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3. MÉTODO

3.4. PROCEDIMENTO DE CONSTRUÇÃO DOS DADOS

O corpus usado no presente estudo foi construído a partir de transcrições de entrevistas realizadas no espaço físico do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), individualmente e em horários convenientes aos participantes. Este espaço foi escolhido para manutenção do sigilo da participação, além de ser um ambiente calmo, confortável e climatizado.

Como dito anteriormente, as entrevistas foram realizadas usando uma adaptação do roteiro proposto por Kuhn (1991)3. Foram realizadas várias versões de adaptações com o objetivo de adequar o roteiro aos objetivos propostos.

a) Primeira adaptação: tradução do roteiro de entrevista e seleção de tópicos

Nesta primeira versão, o roteiro original em inglês foi traduzido quase literalmente para a língua portuguesa. Na testagem desta adaptação foram utilizados temas semelhantes aos usados por Kuhn (1991), exceto o primeiro (fracasso escolar), o qual foi substituído por ‘corrupção’. Esta substituição ocorreu tendo em vista escândalos de corrupção que assolavam o país à época do estudo, de modo a tornar mais proveitosa a entrevista. Desta forma, foram selecionados os seguintes tópicos: corrupção, desemprego e retorno ao crime. Estes temas foram usados inicialmente para a realização de um piloto com quatro participantes voluntários que não faziam

parte dos grupos-alvo da presente pesquisa. Com autorização dos entrevistados, estas entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. Estas transcrições foram analisadas, buscando observar: (a) em que tópicos os participantes mais se engajavam e (b) quão claras aos participantes as perguntas pareciam ser.

b) Segunda adaptação: ajuste de perguntas

Nas análises das entrevistas feitas, em caráter piloto verificou-se que algumas perguntas traduzidas literalmente se mostravam pouco reativas. Por exemplo: a pergunta anything else? na entrevista original tem a intenção de explorar a resposta inicial do participante em relação à sua elaboração da teoria causal. Traduzida como

algo mais? os participantes simplesmente respondiam “não”, “acho que não”, “é isso”, não atendendo ao objetivo proposto pela pergunta. Na adaptação após o piloto

esta pergunta foi modificada para você consegue pensar em alguma outra causa?

c) Terceira adaptação: seleção de tópicos mais reativos

Em termos de reatividade aos tópicos, dentre os três inicialmente selecionados,

desemprego e retorno ao crime mostraram-se mais frutíferos, com respostas mais

completas e entrevistas mais longas. Apesar disto, o tópico retorno ao crime foi adaptado para reincidência de adolescentes em atos infracionais, tendo em vista uma série de debates, em relação à redução da maioridade penal, que ocorriam no país à época de realização do estudo. Isto pareceu torná-lo mais propício à deflagração de reflexão por parte dos participantes.

d) Quarta adaptação: fluxo das perguntas do roteiro.

Nas primeiras entrevistas-piloto, todas as perguntas do roteiro adaptado eram feitas ao participante. Na análise das transcrições, verificou-se que, por vezes, os participantes antecipavam as respostas das perguntas seguintes, de modo que estas perguntas se tornavam repetitivas e cansativas para os participantes. Neste sentido, compreendeu-se que o intuito das perguntas era direcionar e incentivar que os participantes falassem mais sobre o tópico, mas que não seria necessário seguir à risca todas as perguntas da entrevista, nos casos em que o objetivo da pergunta já tivesse sido antecipadamente alcançado.

Em seguida à etapa de adaptações e testagem, foram feitas as entrevistas propriamente ditas com os participantes-alvo desta pesquisa. Com base nas testagens citadas, reincidência de

adolescentes em atos infracionais e desemprego foram os tópicos selecionados para a realização

Após a assinatura do termo de consentimento e clarificação de quaisquer dúvidas que os entrevistados pudessem ter, foi-lhes explicado que eles teriam o tempo que precisassem para responder; que não existiam respostas certas ou erradas, que o interesse da entrevista era compreender como o entrevistado pensava sobre duas questões sociais. Além disto, foi-lhes explicado também que algumas perguntas poderiam parecer repetitivas, como se o entrevistador estivesse perguntando algo que já havia sido perguntado, porém ressaltou-se que as perguntas foram desenhadas com o intuito de explorar aspectos peculiares do pensamento.

