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Ewerton de Almeida Oliveira

Durante uma partida de futebol da Copa Sul Americana em 2018, entre dois clubes brasileiros, em um lance de ataque o meio-campista recebe o passe na ponta direita, corta em velocidade para esquerda, driblando o marcador, e percebendo o atacante em boa posição de infiltração, força um passe em velocidade, o que deixa o camisa nove em frente ao gol, o centro avante finaliza, bola nas redes, é gol. No entanto, o bandeirinha marca, acertadamente, um impedimento, anulando o lance de gol, gerando revolta para muitos torcedores. Um pai, que estava entre muitos, na companhia dos seus filhos – uma criança de aproximadamente sete anos e outro adolescente – tem no seu entendimento que o árbitro está prejudicando o seu clube, reagindo de maneira ríspida e em alto tom, proferindo xingamentos, em que põe em dúvida a competência profissional do árbitro, mas acima de tudo, a sua orientação sexual, associando-o a figura feminina e/ou a comunidade gay.

Esta cena é algo que acontece corriqueiramente e de forma naturalizada em todos os estádios do futebol brasileiros. Essas atitudes perpassam por gerações e são construídas através de narrativas e vivências que não são questionadas e por vezes reconhecidas pelo meio popular, como uma expressão de orgulho que compõem uma “caixa” de comportamentos convencionais à figura masculina. Portanto, tais crianças que acompanhavam o jogo, logo cedo aprendem que tais condutas são de meninos e devem ser replicados e ratificados em determinadas situações para serem aceitos no mundo masculino para serem considerados homens.

O desrespeito à figura feminina; a não demonstração de afetos, principalmente a outros homens; a responsabilidade em ser sempre dominante nos seus relacionamentos; a obrigatoriedade de a todo o momento ter respostas para os problemas e não demonstrar medo, insegurança ou qualquer vulnerabilidade emocional; estar constantemente pronto para o sexo. São, entre tantos outros, um conjunto de mitos estereotipados, criados na sociedade patriarcal, e que são refletidos em comportamentos masculinos, no qual é prejudicial às pessoas em sua volta e também ao próprio homem. A esta série de ações, afirmamos que são valores e atitudes da masculinidade tóxica, tema que vem sido debatido com mais frequência nos últimos anos. Vale ressaltar que no Brasil, é fruto da reflexão acerca do debate feminista, a qual homens estão repensando suas ações e refletindo sobre sua prática diária, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária, através do debate de gênero.

Quando pensamos no homem negro, o buraco é bem mais embaixo. Desde pequenos, são aproximados a uma lógica hiper-vigilante como proteção, pois o seu rosto é a face que está estampada nos jornais como inimigo do povo. Ao crescer, desde cedo, lhes são destinados os empregos com menor remuneração, status social e que mais exigem uma força braçal, por acreditar que os homens negros são os mais fortes. A branquitude durante toda a sua história criou a imagem desse homem negro animalizado, bandido, violento,

hipersexualizado, que não sente dores, que não é o padrão de beleza aceito na sociedade, mas sim, uma ameaça para todos.

Com todas essas questões refletidas na sua construção, é percebido que o modelo discutido sobre a masculinidade tóxica tem limites para abordar o sofrimento para essa população. Não foi pensada e estabelecida para os homens negros, ela é contraproducente para o seu cotidiano, mas por conta dos valores da branquitude, foi incorporado, como algo positivo, mesmo não havendo regalias efetivas com essas liberdades. Pelo contrário, tais comportamentos somados a realidade de responsabilidades exaustiva, com repertório reduzido de acesso aos diferentes direitos sociais, a não construção dos afetos e autocuidado, pensando nas contas do fim do mês, são acometidos a níveis estressores muito maiores comparando ao homem branco, devido a todo o desarranjo mental ocasionado pelo racismo e o patriarcado, alterando/construindo sua individualidade durante todo seu processo formativo de vida, impactando diretamente em sua saúde.

No Brasil, entendo que a nossa construção enquanto povo se deu nos moldes de um Estado de Exceção não declarado oficialmente, onde temos marcas reais dos traços de colonialidade que modelam os nossos discursos e corpos. Aqui, crescemos na falácia de uma democracia racial, que na verdade é onde os soberanos, em guerra, atuam no extermínio de corpos negros pelo simples direito de matar, por não ter a resolução de outros problemas históricos que estão intimamente relacionados ao acesso de oportunidades com qualidade.

Segundo estudo denominado Desigualdades Sociais por Cor e Raça no Brasil (2019) publicado pelo IBGE a população negra tem 2,7 mais chances de ser vítima de assassinatos que a população branca e entre os jovens de 15 a 29 anos, o números aumentam consideravelmente. Também apontam que jovens negros são as principais vítimas da ação letal das polícias e é o perfil predominante da população prisional do Brasil.

Com todas essas situações, não é difícil perceber que comumente, em toda periferia sempre há alguns homens negros acometidos de problemas mentais, com uso abusivo do álcool e/ou outras drogas nas ruas, tais situações não são meramente acasos. São projetos de sociedades baseadas na produção de verdades e da relação dessas, com as práticas de poder, a fim de controlar corpos, seja para a manutenção da soberania de um povo e/ou o extermínio delas como aponta LIMA (2018. Apud Mbenbe 2017).

Em contrapartida, começam a brotar iniciativas para reduzir os danos com o objetivo de repensar esses comportamentos oriundos da masculinidade, sejam através de rodas de compartilhamentos, produções textuais acerca da temática no campo da saúde, produções cinematográficas nacionais. Contudo, tais ações, em sua maioria, não apontam o quesito raça como um condicionante fundamental para o processo de cuidado, logo não atinge grande parcela da população brasileira.

Sendo assim, como uma breve introdução a este debate, é importante demarcar que falar sobre a masculinidade tóxica, sem considerar a raça como fator preponderante e não reconhecer a necropolítica (LIMA, 2018) como ponto de partida do estado brasileiro é simplesmente um olhar sobre a branquitude e, portanto, há limites históricos acerca dessa proposição de mudança, pois não consideram as subjetividades acometidas pelo racismo na vida do negro, em especificamente o que saliento neste texto, do homem negro.

REFERÊNCIAS

LIMA, Fátima. Bio-necropolítica: diálogos entre Michel Foucault e Achille Mbembe. Arquivos Brasileiros de Psicologia; Rio de Janeiro, 2018.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. ATLAS da violência 2019. Brasília, DF; São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. 115 p. Disponível

em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/19 0605_atlas_da _violencia_2019.pdf. Acesso em: Out. 2019.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Coordenação de

População e Indicadores Sociais. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. Rio de Janeiro. 2019. v.4.12p. Disponível

AS CATEGORIZAÇÕES DA GINÁSTICA EM ACADEMIA E