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ECONOMIA SOLIDÁRIA

2- Que globalização? Que repercussões? Que desafios?

Tratar a questão da educação (popular) em Economia Solidária (e a sua relação político- pedagógica com a Pedagogia da Autogestão, objeto de estudo deste trabalho) sem contextualizá-la na atualidade da era da globalização neoliberal e seu projeto educativo, da ideologia que lhe dá sentido, da racionalidade que a explicita e da produção de

conhecimentos que se apresenta com determinadas características, seria amputar parte da compreensão da realidade em que ambos os projetos societários (dominante e alternativo) se encontram, dialogam e rivalizam.

Apesar do objetivo central não ser realizar uma análise pormenorizada do fenómeno histórico da globalização - ancorado na atual ordem social dominante neoliberal - cabe visitar as relações estabelecidas por alguns autores no horizonte acima proposto, trazendo à tona os debates críticos acerca desta globalização e da produção do conhecimento, em que o papel destinado à educação é uma das formas de fomento deste projeto. Trata-se de preparar o terreno para melhor compreender o projeto educativo da educação (popular) como uma das estratégias de projeto político do movimento ES, que vem a tensionar esse mesmo projeto global neoliberal.

Uma das características dos nossos tempos é a rapidez com que as transformações ocorrem atualmente na sociedade, diretamente vinculadas aos avanços científico- tecnológicos que marcam esta etapa civilizacional que é a era da chamada globalização. O termo “globalização” talvez não seja conhecido por todos os povos, mas as suas consequências são sentidas, provavelmente, em todo o globo. Embora não aconteça da mesma forma mundialmente, a sua influência padronizadora tem alcance nos locais mais recônditos, com impactos ao nível económico, social, político, cultural e educacional. Milton Santos (2010) descreve a globalização como o culminar do processo de internacionalização do mundo capitalista.

Para iniciar esta reflexão teórica, recorremos a Sacristán (2001, p. 76, citado por Torres, 2009, p. 7) que refere a globalização como um fenómeno complexo e interdependente, propagando-se para múltiplas dimensões da vida em sociedade:

procesos de intercambios de capital, personas, sus formas de vida, lo que piensan y hacen, generándose interdependencias en la económica, la ciencia, la política, la cultura, la tecnología; y afectando tanto a la actividad productiva, a la vida familiar, el ocio, el pensamiento, el arte, aunque en diverso grado.

Há quem situe a atual globalização como um fenómeno que se encontra na sua “terceira onda”50, como Nunes (2003). Tendo o neoliberalismo como a sua matriz ideológica, é na

50 O autor situa a globalização em três diferentes fases, considerando que a “primeira onda” se deu a partir do século XV, marcado pelas descobertas marítimas e os processos de colonização. A “segunda onda” ocorreu durante o último quartel do século XIX, com a “segunda revolução industrial”, quando se deu a intensificação do colonialismo pelas grandes potências capitalistas europeias, Estados Unidos e Japão que, com a transferência de capitais privados das metrópoles para os territórios coloniais como forma de investimento, abriram as portas à exploração económica desses territórios, à unificação do mercado mundial (pelo desenvolvimento dos transportes e da comunicação) e à concorrência entre os capitalismos

economia que faz centrar a sua compreensão e difusão. O domínio do capital financeiro se traduz num mercado único de capitais ao nível mundial. No comércio livre, sem barreiras, encontra-se o espaço de circulação de bens (matérias-primas, produtos agrícolas, industriais...), serviços, capitais e tecnologia.

Tudo isso, por conta dos sistemas de transportes, que reduziram drasticamente os seus custos por unidade, e às tecnologias de informação, que “permitem controlar a partir do 'centro' uma estrutura produtiva dispersa por várias regiões do mundo e permitem obter informação e atuar com base nela, em tempo real, em qualquer parte do mundo, em qualquer ponto do globo”. (Ibid., p. 81.)

Sem dúvida, uma das características centrais deste fenómeno está no avanço das ciências, dos sistemas tecnológicos e, como evidencia Ferreira (2008), nas causas e impactos geográficos e temporais produzidos pelas TIC que, por sua vez, estão na base da correlação globalização - mercado - sociedade. Neste meio, o autor constata a sua contundente repercussão na maneira como a informação, o conhecimento e a energia produzidos permitem disseminar inputs e outputs em termos quantitativos ou qualitativos, ao que se juntam as formas e meios para a sua emissão e transmissão, reveladores da “capacidade/possibilidade inaudita de produção, distribuição, troca e consumo de bens e serviços de carácter analítico-simbólico,” (Ibid., p. 118).

