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A reciprocidade dinâmica das práticas sociais e do movimento social da Economia Solidária

ECONOMIA SOLIDÁRIA

1- A reciprocidade dinâmica das práticas sociais e do movimento social da Economia Solidária

Esta reflexão “inaugura” o segundo capítulo, numa etapa em que começamos a afunilar o nosso percurso investigativo acerca da Educação Popular em Economia Solidária. Surge com a necessidade primeira de atribuir coerência à utilização das categorias “prática social” e “movimento social”, quando referimos a Economia Solidária no contexto do presente trabalho.

Tal análise exige alguns cuidados, já que o enfoque que buscamos está direcionado à conjugação das práticas de trabalho associado autogestionário e à Educação Popular, que amparam a Pedagogia da Autogestão. Esta premissa destaca a coexistência entre os dois campos, ou seja, o da Economia Solidária e o da Educação Popular.

Se por um lado, sentimos anteriormente a necessidade de direcionar olhares específicos a cada um, para melhor perceber as respetivas historicidades e as raízes que os conformam, nesta etapa buscamos situar as suas respetivas cumplicidades. Por conseguinte, apesar da coexistência destes dois campos ser tratada em pormenor no próximo ponto, optamos por antecipar a problematização destas categorias tendo como foco a sua contextualização na práxis desta investigação.

Assim sendo, relembramos que este estudo realiza-se com o objetivo não apenas de focalizar uma experiência em si mesma, individualizada (se quisermos), mas de compreendê-la na sua complexidade de relações, inclusive no seio dos próprios grupos de produção/trabalho associado (no caso dos GPES). Ao contribuir para a melhor inteligibilidade do seu processo de trabalho associado autogerido e Educação Popular,

pretendemos torná-la disponível, permitindo a sua ampliação num contexto mais vasto do movimento ES (focalizado a partir de algumas das suas instâncias institucionais e organizativas, entre as quais o FBES). Esta, por sua vez, supostamente influencia a própria experiência dos GPES. Sendo assim, as possíveis contribuições não visam unicamente os sujeitos mais diretamente implicados na investigação (GPES), embora esta preocupação esteja sempre presente, mas também o processo educativo da “Educação Popular em Economia Solidária”, assumido pelo movimento social e potencializado através do projeto CFES.

Nesta investigação equiparamos os GPES à categoria de “empreendimentos de Economia Solidária (EES)”, enquanto atores do movimento ES, tal como explicitado no primeiro capítulo (p. 39), segundo a caracterização do FBES. Consideramos que estes atores, assim como outros que desenvolvem as suas práticas sociais (e económicas, educativas, etc.) segundo os pressupostos da Economia Solidária integram o movimento ES, inserindo-se num contexto de mobilização social mais amplo.

Outra premissa é que, quando referimos o FBES, embora não seja esta instância o sujeito que diretamente participa nesta investigação, estamos a considerar que este é um “sujeito de vários sujeitos” (Santos, 2011), em cujo entorno conjugam-se práticas sociais, económicas, culturais, políticas, entre outras. Por sua vez, estas são levadas a cabo pelos sujeitos que conosco colaboram neste trabalho - GPES – que ora encontram-se no exercício destas práticas, enquanto grupos/coletivos de produção nos seus empreendimentos económicos solidários (EES), ora se articulam em diferentes instâncias de mobilização social no campo da Economia Solidária. O terceiro capítulo oferece o testemunho desta vinculação.

Recuperando a investigação levada a cabo por Santos (2011) verificamos que a autora retrata esta dinâmica da seguinte forma:

O movimento da Economia Solidária no Brasil expressa um sujeito coletivo – FBES – composto por vários sujeitos. Os atores da Economia Solidária são os empreendimentos econômicos solidários, suas entidades representativas, os agentes externos desdobrados em entidades de apoio e poder público. Os EES representam possibilidade concreta da consolidação da Economia Solidária, sem eles o movimento da Economia Solidária não tem sentido. Todavia a legitimidade destes empreendimentos e, consequentemente, do movimento requer o reconhecimento das trajetórias dos diferentes atores. […] Da mesma forma que o EES – como sujeito coletivo – é formado por uma diversidade de representações, o movimento da Economia Solidária é configurado no FBES – como sujeito coletivo – por uma diversidade de atores que se reconhecem como Economia Solidária. Fato é que ações concretas estão realizando a experiência da Economia Solidária, bem como o movimento social que a congrega, tendo em

vista novas condições econômicas, políticas e culturais. Assim, os trabalhadores que constroem outras relações de trabalho em busca de sobrevivência social formam o sujeito que, num movimento histórico, questiona a situação dada. (Ibid. p. 9)

