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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.5. LÓGICA NO ENSINO SUPERIOR

Para este estudo, foi selecionado um recorte da lógica, tendo em vista a natureza dos conteúdos focados na disciplina ministrada a um dos grupos-alvo deste estudo, que será chamada de Disciplina Introdutória à Lógica (DIL), cujo foco geral consiste na lógica clássica (proposicional e categórica) e elementos da lógica informal (falácias informais). Doravante,

DIL será usado como referência a esta disciplina específica, e Lógica será usada genericamente

como referência ao campo de conhecimento.

Sobre o ensino de lógica, várias considerações e restrições podem ser feitas:

 Comumente ao se falar em Lógica, enquanto componente curricular, reduzimo- la à lógica clássica. Um problema daí decorre, pois além de a lógica não se reduzir a este sistema, a lógica clássica não é o instrumento adequado para trabalhar argumentos filosóficos (SANTOS, s/d).

 Quotidianamente, o raciocínio não é permeado pelas ideias da lógica clássica, desenvolvida num contexto em que os matemáticos precisavam demonstrar seus pressupostos. O problema surge na tentativa de aplicação desta teoria fora do campo da matemática (SANTOS, s/d). No dia a dia, as ideias não são unicamente

possíveis de serem validadas pela sua forma (e.g. modus ponens), sendo também avaliadas conforme o lugar, os agentes, a situação; sem necessariamente consistirem em argumentos classificados como falaciosos (WALTON, 2012).  A principal preocupação quanto ao ensino da lógica é a apreciação dos

estudantes sobre o componente curricular enquanto radicalmente diferente de outras disciplinas filosóficas, além da exposição da ideia que, em filosofia, não há conteúdos que estejam isentos de controvérsias. Neste sentido, a tarefa do professor é expor os estudantes a um conjunto de problemas e iniciá-los à análise de argumentos (SANTOS, s/d). Para os estudantes, a lógica consiste numa disciplina filosófica radicalmente diferente, em que há respostas certas e erradas, atribuindo-lhe um aspecto dogmático. Porém, essa ideia de “certo ou errado” não é fiel à natureza da disciplina, existindo de fato posições controversas mesmo dentro da lógica (e.g.: validade inferencial do modus ponens) (SANTOS, s/d).

 Do ponto de vista didático, a problematização do campo de conhecimento da lógica não pode ser iniciada cedo. Como criticar uma teoria que não se conhece? Ao mesmo tempo, como trabalhar perspectivas alternativas, que trabalham com a ambiguidade e certeza constituintes da linguagem ordinária (e.g: lógica modal, deôntica etc.), sem que antes sejam exploradas suas bases? (SANTOS, s/d).  Numa situação de avaliação formal da disciplina Lógica, os estudantes estariam

meramente evocando regras para validação de argumentos ou compreendendo estas regras e implicações e, por conseguinte, fazendo uma avaliação adequada do argumento? (SAUTTER, 2002).

Conforme exposto, embora o termo Lógica abranja uma diversidade de disciplinas (modal, deôntica etc.), neste estudo será focada a lógica clássica, tendo em vista a natureza dos conteúdos trabalhados em um dos grupo-alvo deste estudo.

Duas práticas pedagógicas focadas na melhoria da qualidade do raciocínio, a saber, DIL e DIP, consistem no foco deste trabalho. Suas características que colaboram para o desenvolvimento de competências argumentativas serão respectivamente exploradas a seguir.

2.5.1. Organização da Disciplina Introdutória à Lógica (DIL)

Na universidade em que este estudo foi conduzido, o componente curricular Lógica é lecionado de forma restrita em ciências humanas e de modo mais amplo nas ciências exatas, conforme sintetizado no Quadro 1 (informações extraídas do site da universidade-alvo). Quadro 1: Disponibilidade do componente curricular lógica na universidade-alvo deste estudo

Curso Componente Caráter Ementa

Biblioteconomia Lógica

aplicada à documentação

O Elementos de lógicas aplicados à documentação. Procedimentos válidos e gerais do pensamento: conceitos, juízos e raciocínios. A aplicação da lógica aos procedimentos e sistemas de recuperação da informação.

Ciência da Computação

Lógica para computação

O Introdução; lógica proposicional; lógica dos predicados; aplicações práticas para computação; tópicos avançados: lógicas não clássicas.

Lógicas não clássicas

E Lógica modal proporcional; modelos de Kripke; lógica temporal; lógica dinâmica; lógica dinâmica de primeira ordem; aplicações: lógica de programas.

Teoria da Prova

E Dedução natural. Cálculo de sequentes. Interpretação de Curry-Howard. Teorema de normalização. Eliminação do corte. Lógicas não clássicas.

Ciências Econômicas

Lógica Clássica

E De que trata a lógica clássica. Que é argumento. As proposições que compõem os argumentos. Argumentos dedutivos: categóricos, hipotéticos, incompletos e compostos. Validade dos argumentos categóricos e os diagramas de Venn. Argumento indutivo e a probabilidade indutiva. A enumeração, analogia e generalização estatística. As falácias formais e informais. A lógica como instrumento de descoberta da verdade: uma visão histórica Engenharia da

Computação

Lógica para Computação

O Introdução; lógica proposicional; lógica dos predicados; aplicações práticas para computação; tópicos avançados: lógicas não clássicas.

