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CAPÍTULO 3 – A ARGUMENTAÇÃO NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE

3.4 Argumentação e Discurso

Trabalhos como os de McNeill et al. (2011) sinalizam que a ciência inclui mais do que apenas conceitos e fatos, mas formas científicas de pensamento. O estudo foi realizado em uma escola nos Estados Unidos em uma turma do 5º ano. Buscou-se investigar diferentes contextos em que as crianças usavam a escrita argumentativa e como as crianças envolviam- se em práticas de argumentação ao longo do ano letivo. Os resultados indicam que os alunos tinham recursos para usar os conhecimentos espontâneos e científicos para argumentar. Porém, não ficava claro como usar esses recursos na sala de aula de ciências, indicando que eles eram capazes de argumentar, mas precisavam de suporte do professor. As pesquisadoras argumentam que, para aprender ciências os alunos precisavam ser capazes de navegar entre diferentes discursos ou formas de conhecer, fazer, falar, ler e escrever.

Apoiando-se em diversos estudos, McNeill et al. (2011) consideram que

Argumentation is a central scientific practice in the discourse of science in that scientists socially construct knowledge through evaluating scientific claims, weighing evidence, and assessing alternative explanations (DRIVER, NEWTON e OSBORNE, 2000). […] “One important strategy is to consider students” everyday ways of knowing as a resource to support them in engaging in scientific practices (McNEILL et al., 2011, p. 794, grifo do autor).

Dessa forma, os autores enfatizam que a linguagem tem diferentes significados e usos de acordo com o contexto. O estudo mostrou que alguns alunos se concentraram na ideia de que o argumento ocorre quando há perspectivas diferentes, ou seja, se engajaram em discussões em que havia controvérsias.

McNeill et al. (2011) refletem que

The instructional practices in Mr. Cardone’s classroom align with the recommendations of Nasir et al. (2006) around learning as a cultural process. They argue that in order to support students in recruiting their everyday practices to create meaningful opportunities for academic learning that three different design principles need to be considered: (i) making the structure of the domain visible; (ii) actively engaging students in academic discourses in ways that create meaningful roles and relationships for learners; and (iii) engaging in metalevel analysis that help youth see the relationships between everyday knowledge and discourse compared to academic knowledge and discourse (McNEILL, 2011, p. 817-818).

Esse ponto de vista da argumentação está de acordo com as perspectivas de argumentação científica como uma prática dialógica (JIMENEZ-ALEIXANDRE e ERDURAN, 2007) e pode ser um recurso valioso nas aulas de ciências.

A relação entre o conhecimento espontâneo e o conhecimento científico é foco de muitas pesquisas, o que gera reflexões sobre como o conhecimento tem sido trabalhado e construído na sala de aula, como os estudos de Moje et al. (2001), os quais discutem a existência e interdependência de diferentes espaços discursivos na sala de aula. Os autores defendem a importância das interações em sala de aula que desenvolvem consciência de diferentes discursos dos alunos e conectam discursos cotidianos a discursos da sala de aula de ciências e da comunidade científica, a fim de desenvolver espaços para a alfabetização e para a aprendizagem das ciências.

Moje et al. (2001) exploram as demandas discursivas baseadas em projetos de investigação baseados na investigação com alunos do 7º ano, a partir de temas relacionados à força e movimento, tempo, química, ecologia e meio ambiente, sustentados por duas questões mais gerais sobre o conceito de qualidade do ar na comunidade e a qualidade da água em rios. Utilizam como fonte de dados a observação participante, registrando, em notas de campo, filmagem das aulas, entrevistas formais e informações com o professor e alunos e seleção de artefatos como trabalhos escritos de alunos. O foco de análise recaiu sobre a alfabetização e práticas de linguagem e interação social entre os participantes do grupo.