A seguir será apresentado o roteiro completo das entrevistas realizadas no presente estudo, organizado da seguinte forma: será apresentado o grande bloco ao qual as perguntas pertencem, seguido das perguntas e de uma descrição de seu objetivo principal. O roteiro a seguir está ilustrado para o tópico desemprego.

Parte 1: Produção de Teorias Causais e Justificações

a) O que causa o desemprego? – Abrindo a entrevista, esta pergunta teve como objetivo pedir que o participante elaborasse uma teoria causal para o tópico em questão, ou seja, atribuição de causa(s) – ou antecedente(s) – para um consequente conhecido – desemprego, neste caso.

b) (Quando o participante completava a resposta inicial) Você consegue pensar em alguma outra causa? – Após responder à pergunta inicial, esta pergunta teve como objetivo explorar outras possíveis causas que os participantes atribuíam ao tópico em questão. Após esta resposta, a teoria era considerada como completa, de forma que esta pergunta se tratou de um item importante, para averiguar o tipo de conexão causal que o participante fazia entre o antecedente e consequente.

c) (Caso múltiplas causas fossem mencionadas) Qual destas você diria que é a principal causa do desemprego? – Foi a partir da resposta a esta questão que as respostas seguintes foram consideradas, ou seja, tendo em vista que o participante elencava a principal causa para o tópico em questão, era em relação a esta causa que os participantes se remetiam ao oferecer evidências, teorias alternativas, contra-argumentos e réplicas.

d) Como você sabe que esta é a causa? – Com esta pergunta, pediu-se que o participante justificasse sua própria teoria causal, ou seja, que evidências ele forneceu para sustentar a ideia de que A causa B, sendo A os antecedentes alegados e B o consequente conhecido (desemprego, nesta ilustração).

e) (Se necessário) Só para ter certeza se eu entendi, você pode me explicar exatamente como isto mostra que isto é a causa? – Esta pergunta teve caráter exploratório, um pedido que o participante fosse mais específico.

f) Se você estivesse tentando convencer alguém de que o seu ponto de vista é correto, quais evidências (enfatizada verbalmente) você daria para tentar mostrar isto? – Esta pergunta consistiu num pedido explícito de evidências como suporte para a teoria causal elaborada pelo participante. No conjunto de dados analisados nesta dissertação, enquanto na pergunta ‘d’ os participantes costumavam narrar como conheceram a causa do fenômeno (e.g.: experiência pessoal, leituras, televisão etc.), nesta pergunta as respostas eram mais centradas na conexão causal entre o antecedente e o consequente. g) (Se necessário) Você poderia ser bem específico/a e me dizer alguns fatos particulares que você poderia citar para tentar convencer esta pessoa? – Assim como a pergunta ‘e’, esta questão teve caráter exploratório, quando a resposta da pergunta anterior pareceu não ter sido suficientemente clara ou completa.

h) Existe algo mais que você poderia dizer para ajudar a mostrar que o que você disse é correto? – O objetivo desta pergunta era solicitar que o participante complementasse sua ideia.

i) Existe algo mais que outra pessoa poderia dizer para ajudar a mostrar que o que você disse é correto? – Esta pergunta inseria o caráter de intersubjetividade.

j) Você consegue se lembrar de quando você começou a ter este ponto de vista? – Esta pergunta buscava explorar a origem da teoria causal defendida pelo participante.

(Se não) Você sempre achou isso? Você sempre teve essa convicção?

(Se sim) Você consegue lembrar qual foi o motivo que lhe levou a acreditar que esta é a causa?

Parte II: Antecipação de Posições Contrárias

k) Suponha agora que alguém discordou de seu ponto de vista, de que esta é a causa do desemprego. O que esta pessoa poderia dizer para mostrar que você está errado? – Esta pergunta buscou explorar se os participantes vislumbravam condições que pudessem falsear suas próprias ideias. Em resposta a esta pergunta, os participantes poderiam fornecer contra-argumentos ou teorias alternativas.

l) Que evidências estas pessoas poderiam dar para tentar mostrar que você está errado? – Esta pergunta teve a intenção que o participante elaborasse explicitamente uma ideia que pudesse falsear a sua própria, ou seja, um contra-argumento.

