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Estudos gerativistas têm investigado o que há em comum entre a representação de uma gramática de L1 e uma de L2. Ao contrário do que acontece com a aquisição da língua materna por uma criança, o processo de aquisição de uma segunda língua por um adulto parece acontecer de maneira mais custosa e pouco natural, visto que, os aprendizes de uma L2 nem sempre são bem-sucedidos na sua tarefa de aquisição e, por isso, muitas vezes sua gramática diverge da de um falante nativo (cf. SAMPAIO, 2011, dentre outros).

Para White (2003a apud VIEGAS, 2014) a aquisição de uma L2 é semelhante à aquisição de L1 porque necessita de acesso a um sistema que represente o input da L2 e, ainda, os aprendizes de L2 constroem representações mentais que vão além do input a que são expostos, já que na gramática existem propriedades abstratas, complexas e sutis não determinadas pelo input. Tal processo levaria o aprendiz a construir a gramática da interlíngua, que, segundo Selinker (1972 apud XAVIER, 2006), é sistemática, regida por regras e, não necessariamente, determinada pela L1 ou L2:

Essa gramática pode possuir traços da L1 e da L2 ou de nenhuma delas. Mesmo não apresentando traços de L1 e/ou L2, essa gramática se conforma com as restrições universais sobre a língua, ou seja, é uma gramática prevista pela GU. (XAVIER, 2006, p.101)

Além disso, aprendizes de L2 em estágio avançado atingiriam um nível de competência linguística que permitiria a comparação ao nível de um nativo (BIRDSONG, 1992 apud XAVIER, 2006). Todavia, a aprendizagem de uma L2 pode envolver processos totalmente diferentes da aquisição de uma L1, visto que a GU já não está mais acessível ao aprendiz de uma segunda língua, apenas o conhecimento já adquirido da L1. (cf. CLAHSEN: MUYSKEN, 1986)

De acordo com Xavier (2006) existem diferentes propostas acerca do acesso à GU no contexto de aquisição de L2, visto que, neste momento, já existe na mente do aprendiz adulto a sua gramática da L1. Neste sentido, segundo Viegas (2014) algumas teorias defendem que o estado inicial de uma L2 é a gramática da L1, outras defendem que a aquisição de uma L2 acontece como a aquisição de L1. (cf. SCHWARTZ E SPROUSE, 1994, 1996; VAINIKKA E YOUNG-SCHOLTEN, 1994, 1996, EPSTEIN et. al., 1996, dentre outros).

White (2003) apresenta as principais teorias segundo as quais o aprendiz acessa aos parâmetros fixados na gramática da sua L1 durante o processo de aquisição de uma L2, isto é, o estado inicial desta L2 será a própria L1. A saber, hipótese da Transferência e Acesso Total (Full Acess/ Full Transfer), hipótese de Árvores Mínimas (Minimal Trees) e a hipótese dos Traços não Valorados (Valueless Features). A autora, ainda, apresenta a hipótese do Acesso Total (sem transferência) (Full Acess (Without a Transfer)) segundo a qual o aprendiz de L2 tem acesso total a GU, sem nenhuma interferência de qualquer propriedade da gramática da L1 no estado inicial da interlíngua.

2.1.2 Hipótese da Transferência e Acesso total (Full Transfer and Full Acess)

Segundo Schwartz e Sprouse (1994, 1996 apud XAVIER, 2006), o estado final da gramática da L1, com suas projeções funcionais e propriedades abstratas, compreende o estado inicial da interlíngua na aquisição de uma L2 e o desenvolvimento da segunda língua é decorrente por parte do input e parte do estado inicial e da GU. A partir da primeira exposição aos dados do input da língua, o aprendiz de L2 transfere os valores dos parâmetros presentes na gramática da sua L1 generalizando-os para a L2, ocorrendo o acesso total. Contudo, quando a gramática da L1 não satisfaz as propriedades do input da L2, este força a reestruturação da gramática do estado inicial de maneira que o aprendiz tenha, neste momento, acesso às opções da GU não instanciadas na L1, incluindo novos parâmetros, categorias funcionais, valores e traços. Assim, de acordo com os autores, a transferência total acontece porque todas as propriedades da gramática da L1 são transferidas para a gramática da L2 e, ainda, o acesso total acontece porque a gramática da interlíngua que difere da L1 será construída pela GU. Veja na Figura 5 abaixo modelo de Transferência Total e Acesso Total retirado de White (2003).

