• Nenhum resultado encontrado

CAP II – Estudo de Caso: as dimensões estruturadoras do “projecto”

4. A interpretação da análise dos dados da observação segundo uma perspectiva sincrónica: os movimentos pedagógicos e os tipos de significados

4.2. AR “Eu posso ir lendo, mas acho que se ouvir percebo melhor”

A figura do “Aluno Receptor”(AR) a qual, juntamente com a figura do PE forma aquilo que poderíamos designar pelo “par clássico” da relação educativa, razão pela qual as agrupamos segundo a designação de Interacção Formal, expressa ainda esse maior grau de formalidade, quer por intermédio de uma predominância do modo pedagógico de “Estruturação” (STR)(34,5% das situações, o mais representado embora sem a relevância expressa no caso do PE), quer pela maior relevância do tipo de significado substantivo (SS), neste caso acompanhado de perto pelo tipo de significado instrucional (SI)(respectivamente, 35% e 34,5% das situações).

52

- retendo aqui apenas o curso de Interpretação e de Realização Técnica/Plástica, dada a pequena representatividade da distribuição dos processos cognitivos no curso de Realização Técnica e em sessões com todas as turmas (o que se deve ao restrito número de sessões assistidas neste curso e tipologia de turma).

É, no entanto, novamente a combinação destas duas entradas de análise que melhor ilustra as especificidades da figura do AR. Assim, e atendendo ao Quadro 10, podemos adiantar as seguintes conclusões:

Tipo de Modo Significado Pedagógico SS SLS SI SLI Totais STR 21 22,3% 22,1% 17 18,0% 36,9% 41 43,7% 43,6% 15 16,0% 40,5% 94 100% 34,5% SOL 12 29,3% 12,6% 8 19,5% 17,4% 13 31,7% 13,8% 8 19,5% 21,6% 41 100% 15,1% RES 40 55,5% 42,1% 10 21,7% 13,8% 18 19,1% 25% 4 10,8% 5,5% 72 26,5% 100% REA 22 33,8% 23,2% 11 16,9% 24,0% 22 33,8% 23,4% 10 15,4% 27,0% 65 100% 23,9% Totais 95 35,0% 100% 46 16,9% 100% 94 34,5% 100% 37 13,6% 100% 272 100% 100%

Quadro 11: Representatividade das variáveis “Modo Pedagógico” e “Tipo de Significado” nos registos do “Aluno-Receptor”.

- em termos relativos, a maior representatividade do cruzamento entre MP e TS, evidencia uma relevância dos significados instrucionais no modo pedagógico de estruturação, no entanto, é no modo pedagógico de resposta que têm maior relevo os significados substantivos.

A referência categorial do AR parece distinguir os modos pedagógicos sugeridos pelo PE nesta relação, valorizando, quer por intermédio dos significados substantivos, quer por intermédio dos significados instrucionais, uma relação assente na determinação dos conteúdos como das regras por parte do professor. É o modelo de uma relação assente na (aparente) compreensão e, sobretudo, que não questiona a autoridade do professor; executa em função das determinações deste.

Procuremos, de novo, distinguir estas especificidades em função da tipologia das aulas (das componentes sociocultural, científica, artística e de projecto), bem como dos cursos (Interpretação, Realização Técnica e Realização Plástica). Se considerarmos as sessões onde a relevância da figura do AR é mais significativa (sessões nas quais a percentagem de referências AR é superior à média das mesmas sobre o total das referências) e, dentro destas, aquelas onde são mais significativas as combinações STR/SI e RES/SS, podemos melhor caracterizar esta referência categorial. Assim:

- a combinação STR/SI é mais relevante na sessão 4 (sessão de “Auto- Curso” do trabalho de “Projecto”), nas sessões 27 e 37 (sessões da componente sociocultural, disciplina de Português) e sessão 36 (sessão

da componente sociocultural, disciplina de Inglês). A sessão 4 é uma sessão do curso de “Interpretação” e as sessões 27, 36 e 37 são sessões do curso de “Realização Técnica/Plástica”.

Caracterizando com maior detalhe as diferentes sessões, verificamos que a sessão 4 é uma sessão dos denominados auto-cursos (trabalho autónomo dos alunos, regra geral muito associado aos trabalhos de projecto, quer para as actividades de “Projecto”, quer para outras disciplinas), embora esta sessão seja acompanhada pelo docente de Interpretação e configure ensaios para a próxima actividade de projecto. Evidencia regras do próprio trabalho, mas associadas à sua habitual estrutura: “Repete-

se o exercício – andam em percursos pessoais e dispersos – o prof liga a música e isto parece libertar as pessoas um pouco. (...) Voltam a escolher um parceiro. Uma aluna chega entretanto, aguarda num canto penso que a sua integração. (...) Há um problema de decorar o texto, o que tem interferência sobre a interpretação” (Sessão 4, em

03.11.09.).

