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CAPÍTULO 1 – ENSINAR CIÊNCIAS PARA CRIANÇAS: DISCUSSÕES NO

1.6 O ensino de ciências por investigação

Torna-se cada vez mais evidente nos meios acadêmico e educacional a necessidade de mudanças em relação ao ensino de ciências e à concepção do que seja aprender e ensinar ciências para crianças. Muitas propostas têm discutido sobre o papel do professor, dos conteúdos, das metodologias de ensino, das expectativas de aprendizagem, como mencionamos anteriormente. Todas as ações decorrentes dessas reflexões têm influenciado a prática pedagógica de diferentes maneiras, como a elaboração de novos

documentos oficiais que orientam o ensino e a introdução de diferentes metodologias e recursos didáticos.

Nesse quadro, encontra-se o uso de novos conceitos, como construção do conhecimento, oportunidades de aprendizagem, direitos à aprendizagem, dentre outros. Esse contexto tão diversificado se converge no questionamento e repúdio à prática pedagógica tradicional de ensino de ciências, baseada na simples memorização e na transmissão de conteúdos a partir do verbalismo do professor, tendo como objetivo propiciar que o aluno apenas decore as nomenclaturas científicas, mas sem, contudo compreender os conceitos, não sendo desafiado a aplicá-los em situações reais.

Atualmente, percebe-se uma ênfase em novas perspectivas metodológicas para o processo de ensino-aprendizagem, que destacam a importância da participação dos estudantes nas práticas sociais, promovendo a investigação, em diferentes abordagens como os trabalhos de Pozo e Crespo (2002); Gil Perez et al. (2007); Capecchi e Carvalho (2000); Zanon e Freitas (2007); Cachapuz et al. (2005); Sá et al. (2007); e Munford e Lima (2008), van Zee (1998), dentre outros. Há também centros e órgãos ligados às universidades, como por exemplo o “Centro de Ensino de Ciências e Matemática” (CECIMIG), órgão ligado a FaE/UFMG, que, desde 2006, preocupa-se com o ensino de ciências por investigação, ministrando cursos e promovendo discussões sobre o tema.

Hamburger (2007), por exemplo, argumenta que o ensino de ciências necessita novos aportes teóricos e práticos levantando problemas que estão relacionados à educação mais geral como a gestão das escolas e a não articulação dos currículos aos novos conhecimentos sobre o ensino. Seus estudos enfatizam a importância do ensino de ciências baseado em investigações desde o início da escolaridade.

Zômpero e Laburú (2011) mencionam que uma abordagem investigativa tem um papel importante no ensino de ciências que se distancie da visão tradicional e conteudista, tão criticada atualmente, reforçando a importância do uso de atividades investigativas. Os autores fazem uma breve retrospectiva do uso do termo inquiry na educação científica, mencionando

que esta abordagem foi recomendada por Dewey, em “Logic: The Theory of Inquiry”,

publicado em 1938. Para esse filósofo e também pedagogo, o ensino era baseado no ensino de conteúdos, sem desenvolver o raciocínio e habilidades mentais. Para Dewey, o papel do aluno deveria ser modificado, ele deveria participar ativamente de sua aprendizagem, como, por exemplo, propondo um problema para ser investigado e assim poder aplicar os conhecimentos de ciências (BARROW, 2006 apud ZÔMPERO e LABURÚ, 2011).

Outros autores relacionam as origens dessa abordagem a outros aspectos. Munford e Lima (2008), por exemplo, mencionam que os estudos de Schwab (1960) podem ser considerados um marco no ensino de ciências por investigação. Discutem sobre duas categorias que estruturam o conhecimento científico: o conhecimento científico substantivo, que está vinculado aos significados compartilhados socialmente e o conhecimento científico sintático, relacionado aos procedimentos e práticas dos cientistas.

Entretanto, há um amplo reconhecimento de que a noção de “ensino de ciências por investigação” pode ter múltiplos significados, sem necessariamente vislumbramos a

construção de um consenso único e definitivo. Nos EUA, houve, desde os anos de 1950, um grande investimento no ensino de ciências, trazendo a abordagem da investigação que chegou ao Brasil ainda timidamente. Entretanto, diferentes significados podem ser encontrados diante do termo, como, por exemplo: processos científicos, método científico, abordagem experimental, resolução de problemas, formulação de hipóteses, projeto de experimentos, trabalho prático.