L2 PLD13

Figura 5: Modelo Full Transfer and Full Access (White, 2003, p.61)

13 PLD = Primary Linguistic Data (Dados Linguísticos Primários). Os Dados Linguísticos Primários

correspondem aos dados do input da língua, isto é, segundo Chomsky (1965 apud Simioni, 2007) a partir do contato entre PLD e o estado inicial da Faculdade da Linguagem, emerge a gramática da língua. Observe o esquema abaixo retirado de Simioni (2007, p. 24)

Primary Linguistic Data (PLD)  B  Generative Grammar

GU

De acordo com o modelo de White (2003) representado na figura 5 no final da página 39, o estado inicial de uma L2 é a gramática da L1 com suas propriedades abstratas. Ao entrar em contato com o input da L2, o aprendiz transfere as estruturas de sua L1 para construir a sua gramática da interlíngua (IL), mas, na medida em que não encontra na L1 estruturas equivalentes à L2, este aprendiz acessa à GU e vai reestruturando sucessivamente a sua gramática da interlíngua (IL G1 a IL G n), fixando novos parâmetros até resultar no estado final

da sua interlíngua (IL Ss). Neste sentido, White (2003a apud VIEGAS, 2014) aponta como

evidência de que o estado inicial da L2 é a L1, o fato de haver propriedades da L1 na gramática da interlíngua e, ainda, o fato de aprendizes de uma mesma L2 com L1 diferentes apresentarem comportamentos distintos. Contudo, caso apresentem comportamentos semelhantes relacionados a algum fenômeno em particular na L2, isto se justifica através da restruturação que a gramática da interlíngua faz ao interagir com a GU, em resposta às propriedades do input da L2 e isso possibilitará que as propriedades relevantes das duas gramáticas desses aprendizes de L2 com L1 diferentes possam convergir.

2.1.3 Hipótese de Árvores Mínimas (Minimal Trees)

Embora a hipótese de Árvores Mínimas de Vainikka e Young Scholten (1994, 1996) defenda - assim como a hipótese de Transferência e Acesso Total - que o estado inicial da L2 seja a gramática da L1, estas duas hipóteses divergem, pois para aquela, somente parte da gramática da L1 integra o estado inicial da L2. De acordo com White (2003a apud VIEGAS, 2014) os autores postulam que as gramáticas nos estágios iniciais são diferentes das gramáticas nos estágios finais, porque não apresentam algumas propriedades cujo surgimento só se dará ao longo do desenvolvimento. De acordo com esta hipótese de Vainikka e Young (1994, 1996 apud WHITE, 2003) as categorias funcionais da L1 não podem ser transferidas para o estado inicial da L2, visto que a gramática inicial da interlíngua não tem aspectos funcionais, somente categorias lexicais. No entanto, o conjunto completo das categorias funcionais ficaria disponível para que os aprendizes de L2 as adicionem gradativamente à gramática da interlíngua, a partir de propriedades da L2 obtidas através do input.

Neste sentido, segundo Viegas (2014), para a hipótese de Árvores Mínimas o estado inicial dos aprendizes de L2 estará de acordo com as categorias lexicais da L1, isto é, aprendizes com L1 diferentes terão estados iniciais diferentes. Assim, a aquisição de uma L2 e uma L1 é análoga em relação às categorias funcionais e suas projeções.

2.1.4 Hipótese dos Traços Valorados (Valueless Features)

Segundo Eubank (1994, 1996 apud WHITE, 2003) a hipótese dos Traços Valorados difere da hipótese de Árvores Mínimas uma vez que as categorias funcionais e lexicais da L1 são possíveis no estado inicial da interlíngua, mas os valores dos traços não estão especificados como fortes ou fracos e, com isso, mantêm-se indefinidos no estado inicial. Assim, são as questões da interface da L1 que refletem na L2. (Viegas, 2014)

Desta maneira, para esta hipótese o estado inicial é a gramática da L1, porém Eubank (1994, 1996 apud VIEGAS, 2003) defende que o estado inicial da interlíngua será amplamente, não totalmente, determinado pela gramática da L1.

