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CAPÍTULO 4 – O PAPEL DA LINGUAGEM NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

5.4 A construção da Sequência Didática

Para a realização da nossa pesquisa, desenvolvemos uma sequência didática em uma turma do 3º ano. Ela foi elaborada pela pesquisadora juntamente com um grupo de trabalho, constituído por professores do ensino superior, estudantes e licenciandos em Ciências Biológicas, em parceria com a professora da turma, como sinalizamos anteriormente. Optamos por trabalhar com o tema micro-organismos por ser um tema que constava no planejamento da turma, por despertar interesse das crianças, e por ser pouco explorado nos anos iniciais. Elaborar e desenvolver atividades e estratégias para trabalhar um tema científico tão complexo com crianças pequenas foi, realmente, um desafio. A atividade investigativa vai muito além de apenas manipular ou observar uma demonstração, requer que sejam criadas oportunidades das crianças negociarem novos significados diante do tema desenvolvido.

Muitas questões permeiam o tema entre as crianças, como por exemplo: i) o que é um ser vivo; ii) é possível existir seres vivos muito pequenos, iii) a categorização, denominação e descrição desses seres como vírus, bactérias, fungos, ácaros etc., iv) o papel desses seres vivos na nossa vida, por exemplo, na decomposição de alimentos, em doenças e na produção de alimentos. Em suma, são temas que, muitas vezes, fazem parte do universo das crianças, mas cuja compreensão exige um trabalho mais sistematizado em sala de aula.

Escolher o que e como trabalhar os conceitos, até que ponto levar as discussões e quais informações seriam necessárias eram questões que envolviam uma concepção sobre o ensino de ciências para crianças. O planejamento do ensino tornou-se um aspecto fundamental, pois ele deveria estar em consonância com as nossas questões teóricas, ou seja, elaborar a sequência didática foi uma etapa importante, pois as atividades desenvolvidas na turma deveriam dialogar com os referenciais teóricos relacionados ao ensino de ciências por investigação, já discutidos anteriormente, o que orientou nossas escolhas.

De acordo com Aguiar (2005), uma sequência didática ou de ensino é “um

conjunto organizado e coerente de atividades, abrangendo certo número de aulas, com

conteúdos relacionados entre si” (p. 15). Ela deve orientar a ação docente e os processos de

aprendizagem que o professor se propõe a desenvolver. A sequência didática deve se basear na reflexão continuada sobre os pressupostos teóricos e práticos que nele estão envolvidos e

permitir que cada estudante participe plenamente das ações propostas, a partir de uma estruturação clara e objetiva das atividades (AGUIAR, 2005).

Para a realização da nossa investigação, elaboramos uma sequência didática que oportunizasse à criança expressar suas ideias, discutir seus pontos de vista a partir de um

ensino de ciências baseado na investigação, pois “não há expectativa de que os alunos vão

pensar ou se comportar como cientistas, pois eles não têm idade, nem conhecimentos

específicos, nem desenvoltura no uso das ferramentas científicas para tal realização”

(CARVALHO, 2013, p. 9). Nossa intenção foi criar um ambiente investigativo para que as crianças pudessem ter oportunidades de argumentar diante do conhecimento trabalhado, tendo acesso e construindo em sala de aula novas práticas científicas.

Concordamos com Aguiar (2005), quando diz que não “existe uma boa sequência

didática em abstrato. Essa é sempre relativa a um conjunto de estudantes que com ela interage, a partir de seus conhecimentos prévios, dos estilos de aprendizagem, das expectativas e níveis de exigência quanto ao que consideram como uma explicação adequada

a um dado fenômeno” (p. 146).

Aguiar (2005) propõe a organização de uma sequência didática35 de acordo com quatro etapas: i) problematização inicial; ii) desenvolvimento da narrativa do ensino; iii) aplicação dos novos conhecimentos; iv) reflexão sobre o que foi apreendido.

Na primeira fase da sequência didática, nosso objetivo foi engajar os estudantes no estudo do tema, explorar os conhecimentos prévios e os interesses das crianças. É fundamental considerar nas aulas de ciências a participação das crianças diante de uma questão investigativa, propor situações desafiadoras e oportunizar que as crianças busquem soluções e criem novas possibilidades de estudo.