Até esta etapa do trabalho, na maioria das vezes referimos à Economia Solidária como movimento social, quer quando visitamos a sua história, num contexto mais alargado da América Latina e Caribe, quer quando nos voltamos para o Brasil, em direção à região nordeste, onde decorre a experiência do CFES NE e dos GPES. Tal não é aleatório, quando o esforço empreendido até o momento tem sido o de situar o campo da Economia Solidária a partir das suas mobilizações e militâncias e, neste meio, expor o terreno fértil onde são cultivadas as suas práticas de trabalho associado e de Educação Popular.

Por este prisma, verificamos a correspondência da Economia Solidária como movimento social, pela autodenominação exaustivamente mencionada nos próprios documentos publicados pelo FBES1 (2003, 2006, 2008). Para ilustrar este ponto, utilizamos um dos

mais recentes relatórios disponibilizados até a data, ou seja, o “Relatório da V Plenária Nacional de Economia Solidária - Economia Solidária: bem viver, cooperação e autogestão para um desenvolvimento justo e sustentável”, cuja iniciativa realiza-se de 09 a 13 de dezembro de 2012, em Luziânia, Goiás.

O nosso procedimento é justificado pela amplitude deste encontro, que congrega militantes ao nível nacional, sendo realizado a cada três anos. Neste, são validadas as decisões estratégicas (políticas, sociais, educativas, culturais...) pelos/as participantes do movimento ES. Outro fator importante é que, nesta V plenária, destinam um espaço de reflexão aos movimentos sociais2 no Brasil, com o objetivo de compreender a sua

natureza e finalidade, de maneira a subsidiar outro debate mais específico, acerca da natureza do FBES.

Curiosamente, nas suas 156 páginas encontramos cerca de 380 menções à Economia Solidária como movimento social (por vezes referida apenas como movimento), entre as quais destacamos alguns excertos:

1 Para mais consultas acerca da referência à Economia Solidária como movimento social pode ter acesso a documentos variados na página web do FBES: <http://www.fbes.org.br/index.php? option=com_frontpage&Itemid=1>. Acesso em 23 de julho de 2013.

2 Nesta etapa participam representantes dos seguintes movimentos sociais: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Marcha Mundial de Mulheres, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e FBES.

No total, este processo envolveu mais de 10.000 trabalhadoras/es que debateram a Economia Solidária como movimento social organizado e estratégia de desenvolvimento territorial, sustentável, diverso e solidário; movimento de opção de organização popular e luta emancipada das/os trabalhadoras/es associada/os para o enfrentamento e superação do capitalismo. (FBES, 2012, p. 6, destaque nosso.)

As mesas temáticas da V Plenária Nacional da Economia Solidária tiveram sobretudo um caráter formativo para provocar os participantes da plenária acerca das temáticas centrais que o movimento de Economia Solidária planejava debater. A perspectiva foi ainda de trazer elementos para subsidiar os momentos de trabalho de grupo, carrosséis, mini plenárias, onde os participantes tiveram a ocasião de levantar questionamentos e indicar pontos para o movimento aprofundar. (Ibid. p. 15, destaque nosso.)

O movimento de Economia Solidária se alia aos movimentos sociais comprometidos com a construção de uma sociedade justa e igualitária no Brasil, na América Latina, Caribe e no mundo. […] Reafirmamos o nosso compromisso com as lutas, bandeiras e campanhas dos movimentos sociais no Brasil e os conclamamos a fortalecer nossas campanhas e refletir sobre a nossa relação com os governos e a sociedade em geral. Além disso, construir juntos propostas de políticas públicas que fortaleçam a luta dos trabalhadores e trabalhadoras que querem viver numa economia sem patrão, pois o trabalho associado é um direito! O movimento de Economia Solidária propõe que os movimentos sociais construam conosco o viver e trabalhar nos princípios da autogestão, da democracia e da solidariedade, construindo uma nova cultura política, repartindo resultados, organizando empreendimentos econômicos solidários, redes e cadeias de produção, comercialização e consumo, bancos comunitários, fundos rotativos solidários, clubes de troca, centrais e pontos fixos de comercialização, feiras de produtos e serviços, processos educativos baseados na Pedagogia da Autogestão, entre tantas outras coisas. (Ibid., p. 28, destaque nosso.)