Parente (2012) continua apontando que existem diferentes contextos que recomendam o uso de propostas vinculadas à investigação.

Ela é recomendada pela Inter Academy Panel (HAMBÚRGER, 2007), pela UNESCO e pelos PCNs. Sobre esse assunto existe um documento lançado pela UNESCO (2005), para países da América Latina e Caribe, intitulado ¿Cómo promover el interes por La cultura científica? em que a investigação é apresentada como uma possibilidade de aumentar o interesse dos estudantes pela ciência. Nessa abordagem de ensino é preciso que o papel do professor se transforme, passando do simples transmissor de conteúdos para aquele que deve favorecer novas oportunidades de aprendizagem em sala de aula, refletindo sob sua prática e buscando novas estratégias de trabalho junto às crianças. (p. 19)

A autora reforça que a palavra “investigação” tem, no meio acadêmico e

profissional, diferentes significados, além de sinalizar alguns estudos com suas respectivas designações: a) ensino por descobrimento dirigido ou aprendizagem como investigação; b) investigação dirigida; c) trabalhos de investigação ou processo de investigação orientada; d) ensino por investigação; e) ensino por pesquisa; f) educar pela pesquisa ou pesquisa na sala de aula; g) investigação escolar (PARENTE, 2012, p. 22-23).

Como demonstra Parente (2012), há uma diversidade de perspectivas de ensino que colocam a investigação como centro do processo: ensino por descoberta, investigação dirigida, trabalhos de investigação, ensino por investigação, ensino por pesquisa, estudar pela pesquisa e investigação escolar. Percebe-se que pelo fato de ter agrupado diferentes abordagens, há aspectos de convergências em relação às características de uma atividade

investigativa, porque nas propostas citadas há um questionamento sobre o ensino tradicional baseado na ênfase na lista de conteúdos descontextualizados ministrados pelo professor, de maneira expositiva, sem possibilitar ao aluno a reflexão.

Zômpero e Laburú (2011) também compartilha a ideia de que ainda não há um consenso em relação ao próprio conceito de investigação, sendo usados diferentes termos como inquiry, ensino por projeto, resolução de problemas, aprendizagem por descoberta, ensino com investigação, dentre outros.

De toda maneira, é importante destacar que muitos autores ainda vinculam o ensino por investigação como meio de construir habilidades argumentativas e não como um ensino que favorece a inserção dos estudantes em práticas científicas. Aqui reside uma diferença fundamental a nosso ver.

Duschl e Grandy (2010) apontam que tem ocorrido mudanças em relação às concepções de ciências, de aprendizagem e de aprendizagem das ciências, o que traz diversas implicações em como interpretamos o papel da investigação e na maneira de perceber se estamos ou não cumprindo os objetivos de propiciar aos nossos estudantes a compreensão e a investigação científica. Entretanto, apesar de essas mudanças serem importantes, ainda há questões que não são consensuais.

Todas essas transformações resultam na forma de lidarmos com o que consideramos ciências e com como ensiná-la e aprendê-la. Nos anos de 1960 e 1970, a observação científica assume grande relevância na caracterização das práticas científicas. Recentemente, influenciados pelas novas tecnologias e novos estudos sobre a aprendizagem, nota-se que a aprendizagem distanciou-se do foco individual, passando a ser compreendida como um processo social, com ênfase na gestão de ideias e participação dos estudantes. Além disso, novas teorias científicas modificaram também, ao longo dos anos, a natureza do conhecimento científico. Assim, mesmo quando se adota uma abordagem investigativa, pode- se afirmar que no contexto escolar a linguagem da ciência não manteve ligações com as práticas científicas, o que gera muitos problemas para o ensino e a aprendizagem de ciências (DUSCHL e GRANDY, 2010).

Assim, o autor menciona a importância de repensar o papel da investigação na escola, para que a ciência possa lidar com a questão da diferença de linguagem, reforçando a importância do estabelecimento de práticas de discurso científico na escola.

