vinte anos mais tarde, Marx e os proudhoninanos fundarem a Associação Internacional dos Trabalhadores e mesmo lutarem lado a lado – os poucos Marxistas de Paris e os proudhoninanos, nas barricadas da Comuna de 1871 (Cruz & Santos, 2011).

A divergência entre a perspetiva de Marx e a de Proudhon13 é, principalmente, porque

apesar de reconhecer a importância das experiências cooperativas, Marx não só defende a organização política dos trabalhadores, mas também que a transformação da sociedade passa por um Estado dirigido pelas classes subordinadas no capitalismo (Marx, 2004).

Contrariamente a Marx, Proudhon considera que as associações económicas são o embrião de federações constituídas de forma livre e que estas dispensam o Estado. Quando, em 1857, proclama o proletariado como sujeito da organização do trabalho, estabelece as bases do ideário autogestionário da modernidade, considerando a liberdade como fundamento político. (Proudhon, 2003)

Retrocedendo ao ano de 1844, encontramos aquela que ficou mais conhecida como a primeira experiência moderna de cooperativismo14, a dos Pioneiros de Rochdale. Um

grupo de 28 tecelões cria um empreendimento que lança as bases para a chamada “economia social”. Os seus objetivos de consumo, construção de habitações, de atividades que gerem trabalho para os sócios no desemprego, de forma a apoiar a aquisição de terras e, até, a construção de um hotel, trazem à tona os ideais do socialismo de Owen, ou seja, o cooperativismo de produção e consumo como meio para atingir a autonomia no trabalho e a autogovernação.

Os princípios15 formulados pelo grupo marcam a sua contribuição na história do

cooperativismo e da economia social quando, em 1937, no XV Congresso da Aliança Cooperativa Internacional (ACI)16 são pela primeira vez sistematizados (Leite, 2010).

(2004) e Bocayuva (2007).

14 Esta iniciativa ocorre na cidade industrial de Rochdale, próxima de Manchester. Entretanto, outras cooperativas são identificadas em períodos anteriores, com características específicas. A mais antiga, supostamente, será a dos trabalhadores dos estaleiros de Woolwich e Chatham, que em 1760 fundam moinhos de cereais nesta base organizativa, disseminando-se por toda a Inglaterra. Também a cooperativa de consumo da sociedade dos tecelões de Fenwick (1769); a “Sociedade Cooperativa e Econômica de Londres”, formada por Mudie e seus amigos, que publica o “The Economist”, primeiro jornal cooperativo (Singer, 1998). Mas aquelas apontadas por Cole (1944), como de suma importância do ponto de vista social, são as vinculadas aos sindicatos de trabalhadores de ofícios, entre 1826 e 1835, formadas durante o período de ascensão do cooperativismo owenista, abarcando as diversas áreas industriais do país, (exceto no País de Gales). Para aprofundar as informações acerca das principais diferenças entre as cooperativas formadas por sindicalistas (também chamadas de “operárias”) e as comunidades cooperativas formadas por pessoas de classe média, dependentes da filantropia, ver Singer (Ibid.).

15 Singer (Ibid.), destaca os oito princípios dos Pioneiros como sendo: 1) Cada sócio um voto, independente do capital investido; 2) associação livre, desde que cada pessoa integre uma quota mínima e igual para todos; 3) o capital investido é submetido a uma taxa fixa de juros (10%), evitando que todo o excedente seja distribuído pelos investidores; 4) depois de remunerado o capital, o excedente é, então, distribuído entre os sócios de acordo com o valor das compras; 5) as vendas são somente realizadas à vista; 6) os produtos comercializados devem ser puros e de boa qualidade; 7) a educação dos sócios como um dos princípios cooperativos; 8) neutralidade política e religiosa.

16 Para realizar esta sistematização a ACI recorre às produções teóricas de diversos autores sobre os Pioneiros, nomeadamente Holyoake, Cole, Lambert, Gide, Lavergne e Poisson. Para mais informações

As divergências nos debates acerca das transformações sociais e do cooperativismo atravessam todo o século XIX. Já no final, quando o movimento operário europeu consegue finalmente aspirar o poder, os debates internos no Partido Social Democrata da Alemanha (SPD) não só são propícios às convergências sobre a luta pelo controlo do Estado como forma privilegiada de ação, tal e qual apregoava Marx, como às divergências sobre o papel que o cooperativismo tem no processo de transição do capitalismo para o socialismo.

Este é também decisivo na fundamentação das relações entre o Estado, o mercado e as cooperativas durante todo o século XX, relativamente aos modelos de regulação social que conseguem: o estatismo soviético, a seguir à revolução Bolchevique, e o Estado de bem-estar social, na Europa Ocidental do pós-guerra (Cruz & Santos, 2011).

Entre outras controvérsias, as existentes entre Bernstein (1997), Rosa Luxemburg (2005) e Kautsky (1987) são elucidativas sobre este ponto: O primeiro enfatiza o papel decisivo das cooperativas de consumo na redução dos preços de compra das mercadorias para os consumidores e que, as agrícolas, impedem o monopólio das terras, garantindo a sobrevivência dos pequenos agricultores, afirmando, contudo, que as de produção estão destinadas ao fracasso, já que os trabalhadores são incapazes de gerir coletivamente os empreendimentos.

