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CAPÍTULO 4 – O PAPEL DA LINGUAGEM NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

4.2 Linguagem e Discurso

A partir de meados do século XX, acontecem mudanças na área da Linguística, como a virada linguística, ou seja, uma visão de que a língua não deve ser estudada a partir de si mesma, indo além da gramática e da estrutura da frase, mas por meio de seu uso. Novas áreas agregam-se a este estudo como a sociologia, a antropologia e a psicologia. Nesse sentido, trouxe novas concepções teóricas, o que, de certa forma, rompeu com a visão estruturalista da época. Há mudanças de perspectivas do ponto de vista individual para o social, pois a língua passa a ser considerada do ponto de vista não mais homogêneo, mas plural, uma vez que diferentes usos da língua estão relacionados à situação de uso, aos sujeitos, a fatores sociais, culturais e econômicos (BLOOME et al., 2008)

Nesse sentido, o estudo sobre a linguagem é visto de diferentes maneiras, em uma perspectiva estruturalista ou ligada à gramática normativa e os estudos que tomam como foco o discurso (veja, por exemplo, Koch, 2003). Essas perspectivas trazem diferentes pressupostos: ver a língua como um sistema de representação ou ver a língua como um meio de interação social. É nessa abordagem que buscamos sustentar nossas discussões.

Koch (2003) apresenta algumas concepções de linguagem. Na abordagem que concebe a linguagem como representação, um espelho do mundo e do pensamento, o sujeito apenas utiliza a linguagem para reproduzir o que já existe. Em outra perspectiva, a linguagem é vista como instrumento de comunicação, em que o emissor e receptor são idealizados na ação de transmitir mensagens.

Nas abordagens que se baseia na visão de linguagem como ação e interação social, a linguagem não é vista separada do contexto, mas situada em um determinado tempo e espaço em que participam sujeitos ativos, que agem e reagem entre si. É nessa concepção de linguagem que a AD se sustenta, reconhecendo o caráter ideológico da linguagem no momento de uso. Nessa perspectiva, a linguagem pode ser pensada também como cultura,

pois a “linguagem é, ao mesmo tempo, o principal produto da cultura, e é o principal instrumento para sua transmissão” (SOARES, 2002, p. 16).

Pensar a linguagem em uma abordagem mais tradicional é pensá-la como mero instrumento de comunicação, em que o emissor, receptor, canal e código formam uma

estrutura lógica e fixa. Mas é preciso problematizar essa ideia já que consideramos que as pessoas agem e reagem entre si e que o sentido é construído nessa relação (BLOOME, 2010).

Não é nossa intenção fazer um apanhado teórico sobre as aproximações ou distanciamentos entre as diferentes perspectivas,25 mas mencionar que a AD é uma abordagem ampla, decorrente de várias perspectivas de análise, como por exemplo: AD relacionada à Escola Francesa, tendo como representante Michel Pechêux; AD relacionada aos estudos de Bakhtin e a AD vinculada aos estudos de Fairclough (1995, 2003), da Análise Crítica do Discurso. Ao refletir sobre análise do discurso descritiva e análise crítica do discurso, Gee (2010) argumenta que toda análise do discurso precisa ser crítica já que envolve questões políticas e de construção de identidades.

Pensar o estudo da linguagem em uma perspectiva social de uso, numa dimensão cultural e histórica, implica uma das perspectivas da sociolinguística, procurando investigar, por exemplo, quem diz, o que, quando, como e porquê é dito. Ou seja, o uso depende do contexto. E em cada contexto, o sujeito apresenta modos diferentes de usar a língua. Sendo assim, a língua deve ser estudada no seu contexto de uso, pois os sujeitos negociam e compartilham diversas normas e papeis sociais.

Gee (2010) afirma que a linguagem nos permite ser coisas, assumir diferentes identidades sociais em diferentes tempos e lugares

Language allows us to be things. It allows us to take on different socially significant identities. We can speak as experts – as doctors, lawyers, anime aficionados, or carpenters – or as “everyday people.” To take on any identity at a given time and place we have to “talk the talk,” not just “walk the walk.” When they are being gang members, street-gang members talk a different talk than do honor students when they are being students. Furthermore, one and the same person could be both things at different times and places. In language, there are important connections among saying (informing), doing (action), and being (identity) (GEE, 2010, p. 2, grifo do autor).

A perspectiva sociolinguística tem como foco a comunidade que usa a língua, formada por membros que interagem e compartilham certas normas. Blommaert (2007) diz

que “‘it is one of sociolinguistics’ main accomplishments to have demonstrated that ‘language’ is, in the practice of its occurrence in real situations of use, a repertoire: a

25 De acordo com Mussalim (2003) a Análise do Conteúdo e AD, perspectivas teórico-metodológicas que facilitam a análise da linguagem, têm focos diferenciados. Enquanto a Análise do Conteúdo enfatiza o conteúdo do texto, de maneira mais sistemática, a AD foca principalmente no sentido do discurso e as implicações no processo de construção e uso da linguagem. Há diferenças também entre as abordagens de AD de origem americana (anglo-saxã) e de origem francesa. A primeira considera a intenção dos sujeitos numa interação verbal, o que não ocorre com a AD de origem francesa (MUSSALIM, 2003, p. 113).

culturally sensitive ordered complex of genres, styles, registers, with lots of hybrid forms, and occurring in a wide variety of ways big and small (BLOMMAERT, 2007, p. 115).