No que se refere às sessões 27 e 37, ambas da disciplina de Português, elas evidenciam dimensões instrucionais da organização do trabalho, importantes para garantir a aprendizagem e, nomeadamente, para superar as dificuldades que os alunos possam ter na mesma. Assim se explica o recurso aos trabalhos para casa como forma de articular e dar sequência às diferentes sessões, mas também a dificuldade de assegurar a resposta àqueles com alunos que parecem ter uma mancha temporal de trabalho na escola já muito elevada: “A abordagem dos heterónimos remete para uma

participação dos alunos não trabalhada na aula anterior, a evidenciar claramente trabalho de casa. (...) O primeiro poema tinha já sido lido em silêncio na aula anterior” (Sessão 27, em 04.11.09.); “Há uma primeira fase de leitura individual, embora de uma maneira geral os alunos se tenham já organizado para trabalhar em conjunto. (...) Embora se percebam algumas trocas de opinião, algum trabalho entre os alunos, a turma- como lhe é característica – mantém um nível de som muito sereno (...). (...) É indesmentível a ocupação do tempo destes alunos, percebendo-se a dificuldade de darem resposta atempada a trabalhos para casa”(Sessão 37, em

04.11.23.).

No que se refere à sessão 36, ela reporta-se a uma sessão de trabalho em grupo na disciplina de Inglês e evidencia alguns contrastes com a turma do curso de Interpretação, sob o ponto de vista do seu posicionamento face às solicitações dos professores: “Foi muito mais rápido nesta turma a criação de um clima de trabalho,

não propriamente trabalho de grupo mas, em todo o caso, trabalho de pesquisa. (...)Estão agora dois outros alunos a fazer pesquisa na net, (...) os restantes mantêm o trabalho regular de pesquisa documental. (...) Arrumam-se os livros, os alunos procuram recordar os lugares de onde tiraram os livros para os voltar a arrumar”(Sessão 36, em 04.11.22.).

A combinação STR/SI tinha já sido evidenciada na referência categorial do PE e, à sua semelhança, também aqui encontramos um maior peso desta combinação sobre sessões da componente sociocultural do curso de Realização Técnica/Plástica;

- a combinação RES/SS destaca-se fundamentalmente na sessão 4 (sessão de “Auto-Curso” do trabalho de “Projecto”) e, de um modo menos saliente, nas sessões 1 (componente sociocultural, disciplina de Integração), 13 (actividade de “Projecto”), sessão 28 (componente sociocultural, disciplina de Português), sessão 33 (componente sociocultural, disciplina de Português) e sessão 40 (componente sociocultural, disciplina de Integração). As sessões 4, 13 e 28 são sessões com o curso de Interpretação, as sessões 1, 33 e 40 são sessões com o curso de Realização Técnica/Plástica.

Não parece haver aqui um claro predomínio, quer sob o ponto de vista da tipologia dos cursos, quer da tipologia das sessões. Aquilo que parece ser mais comum a este conjunto de sessões é o instrumento “texto”, estruturante das sessões da componente sociocultural (é a compreensão do texto que estrutura a aprendizagem), mas transitório nas sessões da componente de “Projecto” (se aqui a compreensão é igualmente necessária, ela não é uma finalidade em si, ela faz parte de um processo de compreensão mais complexo e que se prende com a posterior interpretação, no sentido cénico, desse mesmo texto). É a distância entre, por um lado, o “texto-conteúdo” -“O

texto e a sua análise é participada por parte dos alunos (...). Os restantes alunos vão acompanhando a leitura do texto na sua cópia” (Sessão 1, em 03.11.13.); “Os alunos tiram muitos apontamentos, normalmente nas próprias folhas do poema” (Sessão 28,

em 04.11.09.); “Em termos da posterior interpretação semântica dos poemas, (...) de

uma maneira geral todos os alunos participam”(sessão 33, em 04.11.16.); “Participam mais alunos nesta aula, (...) alguns mais velhos que parecem ter um grau de informação relevante. (...) reina a boa disposição, a curiosidade, o interesse e motivação no tema”(Sessão 40, em 04.11.25.) e, por outro, o “texto-personagem”: “Os alunos (...) preparam-se para interpretar a partir de um guião que possuem. A aluna começa a ler,

parece nervosa”(Sessão 4, em 03.11.19.); “Começam agora cenas mais «parciais» - “Menina que sabe ler”, interpretada por um aluno e por uma aluna. A aluna não passa ainda sem o texto, revelando alguma insegurança (porque, na verdade só se socorre dele pontualmente)”(Sessão 13, em 04.02.09.). No primeiro caso, o texto é o pretexto,

no segundo caso, é a hermenêutica do texto que se (re)constrói num processo de apropriação que exalta o texto enquanto significação para o interpretante.

