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4. ANÁLISES DOS DADOS

4.1. CATEGORIAS ANALÍTICAS

4.1.2. Evidências

4.1.2.2. Pseudoevidência

A pseudoevidência se diferencia da evidência genuína por não ser nitidamente distinta da descrição da sequência causal em si. As pseudoevidências aparecem como um cenário, ou roteiro, que descreve como um fenômeno em particular pode ocorrer. Um roteiro é compreendido como uma descrição generalizada de uma sequência de eventos, de modo a cobrir uma variedade de instâncias específicas, servindo para mostrar como os eventos descritos podem plausivelmente levar ao consequente. Desta forma, a pseudoevidência pode ser considerada como uma evidência por ilustração.

a) Roteiros narrativos

Este tipo de resposta apresenta fortes caracteres narrativos.

Exemplo 13: Participante 15 (DIL), tópico reincidência, turnos de fala 254-267

E: O que você acha que faz com que adolescentes que já se envolveram em atos infracionais, mesmo que já tenham cumprido alguma medida sócio-educativa, voltem a praticar infrações?

P(...) Esse cara que eu tava conversando, ele falou que ele conheceu um menino lá de onze anos, pô, pela primeira vez foi pra lá, e tinha matado tanta gente, o pirraia! E ele falou que era um menino inteligentíssimo, inteligentíssimo! E matou o padrasto. Agora diga, o padrasto estuprava ele e a mãe dele. Eu digo: eu mataria! Pode ser um psicopata, pode ser uma pessoa... mermão! Aí você vai pra lá, aí o menino de onze anos sendo torturado dentro de um presídio, tá ligado, mataram ele dentro do presídio e não foi um presidiário que matou. Aí você vê isso, uma criança assim, “certo, ele matou o padrasto, ele tinha motivo”, tinha, se é que se tem motivo pra matar alguém, mas ele não deveria ter ido prum presídio. Nem pra um sanatório, porque sanatório é trinta vezes pior. Entendeu? Deveria existir uma estrutura, toda uma estrutura de ajuda social pra essa criança! Porque pra uma situação chegar, pra um menino de onze anos enrolar uma arma num pano e matar o cara na cozinha, nem aí pra se outra pessoa tava ouvindo, é porque a situação tava horrível! E ele não era o bandido da situação. Aí tem aquela outra questão, porque aconteceu dentro de casa, o padrasto dele nunca foi pego! (...)

A teoria causal da participante 15 consistiu na ideia que para diferentes tipos de pessoas são atribuídas diferentes causas para a reincidência: existe aquela pessoa que faz pela

exemplo 13 mostra uma pseudoevidência com roteiro narrativo, no qual a participante conta uma história para sustentar a ideia de que a reincidência de adolescentes em atos infracionais é causada pela ausência de caracteres socioeducativos na detenção [linha causal influência].

b) Deslocamento da causa para a consequência

Neste tipo de resposta, o participante desloca da causa do fenômeno para a consequência e, neste caso, falha ao diferenciar entre causa e remediação.

Exemplo 14: Participante 15 (DIL), tópico reincidência, turnos de fala 242-253

E: O que você acha que faz com que adolescentes que já se envolveram em atos infracionais, mesmo que já tenham cumprido alguma medida sócio-educativa, voltem a praticar infrações?

P: (...) Ou seja, não existe medida sócio-educativa. Existe um, um quadro de punição, e... essa punição cria um senso de vingança contra todo o sistema social, ou seja, uma pessoa que cometeu uma infração, passou por uma medida sócio-educativa, que, a gente já definiu que não é sócio-educativa, ela vai ter uma revolta contra as pessoas no geral, que é a sociedade total, que construiu e deixou se construir essa medida sócio-educativa, porque a gente não construiu presídio com nossas mãos, nós não governamos o presídio, mas nós estamos aqui, dentro da universidade, fazendo nada, entre aspas, não é fazendo nada em relação ao mundo, mas a gente não tá lá, a gente não observa, a gente não quer nem saber! A gente não sai procurando notícias sobre isso! A gente sai vendo Cardinot e achando que tá tudo... sensacionalismo da vida. Entendeu? A gente não procura porque nós não nos interessamos, quem não vê ela num é inocente? E aí nisso, essa revolta contra a sociedade em si e ela sai dizendo que “mermão, eu me fudi porque eu fui burra, vou fazer duas vezes mais agora! Porque eu já passei uma vez e vou passar de novo!

No exemplo 14, em vez de a participante reter o foco na causalidade do fenômeno (adrenalina, necessidade e influência), foca na consequência (“não existe medida sócio- educativa”), criticando, inclusive, o consequente (“... mesmo que já tenham cumprido alguma medida sócio-educativa...”)

c) Roteiros em forma de instâncias específicas

Neste tipo de resposta, ocorrências de domínios específicos são elencadas como suporte à teoria causal.

Exemplo 15: Participante 15 (DIL), tópico reincidência, turnos de fala 216-225

E: O que você acha que faz com que adolescentes que já se envolveram em atos infracionais, mesmo que já tenham cumprido alguma medida sócio-educativa, voltem a praticar infrações?

P: (...) O motivo da galera que faz por necessidade já em si é uma necessidade. Entendeu? Quem... A necessidade pode surgir de onde? Pode surgir do vício, que seria o vício de drogas, e se você tá num meio que estimula o seu vício de drogas, então você, um vício no caso, uma droga pesada, uma droga que deixa mesmo a pessoa dependente de forma que você nem é você mais, você tá nesse meio e você não é uma pessoa muito bem colocada nas camadas sociais, ou seja, você participa de uma classe baixa, você participa de um meio violento, você participa de um meio onde a regra de vida é “ou mata, ou morre”.

Ou seja, o que a pessoa tá fazendo ali, ela vai absorver aquilo, inconscientemente ou conscientemente, ela vai entrar naquele meio, ela vai gerar uma necessidade, seja por fome, seja por droga, seja pela questão da influência, e ela vai fazer aquilo.

O exemplo 15 denota um roteiro em forma de instância específica tendo em vista que a participante elenca um caso específico (vício de drogas) para sustentar a ideia de que a necessidade causa a reincidência de adolescentes em atos infracionais.

d) Roteiros como ilustrações (não falseáveis)

Neste tipo de pseudoevidência, já que os exemplos são provados, a teoria é provada, sugerindo novamente que os exemplos são a prova. Além disto, este tipo de resposta é mais superficial do que um roteiro em forma de instância específica.

Exemplo 16: participante 2 (TCH), tópico reincidência, turnos de fala 68-70

E: Como você sabe que é a falta de acompanhamento é a causa pra reincidência em atos infracionais? P: Pessoas... é... pessoalmente, porque, talvez se, se eu não tivesse tido acompanhamento que eu tive, quando eu fui uma criança, eu talvez eu não tivesse aqui (...)

O exemplo 16 denota um roteiro como ilustração não falseável (ou argumento por exemplo), no qual a participante recorre a um exemplo singular e superficial para sustentar a sua ideia: já que o seu exemplo é provado (“se eu não tivesse tido o acompanhamento que eu tive quando fui criança, eu talvez não estivesse aqui”), sua teoria de que a falta de acompanhamento é a causa da reincidência de adolescentes infracionais é provada, sugerindo que seu exemplo se constitui na prova da teoria causal.