m) (Se necessário) Apenas para ficar claro se eu entendi, você pode esclarecer exatamente como isto pode mostrar que você está errado? – Uma pergunta exploratória, cujo objetivo foi pedir que o participante fosse mais específico e mostrasse como a resposta da pergunta anterior pudesse falsear sua própria perspectiva.

n) (Omitida se alguma teoria alternativa era gerada) Uma pessoa como a que nós estávamos falando, que tem um ponto de vista diferente do seu, o que ela poderia dizer que é a principal causa? – Com esta pergunta, pedia-se explicitamente que o participante elaborasse uma teoria alternativa, ou seja, uma teoria defendida por alguém que tivesse uma visão diferente e que cuja ideia fosse contrastante com a teoria causal do participante.

o) (Incluída se nenhuma teoria alternativa fosse gerada) Suponha que alguém discordou de seu ponto de vista e disse que (incluía-se uma teoria alternativa) é a causa. O que você poderia dizer para mostrar que essa pessoa está errada? – Caso o participante não oferecesse uma teoria alternativa, propôs-se uma, para que o participante tivesse a possibilidade de gerar uma réplica.

p) ( Se necessário) Só para ficar claro se eu entendi, você pode esclarecer exatamente como isto pode mostrar que esta pessoa está errada? – Esta pergunta exploratória tinha como objetivo pedir que o participante fosse mais específico e claro ao oferecer uma réplica à teoria alternativa anteriormente fornecida.

q) Você seria capaz de provar que esta pessoa está errada? – Pedido explícito de réplica a uma teoria alternativa ou contra-argumento anteriormente gerado.

r) (Se ainda não indicado) O que você poderia dizer para mostrar que seu próprio ponto de vista é o correto? – Pergunta exploratória buscando especificidade. Pedido de réplica uma teoria alternativa ou contra-argumento anteriormente gerado.

Parte III: Produção de Raciocínio Instrumental

s) Existe alguma coisa importante que, se pudesse ser feita, iria diminuir o desemprego? Esta é uma pergunta importante, que buscou analisar a consistência da teoria causal, através da remediação que o participante daria ao problema social em questão. A parte que até então era consequente (desemprego) passa a ser antecedente e o desafio é que o participante ofereça novos consequentes (através de remediações) para esta ideia. t) Por que isto diminuiria o desemprego? – Esta pergunta teve como objetivo evocar um

ato metacognitivo. Caso o participante não tivesse exposto na pergunta anterior, pediu- se que o mesmo focasse sua própria ideia para que ele pudesse sustentá-las.

O quadro 4exibe uma síntese dos dados gerados na construção do corpus deste estudo.

Quadro 4: Síntese dos dados

DURAÇÃO

TOTAL TEMAS

Curso P OT DE R

DIP

1 D, R 51 min 34 s 16 min 30 s 35 min 4 s 4 R, D 17 min 39 s 8 min 9 s 9 min 30 s 5 R, D 13 min 57 s 5 min 27 s 8 min 30 s 6 D, R 27 min 53 s 13 min 14 min 53 s 7 D, R 42 min 57 s 23 min 19 min 57 s 9 D, R 30 min 28 s 17 min 28 s 13 min

DIL

12 D, R 39 min 02 s 18 min 21 min 02 s

13 R 35 min 33 s * 35 min 33 s

14 D, R 17 min 43 s 8 min 9 min 43 s 15 D, R 36 min 40 s 17 min 19 min 40 s

TCH

2 R, D 37 min 09 s 11 min 09 s 26 min 3 R, D 21 min 28 s 10 min 28 s 11 min 8 R, D 12 min 21 s 5 min 51 s 6 min 30 s 10 D, R 18 min 51 s 10 min 8 min 51 s 11 R, D 19 min 26 s 8 min 11 min 26 s *Participante realizou apenas uma das partes propostas na entrevista.

Legendas: ‘P’: participante; 1-15 – número que identifica o participante no corpus4; ‘DE’: duração da entrevista; ‘OT’: ordem dos tópicos na execução da entrevista; ‘D’: desemprego; ‘R’: reincidência de adolescentes em atos infracionais; ‘DIP’: estudantes da disciplina introdutória à psicologia; ‘DI’: disciplina introdutória à lógica, ‘TCH’: terceiro curso de humanidades.