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Dimensões privilegiadas da análise: da caracterização da população estudantil às percepções dos jovens em torno dos seus percursos de

CAP II – Estudo de Caso: as dimensões estruturadoras do “projecto”

II-II – O PROJECTO DO SUJEITO

1. Dimensões privilegiadas da análise: da caracterização da população estudantil às percepções dos jovens em torno dos seus percursos de

formação

Os dados recolhidos no âmbito desta dimensão projectual são já, como se percebe pelo conteúdo emanante do sub-capítulo anterior, decorrentes da percepção de uma necessidade de complementarizar os dados recolhidos por intermédio da observação de sessões de formação com dados outros, os quais melhor permitissem compreender a singularidade daqueles e que, por força da forma, não acentuassem o exercício da observação, mas recorressem a outros modos de recolha de informação que permitissem ilidir a dimensão intermediária/interpretativa que o observador exerce sobre a sua própria percepção da realidade. Tornava-se necessário, e o decurso da pesquisa assim o determinou, recorrer a outras fontes de informação que forçassem o investigador a contrastar os dados recolhidos por intermédio da observação com dados recorrentes de uma “informação silenciosa” ou ainda, de uma informação, embora veiculada pelo investigador, decorrente de um discurso directo do público-alvo da pesquisa.

Estabeleceram-se, neste âmbito, três abordagens distintas e determinantes da procura de complementaridade à informação recolhida por intermédio da observação das sessões de observação, assim descritas:

- uma primeira, comprometida com um conhecimento mais aprofundado da população alvo da actividade da escola – os jovens alunos – em torno de um conjunto de variáveis que procuram traçar uma caracterização desta população, conhecê-la nas suas especificidades, bem como nas suas características comuns, a qual permita traduzir “quem é” esta população, enquanto candidata a um lugar nesta escola. Não se trata, tão somente, de conhecer a população que frequenta esta escola, trata-se de perceber os traços que a distingue (se é que eles existem, face a outros contextos formativos) e porque é que esses traços se afiguram distintivos63;

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- Convém relembrar, sob este ponto de vista, que estamos face a situações distintas quando, para se aceder ao curso de Interpretação se é objecto de um conjunto de provas de acesso e quando, para se aceder aos cursos de Realização Plástica ou Técnica, tal procedimento é inexistente.

- uma segunda, decorrente da administração de um inquérito por questionário efectuado no âmbito de um projecto de investigação64, o qual procura perceber, numa primeira fase, o posicionamento destes jovens face a um conjunto de questões em torno da sua vivência durante a frequência do ensino secundário (posicionamento em função das grandes variáveis que os “distinguem” no interior da escola, a saber, o ano de estudo e o curso que frequentam) e, numa segunda fase, a (possível) contrastação destes dados com os resultados recolhidos junto de jovens que optaram por outras vias de estudo, designadamente na via regular de ensino65. A admissão de uma consistência interna dos dados é aqui possível, quer pela sua confrontação (dados decorrentes dos alunos da escola em análise), quer pela sua contrastação (comparação com os dados dos alunos de outras escolas, que efectuaram percursos distintos). A segunda dimensão só se afigura, contudo, possível se a primeira for reveladora, já que os critérios que prevalecem a uma e outra são distintos (designadamente no que se refere à delimitação da população-alvo); - uma terceira, decorrente da realização de entrevistas individuais a jovens a frequentarem os cursos da escola. Se, inicialmente se procurava contrastar a percepção de jovens em início e conclusão do processo de formação (no primeiro caso, após a conclusão da primeira actividade de projecto, isto é, após cerca de 4 meses de formação, no segundo caso, antes da realização da PAP – Prova de Aptidão Pedagógica – isto é, no final do seu percurso de formação), tal não se afigurou possível, ao menos em termos comparativos, em virtude da dificuldade de mobilizar jovens suficientes no primeiro caso, face ao número de jovens mobilizados no segundo caso. Deixou-se cair esta dimensão comparativa (mas não necessariamente o conteúdo das entrevistas obtidas), tendo-se então privilegiado a percepção dos jovens que se encontravam próximos de um processo de transição (da escola para uma outra qualquer situação), opção que implicou,

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- Trata-se de um inquérito administrado ao abrigo do projecto de investigação designado “JOVALES – Jovens, Alunos e Ensino Secundário”, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (projecto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia) do qual é Investigador Responsável o Prof. Dr. Manuel Matos, inquérito que genericamente procura auscultar e perceber o significado atribuído pelos jovens a esta fase do seu percurso de formação.