Associado ao sistema de técnicas51 no campo da informática, da cibernética e da

eletrónica, cujo elo de ligação é estabelecido pela informação, aparece também um mercado referido como global, para o qual converge este sistema de técnicas avançadas das quais tal mercado se utiliza para garantir a sua reprodução. Por sua vez, a velocidade com que tal sistema de técnicas sofre mutações, inovações, não implica o imediato desaparecimento dos sistemas “anteriores”, o que faz com que os atores mais poderosos possam aceder-lhe de imediato e os demais continuem a utilizar os menos atuais, como enfatiza Santos (2010). Este desnivelamento de acesso, desde já excludente, está diretamente relacionado com a questão saber-poder hegemónico, que ganha legitimidade pela orientação de processos políticos voltados para a sua legitimação, continuidade e aperfeiçoamento do tipo de globalização atual.

nacionais, o que resultaria nas duas grandes guerras mundiais no século XX. (Nunes, 2003, pp. 77, 78) 51 O referido “sistema de técnicas” diz respeito à contribuição de Milton Santos quando assegura que as

técnicas nunca aparecem na história isoladamente, mas sempre como um grupo de técnicas, formando sistemas, ou seja, como “famílias”. Como exemplo, cita num dado momento o aparecimento da foice, do ancinho e da enxada, que não só constituíram a tal família de técnicas como foram representativos de uma época da história. (2010, p.24)

Numa relação causa-efeito, outros fatores somam-se a estes como a convergência dos momentos vividos em resposta à perceção e utilização do tempo real e do tempo histórico52. Face às possibilidades conferidas pelos meios técnico-científicos, a utilização

do tempo pode ser feita de maneira uniforme - como referido anteriormente por Nunes (2003) - a partir de múltiplos lugares, independente dos horários. Tal permitiu transformar o mundo das finanças, criando a oportunidade de funcionamento ininterrupto dos mercados (Ferreira, 2008; Santos, 2010). Outro factor é o atual nível de internacionalização que traz em si a novidade da mundialização do produto, crédito, dinheiro, dívida, consumo e informação.

Com esse processo histórico emergem também outros atores como protagonistas, neste caso, as transnacionais, que atuam com uma estratégia mundial, apoiados no poder político e económico. Por isso mesmo, Nunes (2003) relembra que não é possível interpretar a globalização como o retorno ao capitalismo concorrencial, já que as transnacionais anulam os mercados tal como eram projetados pela teoria da concorrência, tal o afã de controlo do desenvolvimento económico ao nível mundial.

Na sua vocação de aprofundamento dos valores orientados para a afirmação da sociedade de consumo - para a qual toda a sua máquina mediática está à disposição para fomentar e alimentar o “ter” - as palavras de ordem do competir, dominar, descartar e da vitória do mais forte e mais bem preparado se impõem como cultura de massa que “não oferece condições ao ser humano de enxergar-se internamente, de questionar-se sobre valores. A tendência é repetir modelos sem indagar-se.” (Zaneti, 2006, p. 82).

E se num passado recente o desemprego crónico é assunto reservado aos países do chamado “terceiro mundo”, em especial nos últimos cinco anos tem-se agravado de forma galopante nos países ditos desenvolvidos, sem soluções à vista. Mas não só, as pessoas ainda empregadas têm suportado a piora das suas condições materiais e imateriais (com a permanente insegurança do desemprego a bater à porta). São reconhecíveis, inclusive oficialmente, os impactos progressivos nos direitos fundamentais à alimentação, saúde, educação, habitação, reformas dos trabalhadores entre outros. Soma-se a este quadro a tão polémica devastação ambiental, que ameaça os ecossistemas e a continuidade da existência humana, o que acende uma questão que não se coloca noutros momentos de crise anteriores.

52 Por “tempo real” Santos denominou a perceção do tempo como fenómeno físico e por tempo his tórico” a “interdependência e solidariedade do acontecer” (2010, pp. 27, 28).