A segunda, nega o papel que podem ter as cooperativas na condução ao socialismo, por estarem subordinadas à lógica de mercado, apesar de reconhecer que, internamente, recusam as relações de produção capitalistas. Kautsky, por sua vez, também defende o cooperativismo como base de preparação para o socialismo, enfatizando que as cooperativas de produção são espaços privilegiados de aprendizagem de gestão coletiva dos trabalhadores.

Estas experimentações, tendo como expetativa comum a transformação do sistema capitalista com perspetivas diversas, não são, a priori, suficientes para responder aos grandes desafios das injustiças sociais que se colocam, sendo, entretanto, agravados pelo neoliberalismo que se impôs, face ao declínio do estatismo e do Estado de bem- estar social que marcam o século XX, com o predomínio do mercado sobre o Estado e do indivíduo sobre o coletivo, resultando num enfraquecimento das ideias e ideais que marcam as práticas associativas existentes.

Arruda (2004) sintetiza as debilidades do estatismo e do sistema global do capital, bem como de todas as formas de comunismo hierárquico, da seguinte forma: o estatismo concebe o Estado e os partidos políticos como sujeitos e a sociedade civil como objeto; a centralização da propriedade, dos bens de produção, do poder de decisão, entre outros, burocratizam a vida em sociedade; a obediência civil é conseguida com a coerção por parte do Estado patriarcal; a cultura de um coletivismo, na realidade, oculta a hierarquia e o controlo, a subordinação e o pensamento único.

O sistema global do capital, por sua vez, faz deste o sujeito e dos trabalhadores o objeto; as formas de relação estão assentes na competição, dominação e subordinação; a apropriação privada é o motor das ações, gerando subordinação, desigualdade, desemprego e exclusão; o Estado assegura a liberdade do mercado e do capital privado, por repressão ou com manobras ideológicas; a redução da democracia à prática eleitoral; a cultura do “ter” e do individualismo.

É principalmente a partir das décadas de 70 e 80 do século XX que, atingidos profundamente com as políticas neoliberais, o ressurgimento em força dos movimentos sociais recolocam as formas associativas em voga, como a Economia Solidária, a seguir apresentada.

1.1- Economia Solidária e o contexto histórico do trabalho associado

O breve resgate histórico do ponto anterior permite lançar as bases para situar a Economia Solidária num contexto em que as reflexões, diálogos, interpretações e vivências emergentes por parte dos/as ativistas e/ou investigadores, pensadores/as, poderes públicos entre outros intensificam as aproximações e distanciamentos conceptuais de outras experiências sociais com raízes afins.

A tentativa de revisitar o seu contexto histórico de surgimento e sociológico (a partir da diversidade dos olhares, das noções que se entrelaçam e, ao mesmo tempo, se particularizam, as estratégias diferenciadas implementadas na práxis dos seus atores e as problemáticas inerentes a este campo) têm relevo quando buscamos compreender o processo pedagógico da autogestão, concebido pelos atores que se organizam e se estruturam no seio do movimento e nas suas relações com o exterior.

Se por um lado, parece ser consensual por parte desses atores, referir valores como a cooperação, solidariedade, igualdade, justiça social, a autogestão e outros como

fundamentos da Economia Solidária, associando-os às formas económicas que abrangem as cadeias de produção, distribuição, finanças, trocas, comércio, consumo, poupança e crédito (Paula, 2004), por outro, há um debate complexo sobre a sua conceptualização em termos de origem e raízes identitárias; aproximações e distanciamentos do paradigma capitalista, assim como de outros conceitos relacionados com o surgimento de formas económicas para fazer face às desigualdades e à exclusão social.

Entretanto, por complexo que seja abranger a diversidade interpretativa dos debates acerca da Economia Solidária, recusar o esforço de sistematização acerca de alguns dos mais proeminentes não seria um melhor contributo, ainda que incorrendo no risco de visão redutora.

1.2- Raízes históricas e origem da Economia Solidária na América Latina

A Economia Solidária tem sido considerada um campo teórico e empírico em construção e refere-se à diferentes experiências relacionadas com a (s) cadeia (s) de produção, transformação, distribuição, comercialização, consumo, trocas, finanças, associadas a valores como a solidariedade, cooperação, autogestão, justiça social, entre outras. Além disso, em diferentes contextos, podemos perceber a existência de um movimento social de Economia Solidária.

Nosso trabalho se insere, justamente, no entrelaçamento das ideias da Economia Solidária enquanto prática e experiência concreta de trabalhadores associados, que se articulam e organizam por meio de um movimento social. Apesar de só tratarmos deste ponto no segundo capítulo, podemos já referir que a estas abordagens somam- se outras que merecem ser consideradas - ainda que não exaustivamente, face à vasta literatura produzida nos últimos anos – para ajudar-nos a compreender a complexidade inerente a este tema.

Algumas das reflexões e debates teóricos sobre as raízes da Economia Solidária na América Latina, assentam na aproximação e distanciamento das experiências surgidas no século XIX, na Europa (especialmente com as cooperativas de consumo em Inglaterra; as de produção ou de trabalho em França e as de crédito na Alemanha), cujos princípios de solidariedade e autogestão permeiam as formas associativas económicas, também presentes na Economia Solidária.

Também os termos terceiro setor, economia social, economia popular, economia informal, Socioeconomia Solidária e possivelmente outros, aparecem na literatura, sendo habitualmente referidos sem que, por vezes, sejam objeto de reflexão mais profunda pelos seus utilizadores. Entretanto, não ficam isentos de um olhar mais atento por parte