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Aline Machado

A questão da Modernidade tem sido amplamente discutida na História do Esporte. É consenso, entre diversos pesquisadores, que o período moderno significou transformação nas mais variadas esferas sociais dando nova roupagem ao cenário Ocidental. As mudanças nos sistemas econômicos e políticos se estenderam às práticas culturais, objetivando a formação de pessoas que representassem em seus corpos e comportamentos o que se desejava e entendia como moderno.

Neste sentido, Melo (2013) nos mostra que, de uma forma tensa e confusa, a adesão ao ideário e imaginário modernos, apresentaram modelos de comportamentos para os homens, tanto no que se refere à exposição corporal quanto no tocante às atitudes deles esperadas. Sendo estes modelos forjados nos projetos de civilização pensados por um segmento específico da sociedade.

Em Salvador, assim como em outros locais do Brasil, ainda que alguma parcela da população em geral possa ter sido seduzida pelos ideais modernos, os personagens que encabeçaram a construção do projeto modernizador eram da camada “letrada, científica e lógica” da capital baiana, tendo a figura do médico como central.

Souza e Barreto (2011) explicam como à abertura das primeiras escolas médicos-cirúrgicas na Bahia e no Rio de Janeiro deflagrou um processo irreversível de institucionalização das ciências no Brasil, protagonizando em diversos momentos, projetos (alguns vitoriosos, outros rejeitados) que influenciaram a sociedade de um modo geral, uma vez que o desenvolvimento do saber médico estava voltado às demandas sociais da época, e visava não só solidificar posições no cenário acadêmico, como também garantir a prática do conhecimento em circulação na academia.

Esse lugar de destaque que a ciência médica ganhou no período em questão se deve em grande parte a realidade em que vivia a capital baiana. condições insalubres, o saneamento básico precário ou inexistente, os surtos frequentes de doenças infectocontagiosas, males que o higienismo buscava combater através de melhorias concretas na estrutura física das cidades e na mudança de hábitos das pessoas, fez com que houvesse a ascensão dos saberes médicos.

Dentre as estratégias elaboradas para atingir a modernidade, os médicos baianos objetivavam ações que não se restringiam ao controle das variáveis físicas, biológicas, mas que tocassem as práticas cotidianas dos soteropolitanos. Assim, os higienistas indicavam quais medidas deveriam ser tomadas pela população e governo. Contando com o apoio de articulistas, apontavam como elemento basilar para formar o homem moderno, o cuidado

com o corpo, onde a prática de atividades físicas possuía fundamental importância. Dentre elas, a ginástica aparecia como a prática dileta.

Neste contexto, analisamos 28 teses da Faculdade de Medicina da Bahia, defendidas entre os anos de 1850 e 1920, com o objetivo de compreender como se dava o discurso em torno da ginástica como uma prática moderna.

O médico Francisco Tavares da Cunha Melo, na tese intitulada – Algumas Considerações Phycho-physiologicas acerca do Homem -, afirma a este respeito que “felizmente no estado actual dos conhecimentos humanos a mutua influencia do moral sobre o physico é reconhecida por todos os sábios” (1851, p.12). O médico segue defendendo a importância de uma educação física e de uma educação moral. Este dado reforça a ideia de que havia esta vigilância entre o corpo e a moral de alcance amplo pela ciência médica.

No ano de 1898 o médico Francisco Candido da Silva Lobo defende a importância fulcral de uma educação voltada para o corpo, sob o ponto de vista da higiene, afirmando que “existem tão intimas relações entre a organisação physica, moral e intelectual, que o desprezo da educação physica não poderá deixar de reflectir-se nas outras” (p.02), e ratifica que “a falta de educação physica é a causa mais importante da decadencia organica da geração moderna” (p.03), apontando que a educação physica deve ser obrigatória nas escolas da capital baiana.

Aqui é importante lembrarmos que a educação physica tanto mencionada por estes médicos, era um conjunto de atividades que deveriam compor o cotidiano das pessoas e que tinha, na escrita do médico acima mencionado, a ginástica como base, “auxiliada por diversos exercicios como passeio, a carreira, o salto, a natação, os exercícios militares, etc.” (LOBO, 1898, p.03).

O discurso médico apontava para a importância da prática de ginástica, principalmente no espaço escolar. O médico Francisco Lobo assevera como deveria ser um modelo de aula: “para a educação physica dar-se-há ao alumno pelo menos 30 minutos diariamente para os exercicios gymnasticos e proteger a saude do menino, devendo ser proporcional ao seu sexo e idade” (p.27).

As justificativas dadas à importância da inserção da ginástica nas escolas giravam em torno da higiene, modernidade e retidão moral, necessárias a capital baiana. Para isso, recorriam a exemplos de civilizações milenares, como os Persas: “Sabe-se dos persas esmerarem-se em dar a mocidade uma educação que a fizesse vigorosa e guerreira: assentava principalmente em jogos gymnasticos e exercicios militares” (MARQUES, 1886, p.02). Colocando, assim, os exercícios gímnicos dentro do conjunto de estratégias educacionais possíveis para formar esse homem forte e vigoroso, adjetivos sinônimos de tão dita retidão moral e física.

Ao explorarmos a semântica dos termos citados nas falas dos médicos oitocentistas baianos, vamos enxergar que caminham sempre no sentido da

civilidade que se buscava, em consonância com os países cultos. Marques (1986) assevera que a educação physica observada pelas nações da antiguidade como o elemento indispensável, talvez único de dotar a família de homens robustos e sadios, e a pátria de cidadãos presentes, achou na actualidade echo no coração de todos os povos cultos, menos no Brazil.

Dessa forma, percebemos que, de um modo geral, o discurso médico em Salvador defendeu a prática da ginástica como um elemento capaz de fornecer aos seus praticantes as características que eram compreendidas como Moderndas. A articulação e harmonia entre as chamadas faculdade “moraes, physicas e intellectuaes” humanas era para onde se deveria voltar o foco de atenção. Apontam, também, que existe uma grande influência da moral sobre o físico, podendo um desarranjo de caráter levar há uma degradação física, bem como prejudicar o desenvolvimento intelectual das pessoas. Por isso, a ginástica era defendida como de grande importância no cotidiano dos soteropolitanos, principalmente nos espaços escolares.

REFERÊNCIAS

LOBO, Francisco Candido da Silva. Apontamentos Para o Estudo da Hygiene Escholar. FAMEB, Salvador, 1898.

MARQUES, Umbelino Heraclio Muniz. Hygiene Pedagogica. FAMEB, Salvador, 1886.

MELO, Francisco Tavares da Cunha. Algumas Considerações Phycho- physiologicas acerca do Homem. FAMEB, Salvador, 1851.

MELO, Victor Andrade de. Uma diversão adequada? As touradas no Rio de Janeiro do século XIX (1870-1884). História São Paulo, v. 32, p. 163-188, 2013.

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