Certamente que, face à complexidade deste fenómeno, torna-se evidente a impossibilidade de retratar e de compreender a sua multiplicidade de sintomas de uma só forma, o que constitui um desafio procurar compreendê-lo a partir de diversas perspetivas e com olhares entrecruzados com as inúmeras variantes que lhe conferem tal estatuto. Aqui, trataremos de apontar apenas duas contribuições possíveis, como forma de instigar o debate seguinte.

Mészáros53, por exemplo, ao referir a globalização, destaca que esta é uma “tendência

que emana da natureza do capital desde o seu início” (2009b. p.111.). E ao deslocar o foco para o capital, convoca o trabalho e o Estado, identificando-os como os pilares imprescindíveis para funcionamento do “sistema sociometabólico do capital” (Ibid.), lançando uma profunda análise a partir desta tríplice aliança. Materialmente interrelacionados e constituídos, defende ser impossível superar o capital sem eliminar cada um destes pilares, que conformam este sistema poderoso e expansionista. (2009b).

Para que este sistema funcione de modo totalizador, o necessário controlo deste é exercido com base numa estrutura de comando específica, subordinando a sociedade às suas funções produtivas e distributivas. Tal estratégia é assegurada por dois fatores principais, ou seja, a divisão da sociedade em classes sociais54 amplas, mas antagónicas

entre si, e um controlo político total. Para alicerçar este binómio, uma plataforma comum é sustentada por um complexo sistema de divisão social hierárquica do trabalho55 que,

por sua vez, controla a divisão funcional/técnica/tecnológica do mesmo (ambas categorias distintas da divisão do trabalho, mas que nesta se fundem). (Mészáros, 2009b)

Nesta via, se tomarmos a divisão funcional do trabalho em exclusivo, o autor considera

53 Quando adotamos István Mészáros como uma das referências para a reflexão sobre a globalização, a que se associam os temas do capital, do trabalho e da educação (este, na parte final deste capítulo), no contexto do sistema sociometabólico do capital, não é por acaso. Entre uma vasta produção intelectual, o autor é responsável por algumas das mais importantes obras do final do século XX, entre as quais “Para além do Capital” (1995-2009) e “O poder da ideologia” (1989-2010). Na primeira, elabora uma síntese pormenorizada e inspirada em Marx, buscando os fundamentos dos Grundrisse, mas não descurando o diálogo crítico com a obra de cariz ontológico de Lukács e da economia política por Rosa de Luxemburgo. Na segunda, acende o debate sobre a ideologia, desfazendo o mito da neutralidade ideológica e restituindo as relações com a política, ciência, metodologia e com os projetos emancipatórios.

54 Cabe ressaltar que no sentido de Marx, com o qual o autor dialoga em toda a sua obra, esta categoria está vinculada às relações sociais determinadas pelo modo como na produção de suas condições materiais de existência, as pessoas dividem-se no trabalho, estabelecem formas de propriedade, “reproduzem e legitimam aquela divisão e aquelas formas por meio das instituições sociais e políticas, representam para si mesmos o significado dessas instituições através de sistemas determinados de ideias que exprimem e escondem o significado real de suas relações. As classes sociais são o fazer-se classe dos indivíduos em suas atividades económicas, políticas e culturais.”, como explica Chauí (1980, p. 21).

55 Neste sentido, as funções de produção e controlo do processo do trabalho devem estar separadas e ser exercidas por diferentes classes de indivíduos. (Mészáros, 2009, p. 98-99).

que esta poderia ser uma dimensão horizontal potencialmente libertadora do processo do trabalho. Entretanto, como se apresenta como dimensão inseparável da divisão hierárquica do trabalho (cuja função é salvaguardar os interesses do sistema do capital, no que concerne à sua expansão continuada de extração do sobretrabalho), obviamente que esta encontra-se limitada e dependente da dimensão vertical, em termos reprodutivos do sistema. (Ibid., 2009)

As contradições em que assentam o sistema são de tal ordem que a gestão das mesmas só é possível parcialmente, em intervalos restritos, nunca em definitivo. Orientado para a expansão e acumulação, ao mesmo tempo que lhe conferem um dinamismo incontestável, as contradições são, em via de regra, devastadoras. Mészáros (2009a) assinala apenas algumas delas (desenvolvimento e subdesenvolvimento; expansão do emprego e geração de desemprego; economia de recursos materiais e humanos e desperdício destes; crescimento da produção a todo o custo e destruição ambiental, para além de muitas outras.).

