• Nenhum resultado encontrado

IC – “Seria interessante as aulas funcionarem mais em debate, acaba por

CAP II – Estudo de Caso: as dimensões estruturadoras do “projecto”

4. A interpretação da análise dos dados da observação segundo uma perspectiva sincrónica: os movimentos pedagógicos e os tipos de significados

4.5. IC – “Seria interessante as aulas funcionarem mais em debate, acaba por

se aprender mais”

A figura de Interacção Compósita reproduz, de uma forma muito significativa, situações nas quais o protagonismo nas próprias sessões de formação é, na maioria dos casos, intencionalmente reenviado aos alunos, isto é, é pressuposta uma reacção por parte dos mesmos na qual se esbate a centralidade do professor e se privilegia a sua participação. Esta situação é particularmente observável nas dinâmicas de trabalho de grupo, mas decorre igualmente de uma postura dos alunos intencionalizada, construtiva da própria situação de formação (abarcando, igualmente situações de trabalho articulado entre professores de diferentes disciplinas, o que não se reporta estritamente ao domínio das disciplinas técnicas ou artísticas).

No que se refere aos modos pedagógicos dominantes, não será de estranhar, de acordo com estes pressupostos, uma prevalência da figura de “Reacção”, na qual o protagonismo dos alunos reestrutura o “pedido” estabelecido pelo professor (34,9% das situações), bem como, à semelhança da figura do Aluno-Receptor, um importante papel da figura de “Resposta” (31,5% das situações). Relativamente aos tipos de significados mais predominantes nesta situação, uma situação que requer um protagonismo acrescido por parte dos alunos, não será igualmente de estranhar uma prevalência das figuras processuais, quer no caso dos significados lógico-instrucionais (33,2% das situações), quer no caso dos significados lógico-substantivos (28,2% das situações).

Parecem definir-se, deste modo, as parelhas de significação mais ilustrativas desta referência categorial, mas é o cruzamento destas duas dimensões que melhor permitirá esclarecê-las: Tipo de Modo Significado Pedagógico SS SLS SI SLI Totais STR 11 18,3% 25,0% 17 28,3% 25,0% 17 28,3% 34,7% 15 25,0% 18,8% 60 100% 24,9% SOL 8 38,1% 18,2% 8 38,1% 11,7% 2 9,5% 4,1% 3 14,3% 3,7% 21 100% 8,7% RES 14 18,4% 31,8% 26 38,2% 34,2% 17 34,7% 22,4% 19 23,8% 25,0% 76 31,5% 100% REA 11 13,1% 25,0% 17 20,2% 25,0% 13 15,5% 26,5% 43 51,2% 53,7% 84 100% 34,9% Totais 44 18,3% 100% 68 28,2% 100% 49 20,3% 100% 80 33,2% 100% 241 100% 100%

Quadro 14: Representatividade das variáveis “Modo Pedagógico” e “Tipo de Significado” nos registos de “Interacção Compósita”.

- em termos relativos, a maior representatividade do cruzamento entre MP e TS situa-se dominantemente no cruzamento do modo pedagógico de REA com o tipo de significado lógico-instrucional e, com uma representatividade ainda relevante, no cruzamento do modo pedagógico de RES com o tipo de significado lógico substantivo.

Definimos anteriormente a referência categorial da IC como muito resultante de um protagonismo dos alunos, mas determinado por estratégias pedagógicas suscitadas pelos professores (onde imperam, nomeadamente, as situações de trabalho de grupo). Esta figura não surgiu, aliás na primeira categorização dos registos de observação, mas sim de um posterior desdobramento das outras duas figuras de interacção, a interacção recentrada (IR) e a interacção dispersiva (ID). É interessante contrastá-la com a figura que a precede – a IR – para perceber a inversão de importância dos modos pedagógicos (o modo de SOL, o mais relevante em IR é agora o menos relevante, o modo de REA, o menos relevante em IR é agora o mais relevante), bem como dos tipos de significado (mais relevantes em IR os significados substantivos e instrucionais, mais relevantes em IC os significados lógico-substantivos e lógico-instrucionais).

Uma primeira leitura das combinações mais relevantes sugeriria, no que se refere à combinação REA/SLI, a análise de trabalho dos alunos entre si, onde se evidenciam dimensões de diálogo, negociação e avaliação decorrentes da transferência de protagonismo que lhes é conferido (esta combinação apenas se evidenciou, até agora, na figura do PE). Por outro lado, a combinação RES/SLS sugeriria a etapa de apresentação dos referidos trabalhos (ao docente como aos colegas), que resulta da resposta a um pedido, resposta sustentada, justificada e argumentada.