Na mesma perspectiva, Driver et al. (1998) afirmam que há necessidade de introduzir as crianças nas formas de representar o mundo, nas práticas científicas, possibilitando conhecer uma nova linguagem para descrever, representar e analisar o mundo

ao seu redor, o que é considerado como enculturação em ciência, ou seja, aprender ciência no seu uso, tendo acesso aos conhecimentos produzidos e vivenciando formas de se fazer e pensar a ciência.

Diante dessa diversidade de visões, é importante nos posicionarmos quanto aos nossos entendimentos sobre ensino de ciências por investigação. Assumimos, em nossa pesquisa, a concepção do ensino de ciências por investigação de Munford e Lima (2008), que ressaltam a importância dos estudantes engajarem-se em práticas científicas.

Silva (2009) sinaliza a diferença entre ensino por investigação e investigação científica

O ensino de Ciências por investigação se constitui em uma aproximação pedagógica do modelo de pesquisa científica (DEBOER, 2006) e tem sido apresentado como o princípio central para a educação científica nos Estados Unidos (NRC, 2000). Como um esclarecimento inicial, já que existe certa controvérsia sobre a definição do Ensino por Investigação (ANDERSON, 2002; DUSCHL e GRANDY, 2010), é importante diferenciá-lo da concepção de investigação científica. A investigação científica é entendida como uma variedade de processos e de formas de pensamento que suportam o desenvolvimento de novos conhecimentos científicos (FLICK e LEDERMAN, 2006) e o ensino por investigação é visto como uma abordagem de ensino que reproduz parcialmente a atividade científica, permitindo que os alunos questionem, pesquisem e resolvam problemas (DEBOER, 2006 apud SILVA, 2009, p. 5).

Munford e Lima (2008) reconhecem as diferenças entre a ciência e a ciência escolar:

Apesar da grande diversidade de visões acerca do que é ensino por investigação, acreditamos que as diferentes propostas existentes podem ser melhor compreendidas a partir de uma mesma preocupação, qual seja, a de reconhecer que há um grande distanciamento entre a ciência ensinada nas escolas e a ciência praticada nas universidades, em laboratórios e outras instituições de pesquisa (p. 4).

Além disso, Silva (2009) menciona que pesquisas têm se preocupado com o ensino de ciências por investigação em relação à aprendizagem de conceitos, procedimentos e a natureza da ciência, destacando os estudos que consideram

o ensino de ciências por investigação como uma oportunidade de participar e de aprender algumas práticas dos cientistas (SANDOVAL, 2005; SANDOVAL e MORRISON, 2003; KELLY e DUSCHL, 2002; KELLY, 2005; JIMÉNEZ- ALEIXANDRE et al., 2008). Ao participar de um processo de enculturação (DRIVER et al., 1999), os alunos poderiam se apropriar ou dominar ferramentas culturais especificas (MAGNUSSON et al., 2006). Esses estudos denotam que o processo de apropriação passaria não apenas pela compreensão de conceitos e ou pelo planejamento de experimentos, mas também pela apropriação de critérios que

sustentam a produção e avaliação de conhecimento considerado científico (JIMENEZ-ALEIXANDRE e BUSTAMANTE apud SILVA, 2003, p. 6).

Pretendemos trazer à tona outros questionamentos sobre o que é ensinar ciências por investigação para crianças. Acreditamos que esse ensino pode contribuir para criar novas oportunidades de aprendizagem, na medida em que propicia a argumentação, a circulação e negociação de novos significados e os diversos saberes sobre o tema, possibilitando que o aluno torne-se um sujeito-autor de sua aprendizagem (DUSCHL e GRANDY, 2010; LIMA e MAUÉS, 2006).

O ensino por investigação, como um caminho que busca promover e inserir os alunos em práticas científicas, tem como elemento fundamental a argumentação, não no sentido de conhecer os fatos, mas a compreensão de como evidenciar os fatos para promover argumentos convincentes, lidando com evidências e explicações (DUSCHL e GRANDY, 2010). Dessa forma, Duschl e Grandy (2010) continua sinalizando que aí está um grande desafio: fornecer aos professores e alunos as ferramentas necessárias para construir a argumentação, utilizando e vivenciando práticas científicas.