Na sua estrutura, determinadas etapas encontram-se separadas, o que acaba contribuindo para que o funcionamento sociometabólico do capital se torne, ao mesmo tempo, necessário e incontrolável. Tais etapas são: a produção e o seu controlo; a produção e o consumo - cuja ruptura acabou por gerar um consumismo manipulado e até a exclusão de milhões de seres humanos do atendimento às suas necessidades elementares; e a produção e circulação. (Antunes, 2009)

Mas cabe ressaltar, ainda, que o sistema sociometabólico do capital, apesar de apresentar estas e mais contradições explosivas, tem os seus riscos atenuados com as ações corretivas introduzidas pelo Estado, o seu terceiro pilar (para além do capital e do trabalho já mencionados). Segundo Mészáros, entre outras funções, este aparece como “estrutura totalizadora de comando político do capital” (2009b, pp. 106-107).

Claramente, a crise estrutural do capital atinge profundamente as instituições do Estado e os métodos de organização afins, trazendo também a crise política. Assim, este “passa a existir, acima de tudo, para poder exercer o controle abrangente sobre as forças centrífugas insubmissas que emanam das unidades produtivas isoladas do capital, um sistema reprodutivo social antagonicamente estruturado.” (Ibid.).

este sistema foge por completo ao controlo dos cidadãos e cidadãs, tendo-se convertido numa inevitabilidade. Entre outras justificativas, Mészáros destaca que

a razão principal por que este sistema forçosamente escapa a um significativo grau de controle humano é precisamente o fato de ter, ele próprio, surgido no curso da história como uma poderosa (…) estrutura “totalizadora” de controle à qual tudo o mais, inclusive seres humanos, deve se ajustar, e assim provar sua “viabilidade produtiva”, ou perecer, caso não consiga se adaptar. Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente absorvente – e, neste importante sentido, “totalitário” - do que o sistema do capital globalmente dominante, que sujeita cegamente aos mesmos imperativos a questão da saúde e a do comércio, a educação e a agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios critérios de viabilidade. (…) No entanto, é irônico (e bastante absurdo) que os propagandistas de tal sistema acreditem que ele seja inerentemente democrático e suponham que ele realmente seja a base paradigmática de qualquer democracia concebível. (2009b, p.96.)

Como bem afirma Meszáros, a ironia da defesa deste paradigma, de pensamento inevitável e conhecimento universalizantes, que afronta a democracia, é excludente e condiciona as diferentes dimensões da vida em sociedade (entre as quais a educação) tem sido responsável pelo levante de diversas vozes que clamam por outros paradigmas, outras globalizações/outras glocalizações.

A partir do Sul56 (em especial, mas não só), estas vozes têm se rebelado dos lugares dos

povos e culturas mais atingidos e imersos durante séculos na condição de miséria e injustiças e que, no século passado, foram adjetivados como “terceiro mundo” ou “subdesenvolvidos”. Fals Borda57 (2004) parece sintetizar com pertinência algumas das

formas de compreensão da globalização injusta e desfocada, que brevemente salientamos aqui:

un[a] analític[a], para describir sus principales factores intervinientes, que son de naturaleza económica, política y cultural; y otr[a] normativ[a], para destacar los valores subyacentes a los resultados que persigue en lo económico, lo político y lo cultural. [...] ¿Cuál es su alcance real? Según las políticas públicas que se adopten. Aquellas inspiradas en el neoliberalismo, ya lo hemos visto, han aumentado la miseria y las inequidades del mundo. [...] Pongámonos entonces los lentes de la hermenéutica para criticar estos mismos fenómenos. ¿Qué resulta? Podemos interpretar ahora la globalización por lo menos de tres maneras: primero, como una serie de discursos muy diversos, por ejemplo, sobre capital social, tecnología comunicativa, impacto cultural, etc. Segundo, como un proceso inducido por acuerdos o reglas de desarrollo económico, como los del Banco Mundial, el posible ALCA, y la Organización Mundial del Comercio. Y tercero, como una institución macro o conjunto de instituciones macro, cuyos ejemplos más notables son las corporaciones multinacionales, muchas ONGs, los tratados regionales, iglesias universales, y otras entidades y burocracias sin ciudadanía fija. Los interesados pueden concentrar productivamente su atención sobre cualquiera de estas tres modalidades. (2008, p.3.)

