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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.6. ARGUMENTAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR

O segundo grupo comparativo deste estudo consistiu em estudantes que passaram pela aplicação de uma adaptação do Modelo do Debate Crítico (MDC) para o ensino de conteúdos curriculares de psicologia (LEITÃO, 2012) com base em práticas argumentativas. Antes de adentrar nas características desta adaptação, O MDC será brevemente descrito.

2.6.1. Modelo do Debate Crítico

Proposto por Fuentes (2009), o MDC se caracteriza como uma atividade social de produção verbal argumentativa, no qual se discute face a face um tema predefinido. Tem como característica fundante a oposição dialógica, na qual distintos usuários e seus respectivos pontos de vista se enfrentam em relação a um conflito de opinião. A “função reguladora” dos turnos de fala predefinidos se converte no elemento essencial do contrato do debate, pela imposição de normas formais e substanciais a serem aceitas pelos participantes (debate regrado).

Dada sua natureza eminentemente discursiva, o Debate Crítico não pode ser caracterizado como um fenômeno social estático. Espera-se, sim, que favoreça mudanças e transformações, produzidas a partir do processo de reorganização do pensamento, assim como das modificações acontecidas no contexto no qual o participante está imerso. As mudanças do próprio pensamento são propiciadas pela natureza argumentativa própria do MDC, em resposta às (trans)formações ocorridas dentro da situação de oposição dialógica em que os participantes se encontram envolvidos (contexto comunicativo de sala de aula, interação em contexto natural etc.). Nas permanentes trocas ocorridas durante a resolução de um conflito de opinião, dentro deste tipo de prática discursiva, cria-se um processo de reflexão da linguagem sobre si mesma, privilegiando a regulação do pensamento por outras pessoas ou por si mesmo (RAMÍREZ, 2012). O movimento autorregulador de defender a própria perspectiva e considerar perspectivas outras inevitavelmente implica que o indivíduo volte ao próprio discurso e considere os limites e restrições do que foi dito (LEITÃO, 2007 a).

O MDC tem como características (FUENTES; 2009, 2011): estabelecimento de uma estrutura proposicional padronizada que expresse um conflito de opinião a respeito do qual os participantes oferecerão razões favoráveis ou desfavoráveis; respeito a formas argumentativas válidas no desenvolvimento do debate; estabelecimento de um sistema avaliativo que seja eficiente na detecção de falácias e outras violações de princípios do diálogo crítico; regulação de turnos de fala e criação de papéis claramente definidos por expressões proposicionais

padronizadas do conflito de opinião; e a presença de um júri que avalie e delibere o debate, com foco em critérios explícitos e acordados.

O MDC está estruturado de forma que seja gerada uma discussão sobre um tema polêmico/controverso, no qual os participantes, de forma regrada e respeitosa, colocam seus argumentos a favor ou contra o tópico de debate, procurando uma possível solução à diferença de opinião (FUENTES, 2011). Os participantes organizam-se em três equipes, cada uma composta por três participantes: bancada afirmativa, cujos participantes têm como objetivo defender argumentativamente um ponto de vista; a bancada negativa, com o objetivo de oposição à perspectiva trazida pela bancada afirmativa; e a bancada investigativa, que, ancorados em pesquisas prévias sobre o tópico do debate, tem como objetivo expor os argumentos favoráveis e desfavoráveis à proposição de debate. Este modelo de debate também conta com uma mesa de juízes externos, cuja função é avaliar a qualidade dos argumentos segundo os critérios de força, solidez e correção, com base nos critérios de solidez de um argumento propostos por Govier (2001).

2.6.2. Adaptação do Modelo do Debate Crítico à sala de aula

Originalmente proposto para uso em torneios interescolares, nos quais se discutem sobre temas não curriculares e de interesse social, O MDC foi adaptado à sala de aula por Leitão (2012), no curso de graduação em psicologia, com duplo objetivo de ensino-aprendizagem: ensino de noções elementares sobre argumentação, de elementos-chave de avaliação de qualidade dos argumentos e de conteúdos curriculares próprios da psicologia. Além disto, na referida adaptação (DIP) geram-se oportunidades de aplicação prática destas noções elementares em diferentes debates realizados no decorrer do componente curricular (RAMÍREZ, 2012).

Uma das adaptações da proposta original do MDC consistiu na amplitude e as formas de participação dos estudantes nos debates (RAMÍREZ, 2012). Todos os discentes matriculados neste componente curricular receberam instruções sobre conceitos essenciais de argumentação e também tiveram a oportunidade de participar (em diferentes papéis) dos vários debates realizados em sala de aula. Além disto, a plateia tem como função apoiar e questionar as equipes, além de avaliar e julgar a qualidade dos argumentos defendidos pelas bancadas afirmativa e negativa.

Outra adaptação do MDC à sala de aula consistiu-se no papel da bancada investigativa (RAMÍREZ, 2012). Como dito, originalmente esta equipe tem como função trazer ao debate o estado da arte sobre o tópico de debate. Nesta adaptação, esta equipe tem como função trazer as informações sobre temas psicológicos trabalhados na DIP, além explicar o contexto de controvérsia no qual o tema proposto para o debate se insere e, no final do debate, avaliar as bancadas, no papel de juízes do debate.

2.6.3. Funcionamento da Disciplina Introdutória à Psicologia (DIP)

A DIP está organizada em ciclos temáticos (RAMÍREZ, 2012), cada um composto por quatro distintas etapas: aula teórica (na qual um conteúdo curricular é introduzido); aula teórico- prática focada na preparação para o debate (‘oficinas’ nas quais se reflete e instrui brevemente os alunos na prática da argumentação crítica, auxiliando-os na estruturação da linha de raciocínio que desejam desenvolver no debate); debate (seguido da avaliação dos argumentos trazidos pelas duas bancadas) e fechamento (retomada do conteúdo curricular alvo do ciclo temático). Os temas da psicologia focalizados na disciplina são definidos na proposta curricular do curso, podendo ser adaptados em função dos interesses das turmas. No que se refere à instrução sobre a prática da argumentação, os seguintes conteúdos são cumulativamente trabalhados:

Quadro 3: Conteúdos sobre argumentação trabalhados na DIP CONTEÚDOS DE ARGUMENTAÇÃO

Conceitos: opinião, opinião fundamentada, conclusão, fundamento, razão; Argumento, contra-argumento, inferência, razões;

Preparação de discurso argumentativo.

Conceitos: tipos de informação (certa/incerta), objetiva, subjetiva e hipotética Argumentos versus explicações

Marcadores discursivos da argumentação Ensaio como gênero argumentativo Introdução ao conceito de aceitabilidade Introdução ao conceito de relevância Introdução ao conceito de suficiência

Fonte: Ramírez (2012)

Note-se que os conteúdos são cumulativamente trabalhados, de forma que num ciclo o estudante se beneficia do conteúdo anterior, esperando-se que atinja no último ciclo o ápice do curso a ideia do conceito de suficiência de um argumento.