Segundo os autores, a perspectiva curricular relacionada ao projeto, inclui questões que abordam conteúdos vinculados ao mundo real, colaboração entre os participantes e uso de ferramentas tecnológicas. Eles justificam que o trabalho com projetos possibilita envolver os alunos na aprendizagem das ciências, mas que seus estudos têm implicações para outras propostas pedagógicas.

Moje et al. (2001) argumentam que, na sala de aula, vários discursos se cruzam, os quais representam formas distintas de conhecer, fazer, falar, ler e escrever. Os autores discutem três espaços que consideram importantes nas aulas: o espaço referente à área disciplinar, o discurso instrucional e os discursos sociais, relacionados ao cotidiano.

Ao tecer considerações sobre os discursos disciplinares, compostos por múltiplas vozes, Moje et al. (2001) salientam que os alunos têm dificuldades de se engajar em ler, escrever e falar sobre a ciência, porque geralmente essas práticas são desconhecidas por eles. A aprendizagem escolar exige que os estudantes mobilizem suas observações, análises e sínteses em suas práticas de linguagem, como falar, escrever e ler, pois a alfabetização científica tem implicações sociais.

Nos discursos instrucionais, Moje et al. (2001) argumentam que geralmente os discursos aprendidos no cotidiano não estão em sintonia com os discursos valorizados nas salas de aula, como algumas práticas interacionais relacionadas, por exemplo, ao que se espera de uma estrutura de participação em sala de aula. Os autores também afirmam que as diferenças na prática cultural podem ocasionar diferentes discursos entre os membros da sala de aula. Ou seja, os discursos científicos representam um desafio para os estudantes.

Ao discutir sobre os discursos sociais, Moje et al. (2001) citam os trabalhos de Heath (1983), que investigou práticas de alfabetização em três comunidades na Carolina do Norte. Esses estudos apontaram que as comunidades apresentaram diferentes práticas, o que trouxe também diferentes implicações ao contexto escolar, reiterando o conceito de aprendizagem escolar permeado de múltiplas vozes.

Os autores afirmam que os discursos são constituídos pela articulação entre a construção de novos conhecimentos e pelas experiências geradas na comunidade, integrando o discurso científico ao discurso do meio social. Importante seria derrubar essas barreiras entre os discursos existentes em vários contextos que permeiam a sala de aula.

Os estudos de Moje et al. (2011) sinalizam que é fundamental construir em sala de aula novos espaços, não para ensinar na perspectiva do discurso certo ou errado, mas para construir um espaço múltiplo de discursos, em que os estudantes tenham a oportunidade de sentir-se valorizados em seus saberes.

Outros estudos apontam para a importância de compreender o discurso. Por exemplo, Candela (1990) analisa uma aula de 5º ano do ensino fundamental quando o professor solicitou, na aula anterior, que um grupo de alunos preparasse em casa experiências a partir da lição do livro de ciências sobre os seres vivos. Ela discute sobre a construção discursiva de contextos argumentativos no ensino de ciências e enfatiza a necessidade de compreender o discurso das crianças, já que muitos trabalhos enfocam a perspectiva do professor. Entretanto, não desconsidera o discurso do professor como referência para

compreender o discurso infantil, pois “ao invés de analisar quais as ações dos professores que

facilitam a aprendizagem dos alunos, analiso quais as condições de interação que são criadas coletivamente e como são aproveitadas para a construção de significados” (CANDELA, 1990, p. 144). Essas análises são possíveis se o pesquisador não se detiver à sequência de turnos de fala, mas se os significados forem compreendidos no conjunto das ações discursivas (p. 166), o que mantém relação com os pressupostos da nossa pesquisa.

Ao analisar as interações, Candela (1990) argumenta que, quando o professor não retoma as dúvidas das crianças, impede-as de se posicionar, dificultando a negociação de

significados. A autora conclui que, no contexto discursivo, as crianças constroem diferentes pontos de vista que são confrontados, negociados e reconstruídos no processo interativo, o que gera novos significados.