Menção idêntica pode ser encontrada nas produções teóricas de vários estudiosos da Economia Solidária nos últimos anos (Paula, 2004; França Lima, 2013; Mance, 2002). Da mesma forma, mais recentemente, investigadores/as têm-se debruçado na compreensão desta perspetiva em seus trabalhos académicos, na tentativa de compreender as particularidades da Economia Solidária como movimento social (Carneiro, 2011; Santos, 2011; Santos & Carneiro, 2008), sendo igualmente citada/incluída como tal em trabalhos de investigação num contexto mais amplo dos estudos sobre movimentos sociais (Scherer-Warren, 2006, 2008).

É de ressaltar que, se alguns destes autores e o próprio FBES destacam a Economia Solidária como movimento social, também acabam por referenciá-la, direta ou indiretamente, como “práticas de Economia Solidária”, diferenciando-as das práticas capitalistas e, por vezes, desdobrando ou embutindo nesta referência a ideia de “práticas sociais” (normalmente associadas aos valores e princípios como a solidariedade, cooperação, democracia, autogestão, entre outros) ou “práticas económicas” (produção, comercialização, consumo, finanças, trocas ...) e, ainda, como práticas socioeconómicas, articulando as vertentes anteriores numa só nomenclatura.

Por exemplo, na sua formulação acerca das redes de colaboração solidárias, Mance (2005) recorre ao conceito de “práticas de Economia Solidária”, quando concentra-se nas transformações específicas das cadeias produtivas em contraponto às práticas capitalistas, associando a este as vertentes social e económica:

[N]essa realidade de injustiça estrutural surgiram diversas práticas de Economia Solidária que podem ser compreendidas como: a) ações concretas bem-sucedidas de geração de trabalho e distribuição de renda; b) como uma compreensão de desenvolvimento sustentável baseada em sistemas de redes socioeconômicas voltadas à promoção do bem- viver do conjunto das sociedades; c) como um conjunto de políticas públicas de desenvolvimento socioeconômico e de integração social pela promoção do trabalho e do consumo sustentável e pela difusão solidária de tecnologias sociais. O seu objetivo principal é a reorganização social das ações de consumo, comércio, produção, serviço, finanças e desenvolvimento tecnológico de modo a promover a realização humana de cada pessoa, assegurando-lhe as condições materiais satisfatórias para o exercício ético de sua liberdade. Essas práticas enfatizam a participação coletiva, cooperação, autogestão, democracia, auto-sustentação, a promoção do desenvolvimento humano e da equidade de gênero, responsabilidade social e a preservação do equilíbrio dos ecossistemas. Enfim, operam sob formas de colaboração solidária. (Ibid. p. 2, destaque nosso.)

O isolamento dessas diversas práticas bem-sucedidas fragilizava a sua expansão local e global. Por isso, nas últimas décadas, redes socioeconômicas começaram a ser organizadas, articulando processos colaborativos de financiamento, produção, comercialização, consumo e desenvolvimento tecnológico potencializando as práticas de Economia Solidária em seu conjunto. (Ibid., pp. 2-3, destaque nosso)

Paula (2004) é outro autor que dá enfoque à Economia Solidária tomando como referência as práticas sociais e económicas, em contraponto às práticas capitalistas, como podemos verificar no fragmento do artigo a seguir:

O fenômeno chamado Economia Solidária é bastante recente no Brasil e compreende uma enorme diversidade de iniciativas de caráter econômico e social. […] Pela Economia Solidária existe uma mudança nas práticas sociais, buscando-se despertar do consumismo desenfreado, do individualismo capitalista, dos posicionamentos hierárquicos nas relações de produção e humanas, reivindicando relações com práticas de solidariedade, respeito às diferenças e vivendo na multiplicidade. (p. 22, destaque nosso)

No mesmo artigo, citando o Ministério do Trabalho e Emprego (2003), concebe a Economia Solidária como

[um] conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, finanças, trocas, comércio, consumo, poupança e crédito - organizadas sob a forma de autogestão, ou seja, pela propriedade coletiva dos meios de produção de bens e serviços e pela participação democrática (uma pessoa, um voto) nas decisões dos membros da organização ou empreendimento. (pp. 24-25, destaque nosso)

