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3 A CONSTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO

3.1 TEORIAS DE ARGUMENTAÇÃO

3.1.1 Aristóteles: a Arte da Retórica

A origem da filosofia da linguagem se deu na construção da Arte Retórica de Aristóteles, demonstrando visões diferenciadas das exploradas por outros autores como Platão. A constituição de um método para a Retórica de Aristóteles estava intimamente ligada ao mundo das opiniões, à forma com que era possível comunicar

ideias socialmente, ao que era considerado verossímil e que possibilitasse o entendimento dos meios de persuasão elencados em cada situação.

Ao reconhecer a Arte Retórica como uma ramificação da política, Aristóteles destaca que seu objetivo não poderia prejudicar a vida social política e nem tratar da imoralidade, mas sim ocupar-se da arte da comunicação e dos discursos proferidos em instâncias sociais com fins persuasivos. Para Aristóteles (2005 [1252]), o construto teórico em torno da Retórica estabeleceu a divisão de saberes em três aspectos: o epistêmico, o prático e o poético.

Segundo Aristóteles, uma das funções da Retórica era diferenciar os meios possíveis de persuasão de acordo com a situação em curso, ou seja, perceber “a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir” (ARISTÓTELES, 2005 [1252], livro I, cap. 2, p. 322-384). Para Lima (2011), a retórica pode ser definida como

o jogo retórico – construído de entrecruzamentos de discursos – é socialmente configurado na medida em que cada cidadão pode expressar (livremente) as suas ideias, respeitando as leis da pólis e, ao mesmo tempo, participando da construção social que também busca o aperfeiçoamento dessas mesmas leis. (LIMA, 2011, p. 63).

Ricoeur (2005, p. 21) reconhece a obra de Aristóteles como a concepção de três pilares diferentes, que se complementam, “uma teoria da argumentação, uma teoria da elocução e uma teoria da composição do discurso”. A colocação de Ricoeur (2005, p. 21) reforça seu discurso ao atribuir à obra aristotélica a afirmação de que “constitui a mais brilhante das tentativas de institucionalizar a retórica a partir da filosofia”. Para Aristóteles (1959 [1254a], I, IV), embora a Arte Retórica tenha abrangência, ela não deve ser considerada um sinônimo de persuasão.

Vê-se, pois, que a Retórica não se enquadra num gênero particular e definido, mas se assemelha à Dialética. Igualmente manifesta é sua utilidade. Sua tarefa não consiste em persuadir, mas em discernir os meios de persuadir a propósito de cada questão, como sucede com todas as demais artes. (ARISTÓTELES, 1959 [1254a], I, IV, p. 14).

O autor buscava defender o propósito da Retórica e sua utilidade, sendo ela uma forma de discernir os meios de persuasão. Registra-se, assim, que a obra aristotélica foi dividida em três livros. O primeiro foi dirigido ao emissor da

mensagem, tratado como orador; o segundo livro foi destinado ao receptor da mensagem, claramente o público; e o terceiro livro tratou da mensagem, a forma em que são concebidas as palavras no discurso. Aristóteles ampara a visão de que a composição retórica se dá por meio de um orador, de um público e de uma mensagem, o que remete à concepção dos argumentos em face das emoções que são recebidas pelo público e à ordem de constituição em que se dá a mensagem.

Na tentativa de elucidar a composição retórica de Aristóteles, Reboul (1988, p. 43) sustenta sua divisão em quatro aspectos: “inventio, a invenção, dispositio, a disposição, elocutio, a elocução, e actio, a ação”, refletindo, assim, um caminho que os discursos perfazem até chegar ao seu público. A Figura 2 representa o esquema exposto por Almeida Júnior (2009) para apresentar a retórica aristotélica.

Figura 2 - Proposta esquemática para a Arte Retórica aristotélica

Fonte: (Almeida Júnior, 2009, p. 71).

A primeira fase do discurso, denominada invenção, estabelece uma relação da necessidade do que dizer. Isso envolveria o público, que, para Aristóteles, referia- se a tipos diferentes de auditório, dando origem a um caráter sistemático, sendo denominados três gêneros, (i) deliberativo, que busca persuadir ou dissuadir (trata da vida política/Senado), assembleias; (ii) judiciário, que se refere às esferas de

acusação e defesa (julgamento/juízes) e leva em consideração a justiça e a injustiça; (iii) epidítico, que objetiva um elogio ou uma censura, em forma de aprovação e/ou desaprovação. O gênero escolhido, o judiciário, dá suporte para a elaboração do discurso que pode levar em consideração “provas técnicas” como: a) o ethos (produção de confiança e fé por meio do orador); b) o pathos (o auditório é levado à emoção pelo orador); c) o logos (o que parece ser verdade é mostrado pelo orador). Essas provas técnicas são fatores responsáveis e contribuintes para a realização do ato de persuasão, ou seja, da argumentação.

