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CAPÍTULO 1 – ENSINAR CIÊNCIAS PARA CRIANÇAS: DISCUSSÕES NO

1.5 Educação em Ciências e aprendizagem

Uma visão tradicional do ensino de ciências enfatizou, ao longo do tempo, a aprendizagem individualizada. Nesse caso, o ensino de ciências esteve vinculado à transmissão de conhecimentos científicos como exatos e rígidos, atemporais, desvinculados da ação humana e descontextualizados historicamente. Nesse contexto, os estudos em Educação em Ciências enfocavam o aspecto individual da aprendizagem e a transmissão pelo professor, de maneira direta, do conhecimento científico, considerado como produto final:

“transmitiam-se os conceitos, as leis, as fórmulas. Os alunos replicavam as experiências e decoravam os nomes dos cientistas” (CARVALHO, 2013, p. 1). A autora continua discutindo

dois aspectos que trouxeram modificações, um foi o aumento considerável do conhecimento

produzido, o que impossibilitava “ensinar tudo a todos”, privilegiando mais a qualidade do

conhecimento que deveria ser ensinado. Outro fator refere-se aos estudos epistemológicos e psicológicos que trouxeram novas perspectivas para pensar como os conhecimentos são construídos pelo sujeito, individualmente ou socialmente. Dessa maneira, discute-se o papel do erro na construção de novos conhecimentos e a importância de passar da ação manipulativa para a ação intelectual.

Uma perspectiva de aprendizagem que tem recebido atenção no campo considera a aprendizagem de ciências em relação à apropriação de práticas da comunidade científica. Essa perspectiva é antagônica em relação a uma visão tradicional sobre aprendizagem da ciência, que focaliza os resultados tais como a resolução de problemas, aprendizagem de conceitos ou desenvolvimento de habilidades (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE e ERDURAN, 2007). Atualmente, vários estudos enfatizam a importância da interação social na sala de aula, tendo a linguagem como elemento fundamental, possibilitando ao aluno a inserção em práticas culturais da ciência (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE e ERDURAN, 2007; MORTIMER, 1998; DRIVER et al., 1998).

O ensino de ciências passa a ser considerado como uma atividade humana que tem um discurso e uma linguagem específica. Assim, consideramos que o que acontece na sala de aula de ciências reflete aspectos da concepção de cultura científica. Para aprender ciências, os alunos devem ter a oportunidade de compreender os conceitos científicos, mas também devem se apropriar de aspectos da epistemologia e da natureza da ciência. Estudos de Driver et al. (1998) reforçam que aprender ciências está relacionado ao fato de inserir o aluno em um mundo de novos significados, favorecendo diferentes modos de pensar, ver e explicar o mundo. Por conseguinte, a criança passa a ter contato com outra linguagem, a científica, que traz características da cultura científica. Assim, na aprendizagem de ciências a criança passa a ter contato com uma linguagem científica, diferente da cotidiana.

Sasseron e Carvalho (2008) procuram problematizar as concepções de alfabetização científica e sinalizam a necessidade de investimento na formação de uma cultura científica e tecnológica. A partir do uso do termo literacy, justificam a utilização do termo alfabetização científica, atribuindo a ele o sentido de enculturação e defendem que esta deve ser iniciada desde o início da escolarização. Essa concepção considera a ciência como uma

cultura específica que deve permear o processo escolar. Isto é, desde cedo as crianças devem ser introduzidas em uma cultura científica e também utilizarem ferramentas culturais (p. 164).

Zanon e Freitas (2007) discutem algumas ações que favorecem a aprendizagem nas aulas de ciências, enfatizando a importância da dimensão investigativa e das interações discursivas. A partir dos estudos de Mortimer e Scott (2002), os autores examinaram as ações das crianças em diversos anos escolares, ao realizarem atividades sobre a flutuabilidade dos objetos na água. As autoras enfatizam a relevância das crianças apresentarem seus pontos de vista e confrontarem resultados para a construção de conhecimentos científicos, principalmente no início do processo de escolarização. Os resultados da pesquisa indicam a importância da argumentação para a construção do conhecimento científico e da atuação do professor no sentido de implementar uma relação dialógica na sala de aula e do estabelecimento da relação com o cotidiano para que a criança veja significado em suas ações. Maskiewicz e Winters (2012) acompanharam uma professora experiente do 5º ano durante dois anos consecutivos durante módulos de 15 horas em uma escola primária na Califórnia, nos EUA, e buscaram compreender como as interações professor-aluno e aluno- aluno ocorreram durante as aulas de ciências relacionadas à mudança de estado da água. Em sala de aula, várias ações da professora demonstraram que ela criou espaços para as crianças discutirem suas ideias e reformularem suas proposições, orientando a discussão a partir das ideias dos alunos. Os dados demonstraram diferenças entre os dois anos de investigação. Os resultados indicaram que os alunos tiveram um importante papel na construção da investigação em sala de aula. Nesse caso, o papel do professor é o de respeitar as ideias dos alunos, negociando normas coletivamente. Os autores argumentam que colocar o foco apenas no professor pode resultar em se ignorar a complexa dinâmica da sala de aula. A participação dos estudantes influenciou a construção de práticas investigativas, orientando os tópicos discutidos e os conceitos trabalhados na sala de aula. O professor assumiu um papel reflexivo diante das questões propostas pelos estudantes, pois as ideias dos alunos tornaram-se o terreno para discussões e investigações. Nesse sentido, ele distancia-se de uma perspectiva de detentor do saber e que controla todo o processo educativo.

Os estudos de Maskiewicz e Winters (2012) evidenciam a importância de os estudantes elaborarem suas perguntas e de o professor considerar os elementos produzidos pelas crianças para fazer ciência. Elas argumentam que os estudantes trazem para a sala de aula diversos recursos produtivos, o que favorece a apropriação da prática científica. Os autores defendem o papel responsivo do professor, reconhecendo os recursos produzidos pelos estudantes.

Nessa perspectiva, a mediação entre o professor e a interação torna-se um elemento fundamental para proporcionar ao aluno novas oportunidades de aprendizagem (BLOOME et al., 2009), favorecendo a inserção das crianças nas práticas culturais próprias da cultura científica.

Aprender ciência envolve a socialização dos estudantes nas linguagens e práticas da comunidade científica, pois

Learning science involves becoming socialized into the languages and practices of the scientific community. It is necessary for students to develop an appreciation for both the kinds of questions, and the types of answers, that scientists value. Moreover, to become scientists, they must make these forms of argument their own. This process of enculturation into science comes about in a very similar way to the manner in which a foreign language is learned, i.e. through use! (NEWTON et al., 1999, p. 556).

Pesquisas como as de Delizoicov et al. (2002) têm enfatizado a importância das mudanças no campo educacional no que diz respeito ao ensino de ciências nos anos iniciais, envolvendo a formação do professor, a concepção do que ensinar e como ensinar a partir de um processo de aprendizagem baseado na compreensão e não na memorização de conteúdos descontextualizados. Na mesma direção, Malafaia e Rodrigues (2008) apontam alguns caminhos para o ensino de ciências como a substituição de atividades que priorizam a memorização por atividades que promovam a investigação, a elaboração de perguntas e procedimentos de análise e discussão de resultados. Os autores também enfatizam a importância de considerar a prática vivida pelas crianças e seus conhecimentos prévios e reiteram o papel do professor como orientador das ações dos estudantes e na escolha do livro didático que deve estar articulado ao projeto político da escola, visando uma prática pedagógica transformadora.