Deste modo, e analisando as sessões onde a relevância da figura da IC é mais significativa (sessões nas quais a percentagem de referências IC é superior à média das mesmas sobre o total de referências) e ainda, dentro destas, aquelas onde são mais significativas as combinações REA/SLI e RES/SLS, caracterizaremos com maior pormenor esta referência categorial. Assim:

- a combinação REA/SLI é mais relevante na sessão 24 (sessão da componente científica, disciplina de Dramaturgia), na sessão 26 (sessão da componente sociocultural, disciplina de Inglês) e na sessão 49 (sessão da actividade de “Projecto”). A sessão 24 decorre no curso de Interpretação, a sessão 26 decorre no curso de Realização Técnica/Plástica e a sessão 49 decorre no curso de Realização Técnica.

Como anteriormente dissemos, a figura de IC ilustra muito situações de trabalho nas quais se evidenciam as complementaridades dos alunos entre si. Tal remete para modalidades de trabalho intencionalizadas e independentes do contexto de formação no qual decorrem, daí se explicando a diversidade, quer de cursos, quer de tipologia de sessões.

Não sendo exclusivas, as sessões mais relevantes para esta combinação (REA/SLI) evidenciam duas situações distintas: uma primeira, mais comprometida com o contexto formativo, na qual o trabalho se organiza em grupo (sessões 24 e 26) e uma segunda (sessão 49), mais comprometida com o contexto profissional, na qual o trabalho se organiza em equipa de um modo autónomo (trata-se da última situação de “Projecto” destes alunos e a autonomia não decorre de uma intencionalidade dos alunos, mas de uma regra da realização do próprio trabalho; é, no fundo, o momento da formação em que, na actividade de “Projecto”, os alunos têm de mostrar estar preparados para a sua profissão futura, e essa dimensão é avaliada nesses termos).

Na primeira destas situações registamos as seguintes passagens: “Como em

qualquer situação de trabalho de grupo, há burburinho no ar porque, ou as pessoas estão a ler em voz alta – há uma cópia do texto para cada grupo - ou porque estão a discutir entre si o «pedido». (...) Estamos ainda numa fase inicial da leitura, na qual um dos elementos do grupo assegura a leitura, enquanto outro(s) vai(ão) anotando aspectos relevantes. (...)Aliás, e após uma leitura inicial por um elemento dentro de cada grupo, o que parece acontecer é os alunos dividirem o texto entre si, cada um ler uma parte e ir tomando apontamentos sobre essa parte para depois debater com os colegas. (...) Permanece a mesma organização, isto é, dois grupos que «individualizam» o trabalho e três grupos que discutem em comum a integralidade do texto. Este dado é particularmente «audível», já que é dos referidos três grupos que se percebe uma maior discussão em torno do texto distribuído. (...) Ao longo da leitura deste segundo elemento, há já alguma interacção com o elemento que leu primeiro o seu texto, parecendo procurar-se alguma interacção entre os contributos individuais”(Sessão 24, em 04.11.05.). Neste caso e se, numa fase inicial a interacção

decorre da própria negociação dos alunos entre si sobre o modo como se vão organizar, numa fase intermédia passa-se por um trabalho individualizado de leitura, e numa fase seguinte assiste-se a opções diversas conforme cada grupo; uns que tendem a prolongar o trabalho individual, tendendo igualmente a produzir um trabalho comum que é mais o somatório dos contributos individuais, e outros que passam de patamar, isto é,

literalmente assumem a discussão de pontos de vista, a argumentação antes da produção de um trabalho colectivo.

Ainda na primeira das situações, registamos as seguintes passagens: “Colocam-

se dúvidas, uma vez que os grupos farão trabalhos diferentes, como conciliar numa representação final comum?. (...) São questões da orgânica do trabalho da turma, a qual se subdivide aqui nas especificidades «técnica» e «plástica». (...) Trata-se, de facto de um esforço dos alunos entre si para se organizarem, trabalharem em conjunto, articularem-se. (...) Este momento de articulação dos alunos entre si parece importante, já que o trabalho tenderá a revestir percursos individuais que, num segundo momento convergem para um resultado colectivo (assim parece, pelas combinações que os alunos estão a efectuar)”(Sessão 26, em 04.11.08.). A tipologia de trabalho de grupo

tem aqui uma natureza diferente, já que apela às próprias especificidades da formação dos alunos e logo, o primeiro “organizador” dos grupos é o curso dos alunos: técnicos para um lado, plásticos para outro. Num segundo momento, os alunos viriam a estabelecer entre si um acordo segundo o qual repartiriam o trabalho em fases, efectuando pesquisa individual numa primeira fase e articulando os diferentes contributos numa segunda fase para um fim comum.