Por fim, sintetiza a argumentação anunciando que

a Economia Solidária compreende uma grande diversidade de práticas econômicas e sociais, organizadas sob formas de cooperativas populares, federações e centrais

cooperativas, associações, movimentos, organizações comunitárias, compras coletivas, redes de consumidores, empresas autogestionárias (pequenas, médias e grandes), iniciativas familiares, feiras ou clubes de troca com uso de moedas sociais e complexos cooperativos.(p. 25, destaque nosso)

Estes são alguns dos exemplos da convivência entre as categorias “práticas sociais e/ou económicas” e “movimento social” na Economia Solidária no Brasil. É certo que não é intenção nossa apelar ao mimetismo para justificar a harmoniosa utilização de ambas nesta investigação, apenas porque, à partida, não nos parecem contraditórias, mas sim, interdependentes ou, pelo menos, comunicantes. Também não buscamos aprofundar cada uma destas categorias neste momento, entendendo que, dada a complexidade e amplitude das visões acerca de cada uma delas, implica um trabalho mais minucioso, o que não objetivamos realizar aqui.

Todavia, a nossa intenção é não cair no facilitismo de abandonar uma em função da outra. Assim, a opção é problematizar estes conceitos à luz do “dilema” com o qual nos defrontamos, partindo do pressuposto de que, com a sua polarização, corremos o risco de um reducionismo, assim como a sua convivência “fácil” pode levar-nos ao espontaneísmo. Desta forma, antes de decidir como aqui tratá-las, buscamos conhecê- las separadamente.

1.1- Práticas sociais em Economia Solidária – a experiência dos GPES

A primeira questão que colocamos é: em que termos a categoria “práticas sociais”, desdobrada também em “práticas económicas” (como mencionam os vários autores), assim como “práticas educativas”, como por vezes mencionamos, pode ser atribuída à Economia Solidária nesta investigação? Assim sendo, recorremos a um estudo que auxiliam-nos na qualificação do objeto “Economia Solidária” associado à noção de “práticas sociais”, em que tentamos perceber esta questão através da nossa experiência com o sujeito GPES, aqui compreendido como EES.

Os conhecimentos produzidos no campo da Psicologia Social, sobre o tema das práticas sociais, oferecem-nos algumas noções fundamentais. Almeida, Santos e Trindade (2000), ao focalizarem a Teoria das Representações Sociais (TRS)3, defendem que o conceito de

práticas sociais é indissociável do conceito de representações sociais. Ao elaborar o seu

3 Segundo os autores, a TRS tem fornecido subsídios para a compreensão de diferentes realidades sociais e explicitado aspetos até então desconhecidos das mesmas. Entretanto, apesar da extensa investigação realizada neste âmbito da TRS, há um longo caminho em termos de conceitos a explicitar, definições por conhecer e conexões com outros conhecimentos produzidos, tanto no interior da própria Psicologia quanto em outras áreas do conhecimento, em particular com as ciências humanas e sociais. (Ibid. p. 258)

argumento, aproximam-se da nossa abordagem em dois aspetos: i) de alguns dos pressupostos epistemológicos acerca da produção do conhecimento por nós assumidos; ii) das possibilidades e dificuldades metodológicas quando tratamos o conceito de práticas sociais.

Ao localizar estas premissas no trabalho em foco, coincidimos com o ponto de partida utilizado pelos estudiosos, de que são diversas as formas pelas quais os seres humanos produzem conhecimentos, sendo que estes “organizam-se em conjuntos de idéias articuladas, fornecendo 'modelos explicativos' acerca de uma determinada realidade.” (Ibid. p. 258). Tendo em conta que, no mundo contemporâneo, o conhecimento científico e o conhecimento do senso comum são tratados como dicotomias (tal como argumentamos no primeiro capítulo), Moscovici e Hewstone (1984, p. 541, citados por Almeida et al., 2000, p. 258) reforçam a ideia de uma

sociedade bifurcada: uma minoria de especialistas e uma maioria de amadores, consumidores do conhecimento absorvido através de uma educação sucinta ou através da midia. A oposição entre o pensamento standard e o que não o é, entre o pensamento instruído do cientifico e o pensamento 'ingênuo' do homem da rua é, definitivamente, menos de ordem lógica ou orgânica do que de ordem social

Almeida et al. sublinham, ainda, que para Moscovici (1984) o conhecimento do senso comum não se opõe ao conhecimento cientifico, sendo este uma outra ordem de conhecimento da realidade, de uma forma de saber diferenciado, quer naquilo que concerne a sua elaboração como a sua função.