2.1.5 Hipótese do Acesso Total (sem Transferência) (Full Acess (without tranfer))

Tal qual a hipótese da Transferência e Acesso Total, para a hipótese de Epstein, Flynn e Martohardjono (1996 apud WHITE, 2003) ocorre o acesso à GU no processo de aquisição de L2, estando a interlíngua relacionada à GU em todos os estágios. No entanto, surgem divergências na determinação da natureza do estado inicial. Para as hipóteses mencionadas nas três seções anteriores, o estado inicial da L2 é uma gramática particular, contudo, a hipótese do Acesso Total (sem transferência) rejeita esta possibilidade, uma vez que a aquisição de L2 acessa a GU semelhante à aquisição de uma L1. Portanto, de acordo com Epstein et al. (1996 apud WHITE, 2003) ao serem expostos ao input da L2, são geradas sucessivas gramáticas de interlíngua levando ao estado final desta L2 através de um processo totalmente restrito pela GU. Observe o modelo de Acesso Total (sem transferência) de White (2003) na Figura 6abaixo:

L2 PLD

Figura 6: Modelo Full Acess (without Transfer) (White, 2003, p.90)

Deste modo, para Epstein et al. (1996 apud VIEGAS, 2014), a GU guia a gramática da interlíngua em todos os estágios, visto que a L1 não constitui o estado inicial, por isso a gramática da interlíngua de diferentes aprendizes será a mesma.

GU

2.2 Teoria do Bilinguismo Universal

Roeper (1999 apud XAVIER, 2006, 2008) propõe a teoria do Bilinguismo Universal, segundo a qual somos todos potencialmente bilíngues, isto é, podemos ter duas gramáticas: uma com os parâmetros selecionados no valor (+) = G1 e outra no valor (-) = G2. O falante é considerado como bilíngue stricto sensu quando usa a G1 e a G2 como gramáticas nucleares distintas.

De acordo com o autor, a GU define um conjunto de representações default que todos os falantes possuem e que ele denomina de Minimal Default Grammar (MDG). Assim, as estruturas da MDG refletem princípios de economia, no sentido de que elas projetam menos do que as gramáticas particulares. Para Xavier (2008) a proposta de Roeper (1999) pode ser interpretada tanto como uma hipótese de acesso indireto como total à GU através da periferia marcada.

Diferentemente do bilíngue “stricto sensu”, Roeper (1999), apresenta um bilinguismo em nível desigual em que G1 = gramática nuclear e G2 = periferia marcada. A periferia marcada pode conter conjuntos lexicais marcados (por exemplo, itens que se comportam de forma diferente dos demais, no que se refere ao valor do parâmetro selecionado na gramática nuclear), ou mesmo uma mini-gramática selecionada por gênero, diferente da gramática nuclear. (XAVIER, 2008 p. 122)

Neste sentido, a autora sugere que o acesso à GU pode ocorrer de duas formas: acesso indireto através da L1 ou acesso direto através da gramática default. O acesso indireto à GU ocorrerá sempre que o valor do parâmetro for o mesmo para L1 e L2 e, nessa situação, a L1 constituirá o estado inicial para a L2 (S0 = L1). Já o acesso direto irá ocorrer toda vez que o

valor paramétrico da L1 for distinto daquele da L2. Nesse caso, o estado inicial será constituído pelo valor default do parâmetro em questão (S0 = valor default do parâmetro).

Este capítulo abordou as principais teorias de acesso à GU que norteiam as pesquisas sobre aquisição/aprendizagem de L2 e em que medida pode ocorrer a transferência de aspectos da L1 para a L2. Assim, as hipóteses mencionadas ao longo deste capítulo são relevantes para este trabalho que pretende verificar, através da metodologia experimental – descrita no próximo capítulo - como se dá a transferência do PSN parcial do PB, como L1, para o espanhol, como L2.

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