56 O termo “Sul” é aqui utilizado na perpetiva de Santos; Nunes e Menezes (2004), quando referem os países da periferia e semiperiferia mundial denominados “Terceiro Mundo”, a que os autores preferiram chamar de “Sul” sociológico e não geográfico (não incluindo os países centrais do Sul, como a Austrália e Nova Zelândia).

57 É um dos mais destacados intelectuais da América Latina, co-fundador (juntamente com Camilo Torres) da primeira Faculdade de Sociologia no continente (Colômbia, 1959).

Entretanto, provoca os “insatisfeitos” a compreendê-la mais além destas abordagens, quando sustenta que podemos

entrar todavía más a fondo y estudiar las relaciones establecidas entre sociedades concretas y las prácticas que permiten o fomentan la globalización, especialmente desde el punto de vista de las libertades individuales y colectivas. Hay el marco fundamental de este tipo espacial/territorial: el de los estados - naciones que han cedido, a nivel supranacional y más o menos voluntariamente, parte de su soberanía. Desde el punto de vista espacial –muchos lo han dicho—, la globalización es un proceso de doble vía que va y viene desde arriba, en las altas esferas de las sociedades, y de abajo para arriba, desde las localidades y regiones con la gente del común y su cultura ancestral. Los canales de arriba abajo han sido dominantes y vienen condicionados por las oligarquías de la civilización occidental eurocéntrica y euroamericana y por sus contrapartes nacionales debidamente actuando como colonos intelectuales. Aquí confirmamos que la occidental es la civilización de origen que provee el sabor y el cemento para la expansión estructural de la globalización. Es su meollo geopolítico. Este sabor es tenaz y sumamente contagioso. Se transmite en formas culturales, educativas y hasta subliminales que han usado al máximo las ventajas de la tecnología en los medios de comunicación; estos medios no perdonan diferencias geográficas, raciales o lingüísticas: afectan prácticamente a todo el mundo casi sin diferencias de edad o sexo. Es un efecto de contenido y forma sobre gustos y patrones psíquicos, que se prestan a la manipulación y son, en cierta forma, síntomas de opresión. (Ibid.)

A partir desta provocação que nos faz o autor, inserimos na agenda desta investigação o olhar crítico aos modos de produção do conhecimento a partir desta relação de interdependência entre as sociedades, focalizando o eurocentrismo, as noções de modernidade e colonialidade presentes nas principais reflexões desde este Sul.

2.1- Eurocentrismo, modernidade e colonialidade: as múltiplas faces da produção do conhecimento hegemónico

Os debates acerca da produção do conhecimento e a forma como tem sido disseminado a partir das sociedades ocidentais, privilegiando o que conhecemos como ciência moderna, têm-se intensificado desde às últimas décadas do século XX, a que se somam as mais recentes e incisivas contribuições de diversos autores neste milénio. Como ponto de partida para situar estes debates, podemos considerar que a denúncia do conhecimento hegemónico, de caráter eurocêntrico, tem atravessado a produção teórica e epistemológica, em especial dos autores do Sul (Fals Borda, 2003, 2008; Lander, 2005, 2007; Mignolo, 2003, 2005; Porto Gonçalves, 2005; Quijano, 1992, 2005, 2009).

Concordamos com Lander quando sublinha que, longe de ser uma questão exclusiva do domínio dos peritos em epistemologia, trata-se de uma questão central, de importância política e cultural. O eurocentrismo e o colonialismo habitam o pensamento social moderno há alguns séculos, presentes em diferentes momentos da história da América Latina58, em que

58 A citação específica da América Latina é devido ao contexto particular em que a investigação se desenvolve. Na realidade, a marca do eurocentrismo e da colonialidade estão presentes noutros

existe uma continuidade básica desde as Crônicas das Índias, o pensamento liberal da independência, o positivismo e o pensamento conservador do século XIX, a sociologia da modernização, o desenvolvimentismo em suas diversas versões durante o século XX, o