A análise do discurso numa vertente sociolinguística favorece pressupostos teórico-metodológicos que dão suporte para compreender os discursos que acontecem e como ocorrem.

Dando continuidade à nossa reflexão sobre linguagem e discurso, é importante afirmar que, como apontado, não há uma única concepção de discurso e nem de linguagem, muito menos um consenso de como devem ser analisados. Isso depende principalmente do objeto de investigação e dos objetivos que são propostos. O que nos interessa aqui não é pensar como a ideia de discurso é construída em contraposição às ideias estruturalistas de linguagem.

A AD sugere determinados modos de compreender e ver a linguagem, de pensar no discurso e, para isso, pode utilizar-se de diferentes concepções de linguagem. Quando a criança usa a linguagem em um contexto mais formal ela necessita de conhecimentos que vão além dos conhecimentos linguísticos, pois não é suficiente apenas o domínio das regras gramaticais para o uso competente da linguagem na nossa sociedade. Segundo Gee (1996), discurso é mais complexo do que a linguagem, pois o mais importante não é o que se diz, mas

como se diz. Assim, “produzir linguagem é produzir discurso o qual é determinado pelo contexto, pelos conhecimentos e pelas características dos interlocutores” (DURANTI e

GOODWIN, 1992, p. 30).

A dimensão heterogênea é fundamental, pois o ser humano utiliza a língua de diversas maneiras e locais, como no contexto familiar, religioso e escolar. Bakhtin (2003, 1995) sinaliza que cada esfera social é constituída de seus próprios gêneros, que estão relacionados às condições específicas de uso da linguagem. A linguagem é histórica e social, pois está relacionada à vida social e às vivências do sujeito, pois sua identidade é construída a partir da cultura.

Considerar a linguagem como discurso, segundo Bakhtin (2003), tem como ponto a sua dimensão de dialogicidade, sua pluralidade e um modo de produção social. O discurso está relacionado com o aspecto dialógico, pois interagimos com o outro. O sentido se dá no contexto da interação em um momento específico, em uma determinada comunidade. Por isso, o discurso está impregnado das vivências das pessoas e do que acontece no momento da interação, quem são os sujeitos, como se interagem, por que interagem, além dos modos de interação, pois segundo Gee (2005) quando as pessoas falam, ou escrevem, quando usam a linguagem em determinados contextos, temos uma ideia do que é permitido ou não dizer, do

que é aceito ou não pelo grupo. A linguagem não faz sentido fora do discurso, pois cada

discurso se apropria de características que marcam o que é considerado “normal”, como o

sujeito deve pensar, agir e falar (GEE, 1996, p. 41).

Considerar que as crianças desde pequenas são cercadas de várias possibilidades de uso da linguagem e têm conhecimentos sobre seus usos e funcionamento, as coloca em um duplo papel: como usuários e, simultaneamente, como produtoras. Ao mesmo tempo em que usam a língua, elas vão imprimindo sua história, suas visões, modificando-a, a partir de um processo dinâmico e interativo.

Essa posição também é encontrada nos estudos de Gee (2010) quando discute o conceito de discurso

Let’s start by trying to get at the notion of a ‘big D’ Discourse. A Discourse is a characteristic way of saying, doing, and being. When you speak or write anything, you use the resources of English to project yourself as a certain kind of person, a different kind in different circumstances. You also project yourself as engaged in a certain practice or activity. If I have no idea who you are and what you are doing, then I cannot make sense of what you have said, written, or done. You project a different identity at a formal dinner party than you do at the family dinner table. And, though these are both dinner, they are nonetheless different practices or activities, different ‘games’ (GEE, 2010, p. 30).

A Análise do Discurso (AD) nos ajuda na tarefa de compreender o que acontece na sala de aula, já que a linguagem em uso é o principal fundamento dessa abordagem. Como sinaliza Bloome (2010), a AD é uma lente sobre a qual lançamos mão para nos ajudar a

sustentar teoricamente nossas análises, pois é “como um caminho para ver, teorizar e filosofar”. A linguagem assume um papel importante como mediadora do sujeito e seu

mundo, pois considera a língua não como um sistema abstrato. Compreender o que ocorre na sala de aula a partir da perspectiva da AD é buscar entender o uso da linguagem vinculada a todos esses aspectos, é ir além dos aspectos gramaticais que estão envolvidos. Nesse sentido, discurso são formas de falar, escutar, ler e escrever interagindo com o outro e usando ferramentas e ou objetos.