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CAPÍTULO 1 – ENSINAR CIÊNCIAS PARA CRIANÇAS: DISCUSSÕES NO

1.4 Prática docente e formação de professores

Em vários trabalhos acadêmicos no campo da Educação em Ciências envolvendo os anos iniciais do ensino fundamental, recebe destaque a questão da formação de professores. De fato, historicamente esse tema foi, e ainda é, marcado por inúmeras críticas, em especial, relacionadas ao domínio do conteúdo e às metodologias utilizadas em sala de aula (CARVALHO, 1998; BIZZO, 2002; CHASSOT, 2006).

Dessa forma, Pereira (2011), em sua análise dos 71 trabalhos do ENPEC, aponta vinte e um artigos que envolvem questões das abordagens de ensino e sinalizam uma avaliação insatisfatória da formação docente. A autora aponta também que muitos trabalhos

trouxeram uma visão prescritiva com objetivo de superar a visão “deformada” (uso pela

autora) dos conhecimentos científicos.

Sobre a formação docente, os trabalhos dos ENPECs investigados por Pereira

(2011) evidenciam a necessidade da formação docente defendendo “que o domínio dos

conteúdos científicos também implica a compreensão de aspectos epistemológicos e históricos que podem permitir que as professoras explorem, nas situações de ensino, as relações entre ciência, tecnologia e o contexto social, econômico e político, apontando para

um ensino mais contextualizado” (p. 159). Ela argumenta para a necessidade de uma

formação que supere a visão simplista do processo pedagógico, envolvendo o ensino nos anos iniciais e que tradicionalmente baseou-se numa visão positivista de ciência, pois “é preciso considerar que, muitas vezes, nas aulas de ciências dos anos iniciais, o uso do conceito

‘cientificamente correto’ não atende às demandas de ensino e de aprendizagem e/ou de outras tantas demandas que emergem no cotidiano das escolas” (p. 172).

Assim, em suas análises, Pereira (2011) alerta que muitos textos afirmam a necessidade de promover mudanças nas concepções dos professores para que possibilitem o desenvolvimento de práticas alternativas e inovadoras nas aulas de ciências dos anos iniciais do ensino fundamental. Porém, ao mesmo tempo, muitos textos trazem uma visão prescritiva de currículo que deve ser implementado na sala de aula.

Outras pesquisas sobre o ensino de ciências, como de Delizoicov e Slongo (2006), trazem alguns elementos para uma reflexão sobre a prática pedagógica no ensino de ciências, com a finalidade de problematizar os objetivos de uma educação científica. Trazem também reflexões sobre as especificidades da formação de professores para os anos iniciais, já que sua atuação polivalente passa a ser compreendida não como um limite, mas como uma possibilidade de desenvolver conceitos em sala de aula articulados a diferentes áreas do conhecimento. Seus estudos propõem que compete tanto aos professores dos anos iniciais quanto aos especialistas que se dedicam à pesquisa em Educação em Ciência superar a noção de que os docentes desse segmento escolar apresentam um déficit no domínio conceitual. Eles argumentam que articular a história da ciência e o ensino de ciências pode contribuir para uma educação científica que alcance as dimensões dialógicas e problematizadora.

Gatti e Nunes (2009), em estudos sobre os currículos das licenciaturas, buscaram analisar como estão organizadas as matrizes curriculares do ensino superior de cursos de Pedagogia, Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Biológicas, em diversas instituições, analisando o que é proposto como disciplina e conteúdos a serem ministrados. No caso do curso de Pedagogia, os dados foram organizados a partir das orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (2013).

Os estudos de Gatti e Nunes (2009) apontam para algumas conclusões, dentre outras: i) os currículos dos cursos de Pedagogia apresentam-se fragmentados, ou seja, a matriz curricular é formada por um conjunto de disciplinas isoladas entre si; ii) geralmente, as disciplinas específicas apresentam ementas e justificativas sobre o porquê ensinar, mas, de forma superficial, registram a importância com o quê e como ensinar; iii) os conteúdos das disciplinas específicas como Alfabetização, Língua Portuguesa, Matemática, Educação Física, História, Geografia e Ciências nem sempre estão presentes nas matrizes curriculares, aparecendo de maneira superficial, vinculadas às metodologias e práticas de ensino, sugerindo frágil associação com as práticas docentes.

Dessa forma, podemos apontar para a fragilidade da formação do pedagogo diante

do ensino de ciências. Como também mencionado por Lima e Maués (2006), “depois de a

ênfase recair sobre os conteúdos a serem ensinados, as questões de sistema e de organização curricular, e sobre os processos de ensino/aprendizagem, convive-se, atualmente, com uma

mudança de foco para dar atenção à profissão e ao desenvolvimento docentes” (p. 162). Além

disso, não podemos deixar de repensar o papel da escola diante desse ensino, sua organização e funcionamento, para atender às especificidades desse trabalho, o qual envolve dois eixos centrais: ciência e criança. Nessa perspectiva, Lima e Lopes (2013), ao investigarem como ocorre o ensino de ciências nos anos iniciais do ensino fundamental em escolas públicas de Sergipe, concluem que pensar a formação dos professores nos aspectos teóricos e práticos é um dos pontos importantes para aprimorar o ensino.

Paralelamente, van Zee e Minstrell (1997), nos Estados Unidos, trazem reflexões importantes sobre o papel do professor como pesquisador e sua percepção sobre o ensino de ciências. Nesses estudos, geralmente os autores apresentam propostas de formação colaborativas nas quais o futuro professor do ensino fundamental tem a oportunidade de trocar experiências e desenvolver um trabalho pautado no ensino por investigação. Eles afirmam que os professores devem realizar pesquisas em suas próprias salas de aula, porque eles podem gerar conhecimento sobre o ensino e aprendizagem, pois “a partial solution is to establish collaborative contexts for interactions among prospective teachers and graduates, and other experienced teachers, who are putting into practice the ways of thinking, doing, and speaking

advocated by reform documents” (van ZEE et al. 2002, p. 589).