Posteriormente, desenvolvemos atividades que pudessem disponibilizar as ideias e conceitos da ciência no plano social da sala de aula.

Na fase da aplicação de novos conhecimentos, propusemos atividades que pudessem favorecer aos estudantes oportunidades de discutir novas ideias e conceitos. em pequenos grupos e coletivamente. A proposta de ensino deve propiciar aos alunos construir conteúdos conceituais, favorecendo a participação no processo de aprendizagem e tendo

oportunidade de aprender a argumentar. Como Carvalho (2004) aponta: “dando oportunidade

de aprenderem a argumentar e a exercitar a razão, em vez de fornecer-lhes respostas

35

Para construir a Sequência Didática nos apoiamos entre outros materiais, no documento Projeto de Desenvolvimento Profissional de Educadores (PDP/2005) do Governo do Estado de Minas Gerais, mais especificamente na parte sobre o planejamento do ensino (AGUIAR, 2005).

definitivas ou impor-lhes seus próprios pontos de vista transmitindo uma visão fechada das

ciências” (CARVALHO, 2004).

Na última etapa da sequência didática, foi importante oportunizar reflexões sobre o conteúdo, de modo a sistematizar e generalizar os conceitos apreendidos.

Aguiar (2005) reforça que essas etapas não são desenvolvidas necessariamente nessa ordem e podem apresentar superposições e alternâncias. Apesar dos limites que impõem o próprio ato de planejar o ensino, acreditamos que essa ação oportunizou novas situações de aprendizagem e favoreceu pensar nas possibilidades de mediação do professor em sala de aula. Assim, foi possível organizar antecipadamente algumas atividades e situações que pudessem ir além do que estava proposto no livro didático, geralmente baseado em explicações e pouca discussão, já que “o ensino e seu planejamento são concebidos para

potencializar a ação dos estudantes enquanto sujeitos da aprendizagem” (p. 5).

Como sinaliza Carvalho (2013, p. 9), é importante que uma sequência de ensino investigativa, isto é, um conjunto de atividades que estão relacionadas a um aspecto do programa escolar em que são pensados os materiais, leve em consideração as interações didáticas, com o objetivo de proporcionar a participação dos estudantes.

Em relação à elaboração da sequência didática, destaca-se o trabalho colaborativo entre estudantes e licenciandos em Ciências Biológicas, professores em formação, uma professora experiente da Educação Básica e uma professora universitária. Esta diversidade de formações e experiências tanto no nível acadêmico quanto na sala de aula, potencializou ainda mais a elaboração do planejamento como um momento de pensar e refletir sobre o ensino de ciências para crianças.

Nesse sentido, privilegiamos no planejamento da sequência alguns aspectos, tais como: a) flexibilidade; b) trabalho em grupo; c) atividades que promovam a investigação; d) discussão das estratégias e resultados obtidos nas investigações; e) comunicação dos resultados; f) avaliação.

A flexibilidade foi uma das dimensões que enfatizamos, pois consideramos a multiplicidade de fatores envolvidos no ato de planejar: o professor, as crianças, o contexto da sala de aula, o tema a ser desenvolvido, o tempo disponível para o trabalho na sala de aula, a demanda da escola na qual ele será desenvolvido, os materiais disponíveis, dentre outros.

Muitas atividades ao longo da sequência de aulas desenvolvida foram alteradas devido à demanda do grupo de estudantes ou à necessidade de reorganizar o tempo para realização das atividades.

Outra dimensão privilegiada foi a estratégia de propor atividades que pudessem ser realizadas em grupo, nos apoiando na noção de que a interação é um fator primordial para a aprendizagem. Cachapuz (2005) reforça a importância da participação dos alunos no próprio processo de aprendizagem, criando nas aulas de ciências um clima de desafio intelectual, o que geralmente não se vê na sala de aula. Carvalho (2013) também compartilha essa visão, reforçando que no viés das teorias socioculturais o trabalho em grupo deixa de ser uma atividade optativa no planejamento e passa a ser uma necessidade, pois favorece a troca de ideias.

Além disso, procuramos desenvolver atividades em que a dimensão da investigação estivesse presente, propor situações nas quais as crianças pudessem discutir, experimentar, colocar em ação suas ideias e avaliar os resultados obtidos, comparando-os e discutindo-os.