Desta forma, o termo Representação Social (RS) é proposto por Moscovici (1961, citado por Almeida et al., 2000, p. 259) para “designar um conjunto de fenômenos e processos relativos ao conhecimento do senso comum, ao pensamento leigo, 'ingênuo', até então considerado como uma forma de conhecimento 'desarticulada', fragmentada', 'pré-lógica' em oposição ao conhecimento cientifico.”

Assim, Moscovici (Ibid) investiga o “senso comum”, o que implica analisar as formas culturais de expressão dos grupos, na organização e transformação dessa expressão, além da análise de sua função mediadora entre o indivíduo e a sociedade. Por esta via, Jodelet (1984, p. 360, citado por Almeida et al., 2000) atesta que o estudo da representação social tem como proposta básica compreender o processo de construção social da realidade e que as representações sociais são conhecimentos socialmente elaborados e compartilhados que têm como objetivo

compreender e explicar os fatos e idéias que povoam nosso universo de vida ou que nele surgem, atuar sobre e com as pessoas, situar-nos com relação a elas, responder às perguntas que nos coloca o mundo, saber o que significam as descobertas científicas e o devenir histórico para a conduta de nossa vida. […] Em outros termos, trata-se de um conhecimento prático da realidade."

Estas considerações iniciais, em sintonia com o estudo que desenvolvemos, conduzem- nos, a seguir, à razão pela qual referimos este estudo ao tentarmos compreender a categoria “práticas sociais” para aqui utilizá-la. Segundo Almeida e al (Ibid. p. 260), reconhecendo que as práticas sociais não são um fenómeno de interesse exclusivo dos/as investigadores/as da TRS, um dos pontos centrais dessa teoria, confirmado pela literatura em inúmeras ocasiões, é a relação entre representações e práticas sociais.

Outro aspeto a enfatizar diz respeito à advertência de Jodelet e Moscovici (1990, p. 287, citados por Almeida et al., 2000, p. 260), de que há poucos estudos orientados para as práticas sociais em Psicologia Social, apesar de sua importância teórica. Mesmo contribuindo com uma definição de “prática social”, ambos concordam quanto a este conceito que

considera-se, geralmente, que as representações sociais são associadas a comportamentos atomizados, sem laços sociais, frequentemente sob a forma de legitimação, dando sentido aos atos que lhe são anteriores ou independentes. Negligencia-se o fato que as práticas são sistemas de ação socialmente estruturados e instituídos em relação com as regras. (Ibid.)

A análise de estudos fundamentados na TRS, focalizando as práticas sociais, aponta para a existência de pelo menos três questões problemáticas: (i) a (in)definição do conceito; ii) a natureza das relações entre representações e práticas e iii) as dificuldades metodológicas para a sua apreensão. Realçamos, aqui, que nos detemos na questão da (in)definição do conceito.

Estas prerrogativas são complementadas com os estudos de Sá (1994, citado por Almeida & al., 2000), que ressalta a ambiguidade do conceito e seu uso indiscriminado entre os pesquisadores que adotam a TRS, assim como de Trindade (1998b, citada por Almeida & al., 2000) que, ao realizar um levantamento acerca da utilização dos conceitos de “práticas sociais”, "práticas socioculturais" e "práticas quotidianas”, verifica que apenas quatro estudiosos definem a sua conceção de “práticas sociais”.

Neste último trabalho, a autora não atribui aos investigadores uma negligência quanto à indefinição sobre um conceito crucial na TRS, mas que tal acontece como se existisse um

“consenso implícito”, onde todos (ou quase) sabem que todos têm a mesma compreensão sobre as configurações das práticas sociais, sendo, portanto, um exercício de redundância a tentativa de defini-Ias. É a naturalização das práticas sociais. (Trindade, 1998b, p. 3, citada por Almeida et al., ibid., p. 261)

Esta observação sobre o consenso implícito parece estender-se ao nosso caso, quando não encontramos na literatura sobre Economia Solidária (pelo menos na vasta literatura citada e consultada até o momento) a preocupação dos seus estudiosos em definir o conceito de práticas sociais, relacionando a sua utilização ao campo da Economia Solidária. Tal revela uma carência, quando por vezes se discute se a Economia Solidária é ou não movimento social; se é apenas prática social, entre outras indagações que envolvem a aplicação destas categorias.

Tendo em atenção tais questões e de forma cautelosa, ensaiamos as aproximações que