Sobre a importância da formação do professor, esses estudos citam os documentos oficiais como o National Research Council (NRC, 1996), o qual reconhece o papel do professor como pesquisador e, no caso da ciência, cita o National Science Education Standards (1996) o qual enfatiza a necessidade de proporcionar oportunidades para o

professor “aprender e usar as habilidades de pesquisa para gerar novos conhecimentos sobre ciências, o ensino e aprendizagem da ciência”14

(NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1996, p. 68 apud van Zee et al. 2002, p. 589).

Em um estudo desenvolvido no ano de 1998, van Zee descreve os quatro padrões

para o desenvolvimento profissional propostos pelo (NRC, 1996): “(a) aprendizagem por

investigação; (b) a integração de conhecimento da ciência; (c) a construção dos

14

In science, the National Science Education Standards call for providing opportunities for teachers “to learn and use the skills of research to generate new knowledge about school science and the teaching and learning of science” (National Research Council, 1996, p. 68); (van ZEE et al., 2002, p. 589).

conhecimentos, habilidades e atitudes para toda a vida de aprendizagem; e (d) o

desenvolvimento de um programa de formação de professores coerente e integrada” (van Zee,

1998, p. 795).15 Essas orientações reforçam o papel dos professores como pesquisadores, o que deve subsidiar os cursos de formação.

Nesse estudo, a partir de dados que incluíram roteiros do curso, trabalhos escritos dos alunos e respostas aos questionários, van Zee (1998) buscou criar um ambiente em que os alunos tivessem tempo, espaço e recursos para trocar experiências em grupo sobre o que estavam fazendo ou lendo e sobre suas experiências nas escolas. O objetivo da pesquisadora era favorecer aos professores o reconhecimento como membros de uma comunidade da qual participaram ativamente em decisões sobre o conteúdo e contexto do próprio trabalho.

O curso foi iniciado a partir de memórias de experiências anteriores sobre a aprendizagem da ciência e identificação de temas comuns. Posteriormente, havia a escrita de um diário no qual os futuros professores registravam semanalmente reflexões sobre eventos que analisaram, observaram ou vivenciaram sobre a aprendizagem de ciências, ou seja, os professores descreviam o que eles tinham observado ou experimentado e depois analisaram os fatores que promoveram a aprendizagem. Eles compartilhavam suas reflexões semanais com membros do seu grupo, enviando esses relatórios via e-mail ou trazendo cópias para a aula.

Os resultados indicaram que os cursos proporcionaram aos futuros professores oportunidades para aprender a fazer pesquisa enquanto aprendiam a ensinar a partir do ensino por investigação. Esse argumento é reforçado também nos trabalhos de Llewellyn e van Zee (2010) os quais sinalizam que o professor pesquisador usa a sala de aula para investigar tanto a sua profissão quanto as práticas pedagógicas enquanto desenvolve ações e torna-se um agente de mudança na escola.

Em outro estudo, van Zee e Roberts (2001) desenvolveram um projeto com futuros professores a partir de pequenos grupos e projetos de pesquisa sobre o ensino de ciências. Os participantes escreveram narrativas a partir de sua perspectiva sobre o processo vivenciado. Esse trabalho objetivou documentar essas visões e experiências dos participantes e investigar questões metodológicas sobre o ensino de ciências no fundamental. Os resultados indicaram que, em relação ao início do curso, grande parte dos participantes, ou seja, os futuros professores perceberam-se mais confiantes para ensinar ciência.

15 I describe these opportunities below in terms of the four standards for professional development (NRC, 1996). These involve providing opportunities for: (a) learning by inquiry; (b) integrating knowledge of science, learning, pedagogy and students and applying that to teaching science; (c) building the knowledge, skills, and attitudes for lifelong learning; and (d) developing a coherent and integrated teacher education program (van ZEE, 1998, p. 795).

Mais recentemente, van Zee et al. (2013) organizaram um curso de física para os professores, com o objetivo de promover o desenvolvimento do pensamento científico como

sinalizado nos documentos da reforma do ensino “National Research Council” (NRC, 1996,

2000, 2005), vinculando à integração entre Física e alfabetização. O curso de Física reuniu pedagogos, na maioria do sexo feminino, duas vezes por semana durante 10 semanas.

Neste artigo, os autores sinalizam a importância da proficiência em ciências, segundo as normas do NRC (2005), afirmando que

students who are proficient in science (a) know, use, and interpret scientific explanations of the natural world; (b) generate and evaluate scientific evidence and explanations; (c) understand the nature and development of scientific knowledge; and (d) participate productively in scientific practices and discourse (van ZEE et. al. 2013, p. 30).

Os futuros professores tiveram oportunidade de vivenciar, na prática, situações em que os estudantes pudessem se envolver com as práticas científicas, dando suporte para que eles tivessem condições de construir sua prática a partir do ensino por investigação.

Estudos realizados em âmbitos nacional e internacional sinalizam que há interesse em pensar a formação do professor de ciências dos anos iniciais numa perspectiva colaborativa, não enfatizando suas dificuldades e déficits, mas a riqueza de processos formativos que envolvem a participação do futuro professor, não como aquele que irá receber passivamente o conteúdo, mas como um sujeito que faz pesquisa e constrói conhecimento em sua sala de aula.

Como resultado, o papel do professor torna-se fundamental na medida em que sua ação pedagógica é intencional e visa atingir determinados objetivos junto aos estudantes. Compreender suas ações em sala e seu processo de formação contribui para a educação em ciências para crianças.