Na segunda das situações, registamos as seguintes passagens: “É um trabalho

mais relaxado, o prof está presente para acompanhar o trabalho dos alunos, mas estes parecem algo autonomizados. (...) A discussão é participada também por um aluno mais comprometido com as questões do som. O trabalho avança muito em função da discussão dos alunos entre si. É interessante como o prof assiste a esta discussão sem muitas interferências, pensando igualmente em soluções alternativas mas não impondo o seu ponto de vista aos alunos. (...) Os alunos alternam funções para quebrar o sentido de rotina do trabalho e não é perceptível qualquer atitude individualista no seu trabalho. Há uma grande complementaridade entre os alunos. (...) Um outro aluno, um dos que mais investiu nos desenhos/esquemas de instalação de luz, acaba por ir ficando cá em baixo com funções de coordenação de instalação das luzes”(Sessão 49, em

05.01.24.). O que esta situação revela é a natureza muito interdependente do trabalho das diferentes profissões das artes do espectáculo. Mesmo no caso vertente, em que nos reportamos exclusivamente ao curso de Realização Técnica, há as especificações da luminotecnia e da sonoplastia que se devem articular e estes alunos parecem evidenciar um bom entrosamento entre si por forma a concorrer para um fim comum;

- a combinação RES/SLS é mais relevante na sessão 12 (sessão da componente de trabalho de “Projecto”) e, em menor medida na sessão 14 (sessão da componente de trabalho de “Projecto”), as sessões 8 e 11 (sessões da componente de trabalho de “Projecto”), a sessão 26 (sessão da componente sociocultural, disciplina de Inglês) e a sessão 32 (sessão da componente científica, disciplina de Dramaturgia). As sessões 8, 11, 12, 14 e 32 são sessões do curso de Interpretação, a sessão 26 é uma sessão do curso de Realização Técnica/Plástica.

Pela análise, constata-se uma importante predominância desta combinação na actividade de “projecto” , o que se explica pela dimensão compósita inerente aos próprios exercícios. Porém, na actividade de projecto com o curso de Interpretação, as respostas dos alunos são, regra geral, em termos de execução. Assim se explica que as passagens dos registos evidenciem a directividade do professor, a dimensão compósita igualmente participada por este (e inerente aos exercícios executados): “ O prof diz que

imagina o António Nobre a escrever esta poesia, a circular de um lado para o outro num espaço exíguo enquanto produz este texto, e transforma esta ideia numa opção cénica, obrigando a aluna a figurar esta circulação num espaço exíguo determinado como processo de a fazer melhor interiorizar o sentimento (irónico) do texto. (...) É-lhes sugerido que, entretanto o coro entoe mudamente a música enquanto os alunos dizem o poema, o que obriga a uma cadenciação diferente e articulada entre uma coisa e a outra. (...) Nesta cena, a aluna lê o texto deitada no chão de barriga para baixo. O prof senta-se no chão para falar com ela. Sendo esta cena um poema que é quase um jogo de palavras, o prof sugere que a aluna construa uma jogo a partir das palavras-chave que compõem o poema”(Sessão 12, em 04.02.06.).

Outras passagens são, por outro lado, mais ilustrativas da intervenção dos próprios alunos: “A importância de descortinar sentidos no texto reenvia para a

interpretação dos cursos técnicos (Realização Plástica e Realização Técnica)” (Sessão

8, em 04.02.02.) – a dimensão compósita da construção da encenação; “A vara funciona

assim como um simulacro de comunicação, ou seja, quanto mais harmonioso for o jogo, maior é a «minha» aprendizagem sobre o outro («jogo de comunicação entre duas pessoas mediado por uma vara») (Sessão 11, em 04.02.05.) – a dimensão

compósita da interacção no jogo da comunicação; “Os alunos escolheram os «destrava-

línguas» que entenderam. Fazem-se experiências, tais como dizerem os seus destrava- línguas todos ao mesmo tempo (é o efeito de ruído desorganizado, exercício de difícil

concentração, mas organizado para quem o diz)”(Sessão 14, em 04.02.10.) – a

dimensão compósita da ordem no caos; Nos esclarecimentos, os alunos fazem valer os

seus conhecimentos das áreas específicas e sua compatibilização com a proposta de trabalho da prof”(Sessão 26, em 04.11.08.) – a dimensão compósita das especialidades

para um trabalho multidiscilinar; “O trabalho de grupo parece um desafio para os

alunos, quer pela dimensão de argumentação de um texto, quer pela sua posterior apresentação aos colegas, que leram diferentes partes da obra, mas segundo uma mesma perspectiva”(Sessão 32, em 04.11.12.) – a dimensão compósita do trabalho

inter-grupo e intra-grupo.