Filosofia Lógica II O Introdução: aspectos históricos do desenvolvimento da lógica. Lógica aristotélica. Indução, definição, falácias, conjuntos. Lógica matemática clássica. Lógica proposicional. Lógica de predicados de 1ª ordem.

Lógica Informal

E Os fundamentos da lógica informal. Validade argumentativa e persuasão. Estudo detalhado das falácias informais.

Lógica Modal E O que é lógica modal. Introdução histórica à lógica modal. A lógica proposicional £p (revisão). A linguagem proposicional modal £pm. Lógica modal quantificada. Lógica modal e filosofia.

Psicologia Lógica I E De que trata a lógica. Que é argumento. As proposições que compõe os argumentos. Argumentos dedutivos: categóricos, hipotéticos, incompletos e compostos. Validade dos argumentos categóricos e os diagramas de Venn. Argumento indutivo e a probabilidade indutiva. A enumeração, a analogia e generalização estatística. As falácias formais e informais. A lógica como instrumento da descoberta da verdade: uma visão histórica.

Legenda: O: obrigatório; E: Eletivo.

Com base no Quadro 1, pôde-se visualizar que em ciências humanas (psicologia, filosofia, biblioteconomia e economia) a Lógica é lecionada em caráter obrigatório apenas para filosofia e biblioteconomia, ainda que neste segundo caso, os conteúdos sejam ministrados de forma mais compacta e direcionada para as práticas profissionais. Observou-se também a densidade de conteúdos ministrados em filosofia, curso no qual também são oferecidas outras duas disciplinas, ainda que em caráter eletivo: modal e informal, ministradas no 5º e no 7º períodos, respectivamente. Dado o seu caráter obrigatório, Lógica II2 costuma ter entre 20 e 40 estudantes, tanto do bacharelado, quanto da licenciatura em filosofia.

No curso de graduação em psicologia, a Lógica I é ofertada como eletiva no segundo período, tanto no atual perfil curricular (2013), quanto no anterior (1994). É aberta a estudantes de quaisquer períodos, inclusive de outros cursos. Observou-se que este componente costumou ter entre 10 e 20 matriculados, porém com disponibilidade de 40 vagas.

Outro ponto em relação ao ensino de lógica na universidade-alvo deste estudo, é a reformulação da ementa ocorrida após a reformulação do projeto político-pedagógico de biblioteconomia, que resultou na remoção de conteúdos e maior direcionamento dos conteúdos para o curso.

2 Doravante as disciplinas Lógica II e Lógica I serão genérica e indistintamente chamadas de Disciplina Introdutória à Lógica, pois no grupo DIP houve estudantes de ambas as disciplinas.

A DIL, do modo que é ministrada a um dos grupos-alvo deste estudo, tem como foco os seguintes conteúdos, distintos em função do curso na qual é lecionada. Embora sejam apresentadas duas disciplinas no quadro abaixo, elas serão tratadas indistinta e genericamente como DIL, tendo em vista que participaram do presente estudo estudantes das duas disciplinas.

Quadro 2: Organização da DIL

DISCIPLINAS

DIL I DIL II

CONTEÚDOS

Aspectos históricos da lógica Aspectos históricos do desenvolvimento da lógica Proposições, Argumentos Lógica aristotélica

Tipos de argumentos: dedutivo (categórico, hipotético, incompleto composto) e indutivo

Indução, definição, falácias, conjuntos

Lógica aristotélica: validade e diagramas de Venn

Lógica matemática clássica

Falácias formais Lógica proposicional

Falácias informais Lógica de predicados de 1ª ordem

Fontes: Ementas curriculares das disciplinas

Com base no Quadro 2, observou-se que as disciplinas variam essencialmente no aprofundamento quanto ao ensino dos conteúdos. Além disto, o foco comum das disciplinas consiste essencialmente na relação entre premissas e conclusões, de modo a testar a validade dos argumentos. Desta forma, a validade lógica de um argumento é trabalhada tanto em termos de regras, como representações (diagrama de Venn) e provas mais elaboradas (cálculo lógico).

Tanto Lógica I como Lógica II são lecionadas com carga horária total de 60 horas-aula, distribuídas no decorrer de 15 semanas (1 semestre letivo). Lógica I é lecionada duas vezes por semana, cada aula com duas horas-aula de duração, enquanto que Lógica II é lecionada uma vez por semana, com 4 horas-aula de duração. Ambas as disciplinas têm como método de ensino: (a) aulas expositivas, nas quais um assunto é explanado pelo docente responsável, mediante prévia sugestão de leitura aos estudantes; (b) resolução de exercícios, tanto de forma intraclasse como extraclasse, sobre os conteúdos ministrados; (c) realização de duas atividades avaliativas em sala de aula, geralmente individuais; (d) elaboração de dois trabalhos sobre temas específicos da ementa, normalmente falácias informais e indução, individualmente ou em dupla, nos quais pede-se definição dos conceitos e análise de exemplos inéditos e criados pelos estudantes.