Seria importante constatar ainda as sessões para as quais a figura do AR é menos representativa, exercício que revela uma predominância de sessões do curso de Interpretação (7 em 10, nas componentes de projecto, sociocultural, científica e artística), em detrimento de sessões do curso de Realização Técnica/Plástica (1 em 10, da componente sociocultural), do curso de Realização Técnica (1 em 10, da componente artística) e uma sessão da actividade de “Projecto” em que estão presentes todos os alunos.

Para reforçar aquilo que já avançáramos relativamente ao PE e à sua “descaracterização” face a um típico professor na contexto transmissão-aquisição, é a sua diferente distribuição pelas sessões que contrasta com a distribuição do AR, isto é, a preponderância daquele pressuporia uma relevância deste com igual sinal. Ora, aquilo que observamos é que, não só não são coincidentes as preponderâncias da figura do PE e do AR por sessões como, em termos absolutos, enquanto a figura do AR apresenta uma distribuição tendencialmente homogénea pelas diferentes sessões, a figura do PE apresenta uma distribuição mais extremada, com sessões nas quais ela é praticamente inexistente e com sessões nas quais ela é muito predominante.

Retomando a relevância que anteriormente atribuímos ao texto na figura do AR, é o contraste entre as diferentes participações do texto na formação que, articulado com os processos cognitivos accionados no âmbito desta referência categorial, poderá ser ainda realçado. Recordando a identificação dos processos cognitivos com o tipo de significado lógico-substantivo, é desde logo de realçar a fraca representatividade desta categoria na figura do AR (16,9% do total das referências). Analisando globalmente os processos cognitivos presentes nesta referência categorial, continua a verificar-se uma preponderância do processo de interpretação embora, face ao PE haja uma inversão da relevância entre o processo de articulação e o de associação/sugestão, este último a sobrepor-se àquele na figura do AR. Em todo o caso, o processo cognitivo que mais destaque apresenta na figura do AR, por relação com as demais referências categoriais,

é o processo de justificação, o que parece coadunar-se com as características da referência categorial (verificaremos aliás, que este mesmo processo é igualmente relevante na figura do AE, embora no caso deste ele seja suplantado pelos processos cognitivos de argumentação e de opinião).

Passando à análise das duas variáveis que aqui nos interessam destacar, verificamos que, no que se refere à variação processos cognitivos vs. tipologia das sessões, é nas componentes científica e artística que o valor médio de processos cognitivos por sessão é mais representativo (1,43 vezes e 1,36 vezes, respectivamente). Embora sejam os valores da representatividade dos processos cognitivos por universo de tipologia de sessão que nos remetem, dominantemente para as sessões da componente artística (32,6%, valor que é inclusivamente superior ao universo por tipologia de sessão de todas as referências categoriais, de 28,5%), importa reter aqui os valores para a componente científica, quer pela sua expressividade no cômputo geral das referências categoriais, quer pela amplitude da sua variação nesta referência categorial face ao universo da tipologia da sessão (respectivamente, 21,7% no AR e 8,1% no universo). Retenhamos ainda, a concluir, a maior relevância dos cursos de Realização Técnica e/ou Técnica/Plástica na componente científica (com recurso aos processos cognitivos mais clássicos) e do curso de Interpretação na componente artística.

No que se refere à variação dos processos cognitivos vs. curso, agudiza-se face à figura do PE a representatividade do curso de Interpretação, com um valor (69,6%) só suplantado pela figura do AE. Em todo o caso e, se considerarmos os valores médios de processos cognitivos por sessão, a figura do AR é aquela que apresenta genericamente valores mais baixos, isto é, pareceria que a figura do aluno tradicional na relação de aprendizagem assente na transmissão/aquisição não suscitaria, de um modo relevante, o accionamento de processos cognitivos. É aliás, e reiterando a ênfase anteriormente atribuída ao instrumento “texto” na figura do AR que parece interessante distinguir o texto-conteúdo (mais presente nas sessões das componentes socioculturais, as quais apresentam o menor valor para processos cognitivos accionados) do texto-personagem, presente nas componentes artísticas e de projecto (relativamente bem representadas nesta referência categorial, no que diz respeito ao accionamento de processos cognitivos).

Por último, e no que se refere à maior ou menor representatividade dos processos cognitivos do modelo de Bellack por tipologia de sessão, aquilo que

verificamos é a sua quase exclusiva representatividade nas disciplinas científicas (90%), mas também uma significativa expressão na componente disciplinar artística (66,6%), a qual já anteriormente verificamos que é mais significativamente representada pelo curso de Interpretação, mas também pelo processo cognitivo de interpretação, que representa aqui cerca de 50% dos processos cognitivos accionados. Por outro lado, a representatividade dos processos cognitivos do modelo de Bellack em função dos cursos volta a evidenciar uma prevalência dos mesmos no curso de Realização Técnica/Plástica (77,7%) face ao curso de Interpretação (59,3%), embora ambos os valores aumentem face à figura do PE.