Para a elaboração da sequência didática foi importante propor atividades que pudessem favorecer a discussão entre as crianças das estratégias e procedimentos que elas

utilizaram para realizar as investigações e os resultados obtidos. Nesse sentido, o “escrever e desenhar”, como proposto por Carvalho (2013), permeou o nosso planejamento.

É fundamental ressaltar a importância dos registros feitos pelas crianças durante as aulas para subsidiar as discussões e possibilitar o surgimento de novos pontos de vista. Quando as crianças registravam suas observações por meio da escrita ou do desenho, elas construíam outros elementos, dando suporte para a participação individual no espaço coletivo. Isso ficou evidenciado, pois as crianças, ao participarem das discussões, liam ou mostravam seus registros, buscando apoiar as ideias apresentadas oralmente no suporte do registro escrito.

Outro fator relevante ao pensar o planejamento foi a comunicação dos resultados, o que resultou na ênfase nos gêneros discursivos, ou seja, propor atividades que pudessem contemplar diversidade de gêneros orais e escritos, pois a divulgação está intimamente relacionada à cultura científica (veja, por exemplo, NRC, 1996). O aspecto da comunicação dos resultados favoreceu o aparecimento de estratégias de uso dos gêneros orais na sala de

aula. Os “Congressos dos Cientistas”36

foram elaborados coletivamente, oportunizando a troca de informações. Nessa tese, o foco de análise recaiu prioritariamente nos “Congressos

do Cientistas Mirins”, pois eram momentos destinados à discussão coletiva e representaram

aspectos vinculados às nossas questões de pesquisa sobre a construção de práticas argumentativas e científicas e o uso dos gêneros discursivos orais nas aulas de ciências.

Quanto à avaliação, foram propostas ao grupo diferentes estratégias pedagógicas para avaliar o desenvolvimento do trabalho ao longo das aulas, como, por exemplo, escrever bilhetes no quadro, para darmos um feedback quanto à participação e ao envolvimento do grupo para a professora regente, crianças e professora davam uma nota de 0 a 10 a partir dos combinados criados com a turma sobre as atitudes e participção, etc. Essa forma de avaliação foi constantemente empregada pelas crianças, que faziam coletivamente a autoavaliação, o que favoreceu o crescimento do grupo em relação à convivência e definição de regras de participação no grupo.

Outra estratégia utilizada foi a avaliação da professora diante da atuação das crianças a partir do que era esperado deles nas aulas. Cada grupo fazia a própria avaliação, que era registrada pela professora no quadro e discutida coletivamente, como demonstra o quadro a seguir:

QUADRO 2

Reprodução de registro da avaliação da aula realizadas pelos grupos

Grupos Ponto Positivo Ponto a Melhorar

Grupo 1 Pesquisa Conversa

Grupo 2 Faz tudo junto Cuidar do pão

Grupo 3 Investigar [Não identificado]

Grupo 4 Participação [Não identificado]

Grupo 5 Melhorando a conversa Atenção

A partir do exemplo anterior, percebe-se que as crianças pontuaram como pontos positivos no trabalho em grupo desenvolvido na sala de aula os seguintes aspectos: o trabalho de pesquisa, o trabalho em equipe, a postura de investigação e de participação, a organização

do debate oral “melhorando a conversa”, ou seja, está implícito que as crianças começavam a

perceber a importância de ouvir o colega, não conversar paralelamente quando alguém estivesse expondo alguma opinião e, dessa forma, contribuir para o desenvolvimento da discussão coletiva.

Como pontos a desenvolver, o grupo percebe que há ainda pontos a melhorar em

relação à postura diante do outro. Para isso, “melhorar a conversa” seria uma boa estratégia.

porque, no início, as crianças apresentavam poucos cuidados com o objeto de investigação. Muitas vezes, deixavam em lugares espalhados pela sala ou pegavam os objetos com muita força ou batiam o saquinho com o pão no colega.

Para concluir, reafirmamos a importância do trabalho colaborativo entre professores universitários e da escola básica, entre pedagogos e biólogos e estudantes de pós- graduação na elaboração e acompanhamento das atividades desenvolvidas no campo investigado.