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- O inquérito foi administrado a jovens do 11º ano de 4 escolas secundárias, num total de 377 respondentes (três escolas urbanas, embora inseridas em contextos sócio-económicos diversos e uma escola em área mais rural, que dista cerca de 30km da cidade do Porto). No caso da escola em análise e, dada a pouca significatividade da população respondente, quando restringida ao 11º ano, o inquérito foi administrado aos alunos de todos os anos (10º, 11º e 12º). Este procedimento, embora não contido nos critérios do inquérito, procurava aquilatar da concordância (ou não) de respostas, determinada pela frequência desta escola específica. Salvaguarda-se que este procedimento em nada teve a ver com as determinações formais de administração do referido inquérito no âmbito do projecto referido, mas que se tratou de uma opção do investigador, a partir das percepções que o curso da sua investigação permitia admitir como opção válida.

inclusivamente uma distinta valoração dos conteúdos estruturantes do guião da própria entrevista.

Objectivamente, quando nos aferimos ao “projecto do sujeito”, procuramos eleger aqui, por contraponto ao “projecto institucional” que adiante trataremos, as percepções dos jovens que cursam diferentes percursos formativos nesta escola, atribuindo assumidamente uma relevância estrutural a essas percepções, não pela colisão que entre elas e aquilo que aquilatemos do projecto institucional possa advir de contraditório, mas por entendermos, segundo o princípio estruturador da construção de significado em torno de um percurso formativo, o quanto a palavra dos seus destinatários é, senão determinante, ao menos concorrente para a determinação desse mesmo significado. A caracterização dos estudantes desta escola fornece-nos os “ingredientes” de partida de um percurso formativo, os quais a estrutura institucional diferentemente estabelece; a opinião anónima destes jovens permite-nos situá-los, quer por aferição à relação com a instituição escolar e aos conteúdos de formação (análise de consistência interna), quer por aferição a dimensões cultural e geracionalmente relevantes (análise de consistência externa); por último, o repertório de vivências no discurso da primeira pessoa, face a um guião suficientemente aberto para permitir a elaboração de biografias de um percurso estrito dentro do percurso mais lato da vida, sugere-nos a antevisão de um algo que estes jovens apropriam enquanto propriedade pessoal, que carregam para outros contextos que estão para além da escola que frequenta(ra)m.

Em determinado momento entendemos importante abordar igualmente os professores destes alunos segundo o registo de entrevista e, manifestamente, só os constrangimentos temporais nos impediram de o efectuar. É importante perceber-se que esta opção se deveu àquele factor – perceber a relação educativa sem auscultar a opinião dos docentes seria, como pressuposto de partida, erróneo – mas é igualmente importante perceber o quanto, por um lado, essa auscultação foi estando presente ao longo das sessões de observação acompanhadas (as temporalidades mais informais eram objecto, sobretudo de diálogo com os professores) e, por outro lado, o quanto a dimensão institucional parece sobrepor-se, na análise desta escola, ao contributo específico deste ou daquele professor, desta ou daquela professora. Trata-se de algo que, no devido momento abordaremos (em torno do “projecto institucional”), mas que, desde já avançamos exploratoriamente: numa escola com estas dimensões, a ausência de um “referencial disciplinar” enquanto estruturador da identidade docente (porque o

professor da disciplina “x” tende a ser o único professor dessa disciplina) e a simultânea centralidade dos referenciais profissionais (dos conteúdos profissionais para que a formação prepara), enquanto estruturadores de toda e qualquer disciplina permitem, não necessariamente a obnubilação do professor enquanto profissional de um saber específico, mas a sua necessária referencialização, sob o ponto de vista da pertinência do seu saber, a um saber que é colectivo, que é o saber que determina a formação dos alunos e que, igualmente, identifica a instituição. Embora procurando uma exaustiva compreensão do caso em estudo, abdicar de realizar entrevistas aos docentes não se prende com uma suposta desvalorização do seu contributo individual (a singularidade da escola é feita, aliás, destes contributos individuais), prende-se com constrangimentos objectivos, bem como com a exploração de uma filosofia de escola que reconfigura a centralidade do trabalho docente.

Este reparo era tão mais importante quanto todos os intervenientes na escola são sujeitos dentro deste projecto; não parece possível conceber-se um projecto de formação vincadamente estruturado sem se conceber, neste desiderato, o papel relevante da docência, considerem-se para tanto os docentes independentemente dos conteúdos que ministram, uns mais próximos das actividades profissionais para que a escola prepara, outros comprometidos com conteúdos mais abrangentes. Assume-se, pelo exposto, o protagonismo docente no contexto do “projecto institucional”, realçando-se, no entanto, no contexto desta pesquisa o protagonismo dos jovens que são objecto do(s) percurso(s) formativo(s) proporcionado(s) pela escola. Em síntese, o projecto do “sujeito-professor” não é aqui privilegiado.