As etapas expostas pela Figura 2 elucidam um percurso que vai desde a invenção de um discurso até a sua ação, considerando, em suas teorias, a construção e elaboração das ideias, como entinemas7. Nesse contexto, Aristóteles (2005 [1252]) aponta para a necessidade de se observar o “poder da linguagem”, pois ao mesmo tempo em que ela orienta as pessoas, não é neutra, e pode, da mesma forma, desorientar. Em outro vértice, a invenção de um discurso, sua constituição em entinemas, ou a oratória em curso, pode retratar o poder da linguagem nos tribunais quando se tem, por exemplo, um ganho de causa. Dessa forma, não deve ser lido e muito menos interpretado se o discurso não estiver intimamente ligado à ética ou à política.

As contribuições retóricas de Aristóteles deixam clara a visão de sociedade grega da época, ao definir os três gêneros como sua base teórica e colocar as “provas técnicas” como uma das principais ferramentas de persuasão em um discurso. Filósofo da opinião, como foi definido por Ricoeur (2005), Aristóteles contribuiu ao tratar da persuasão em conflitos da sociedade, ao expor como se constituem os silogismos8 e ao considerar a intencionalidade e a imprevisibilidade como elementos essencialmente humanos, difíceis de serem esquecidos em um contexto discursivo. É por essa razão que insere conceitos de premissas, proposições e/ou ideias que dão o ponto de partida para que se possa chegar a uma conclusão; são elas premissas de raciocínios considerados necessários ou preferíveis.

7“[...] chamo entimema ao silogismo retórico e exemplo à indução retórica” (ARISTÓTELES, 2005 [1400], p. 98).

8 Para Aristóteles, “o silogismo é um raciocínio em que, postas algumas coisas, seguem-se necessariamente algumas outras, pelo simples fato de aquelas existirem” (ARISTÓTELES, 2005 [1400], p. 98).

Os raciocínios elencados por Aristóteles nada mais são que os argumentos utilizados para persuadir, comover ou convencer um público específico. A aceitação geral que se espera de um auditório/público tem como fundamento os lugares comuns, mais conhecidos como topoi, em que dispõem de esquemas para fundamentar uma aceitação geral, do que é provável. Os topoi são os argumentos e as linhas de interesses apresentados pelas partes envolvidas na discussão, colocando a retórica no status de parte da dialética. A dialética, outro conceito importante para o autor, pode ser definida como “a arte que descreve os meios empregados na demonstração e na refutação” (FIORIN, 2014 p. 59), ou seja, é por meio dela que se pode compreender os caminhos utilizados na construção retórica, uma forma de discernir os elementos de persuasão de um discurso e, principalmente, as relações sociais estabelecidas.

Esses conceitos elucidados a partir da retórica Aristotélica permitem o entendimento de que a argumentação é desenvolvida com base nas experiências sociais, e as influências culturais de cada povo trabalham com o verossímil. Vale lembrar que a teoria foi elaborada em uma época em que a sociedade observada era a grega. Assim, Aristóteles (2005 [1252], p. 2) a definiu em “[...] a cidade não se compõe apenas de indivíduos reunidos em maior ou menor número; ela se forma ainda de homens especialmente diferentes; os elementos que a constituem não são absolutamente semelhantes”. Ademais, a formação social da época e suas ideologias poderiam interferir em evidências e verdades. Embora existam diferenças culturais e sociais, a sociedade grega serviu como base para este estudo da eupraxia9, possibilitando a compreensão do agir, do que é verdadeiro, justo e bom. Entretanto, os vestígios dessa teoria são evidenciados por uma postura reflexiva e, ao mesmo tempo, filosófica, na intenção de colaborar com as construções de realidade, norteando o exercício da cidadania e a vida social.

Certamente, uma das intenções de Aristóteles foi demonstrar ao homem o poder da palavra e a sua possibilidade de dominação, pois seus estudos expressam as ideias de que os discursos são elaborados em situação de oposição a outros discursos. A produção de discursos próprios que fossem capazes de “conduzir as paixões” de seus ouvintes seriam possibilidades de auxiliar no entendimento e confronto de ideias que surgiam nas relações sociais cotidianas.

A variabilidade da argumentação, que depende da sociedade e sua constituição cultural, tem influência também sob outras teorias. Assinala-se que a base argumentativa de Aristóteles deixou indícios para outras construções teóricas, como a Nova Retórica, que surgiu em 1958, a partir dos estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca, cujos conceitos serão abordados na próxima seção.