Ao procurar identificar as sessões nas quais a figura da IC é menos representada, verificamos não haver um destaque significativo dos cursos (5 sessões em 10 para o curso de Interpretação e igual valor para o curso de Realização Técnica/Plástica), mas haver uma diferença na tipologia de sessões dominantes para cada curso. Verifica-se, com efeito que, para o curso de Interpretação a tipologia de sessões onde é menos representada a figura da IC corresponde à componente artística enquanto que, para o curso de Realização Técnica/Plástica, esta distinção recai sobre sessões da componente sociocultural.

Os significados lógico-substantivos (e, implicitamente, os processos cognitivos accionados) assumem, na figura da IC um valor importante, articulados sobretudo com o modo pedagógico de RES. Estabelecendo-se uma hierarquização entre os processos cognitivos não muito distante daquela que se verifica para as outras referências categoriais, é de realçar no caso da IC a prevalência do processo cognitivo de articulação sobre os demais – no sentido da resposta à dimensão compósita dos trabalhos efectuados pelos alunos no âmbito das diferentes disciplinas – bem como uma referência, ainda que ténue, aos processos de justificação, argumentação e opinião (referência importante por ser a primeira referência categorial onde os três estão presentes e por preceder a referência categorial onde os três são mais representados).

Ao analisarmos a variação entre processos cognitivos e tipologia de sessão, verificamos destacarem-se as situações de “projecto”(1,87 vezes em valo médio por sessão) e, em menor medida as situações da componente artística (1,27 vezes) e sociocultural (1,17 vezes). A incidência do processo cognitivo de articulação distribui- se, ainda assim, pelas diferentes tipologias de sessão, embora apresente um valor mais elevado para as situações de “projecto”.

Ao analisarmos a variação entre processos cognitivos e tipo de cursos, verificamos novamente (como já referimos no caso da IR) uma prevalência de situações de formação nas quais todos os alunos estão presentes sobre as demais (1,75) vezes, embora se lhe sucedam com relativa proximidade as sessões do curso de Realização Técnica (1,60 vezes) e de Interpretação (1,50 vezes). Procuramos explicar já o porquê desta prevalência das sessões em que todos os alunos estão presentes (1 sessão na componente artística e 3 na componente de “projecto”), o mesmo se verificando para o curso de Realização Técnica (3 sessões na componente artística e 2 sessões na componente de projecto). É esta “exclusividade” destas duas tipologias de curso sobre apenas duas tipologias de sessão que, aqui e ali, enviesa a análise dos dados mas, em todo o caso, não deixa de evidenciar, sob o ponto de vista da análise das referências categoriais, a sua maior representatividade sob o ponto de vista da tipologia das sessões (naquilo que se refere à mobilização de processos cognitivos, claro está).

O que vimos dizendo parece confirmado nesta figura da IC, ao coincidirem os valores mais elevados das componentes de “projecto” e artística com as sessões onde todos os alunos estão presentes e as sessões do curso de Realização Técnica. Porém (e é neste sentido que falamos de enviesamento na análise dos dados), é claramente no curso de Interpretação que se destaca o processo cognitivo mais representado na figura de IC, a representar 45% dos processos cognitivos accionados nas sessões deste curso e, sobretudo, 73% das referências a este processo cognitivo nos diferentes tipos de curso.

Por último, e no que se refere à maior ou menor representatividade dos processos cognitivos do modelo de Bellack por tipologia de sessão, aquilo que verificamos é ainda a sua maior representatividade nas disciplinas da componente sociocultural (47,6%), embora sem uma distância significativa para as outras componentes (segue-se a componente de “projecto” com 42,8%, evidenciando o segundo tipo de enviesamento possível nesta análise, face à redundância que decorre da designação comum de um processo cognitivo e um tipo de curso – Interpretação. Esta redundância parece tanto mais evidente quanto este processo cognitivo é globalmente o mais representado - 31,8% das referências - bem como é globalmente o mais representado na tipologia de sessão de “projecto”- com 41,3% das referências – e no curso de Interpretação – com 75,9% das referências). Por outro lado, a representatividade dos processos cognitivos do modelo de Bellack em função dos cursos

retoma a dominante da prevalência do curso de Realização Técnica/Plástica face ao curso de Interpretação (54,5% e 40,5%, respectivamente).