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3 A CONSTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO

3.1 TEORIAS DE ARGUMENTAÇÃO

3.1.2 Perelman e Olbrechts-Tyteca: a Nova Retórica

A Nova Retórica possui uma vinculação com a tradição da dialética grega,

retóricae, e demonstra uma ruptura com a concepção de razão e raciocínio, que teve

sua origem com Descartes. Toda essa concepção, que marcou os três últimos séculos, desde a era aristotélica, apresenta seu cunho na filosofia ocidental e foi menosprezada por teóricos e lógicos do conhecimento no que se referia a “saber persuadir e convencer”. Porém, constituiu-se como Nova Retórica ao passo que retomava, de forma vigorosa e renovada, aspectos referentes aos retóricos antigos e clássicos dando-lhe uma nova roupagem.

Perelman, em conjunto com Olbrechts-Tyteca, elaborou uma “reabilitação” da Retórica de Aristóteles, ao estabelecer suas reflexões sobre argumentação, e alguns conceitos novos tornaram possível a ampliação teórica sobre argumentação. A visão da Nova Retórica expressa por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) versa, principalmente, sobre seu interesse em uma “lógica dos julgamentos de valor”, pois a motivação surgiu inicialmente de questões jurídicas, do estudo do comportamento dos oradores do Direito.

Essa teoria objetiva tratar de um “acordo” entre o orador e seu auditório, conceitos estes desenvolvidos com maestria, que foram considerados pelos autores como recursos disponíveis para “adesão dos espíritos”. Via de regra, a exposição das técnicas de utilização de linguagem para persuadir e convencer seu auditório, por meio do discurso, perpetuou por toda a teoria, as construções de discursos que visam à adesão do auditório e os discursos aceitos como verdadeiros.

A filosofia do direito tornou-se um dos pontos de contribuição para Perelman e Olbrechts-Tyteca, que entendiam o conhecimento jurídico como uma das portas para explorar as decisões, sendo elas justas, razoáveis ou “decisões igualmente cabíveis” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 16). Com isso, os conceitos

Figura 3 - Tipos de auditório

base da Nova Retórica são inseridos a partir das noções de auditório interno e universal, conceitos que funcionam como ampliação acerca do discurso argumentativo. Nesse caso, são classificados três tipos de auditórios: o auditório universal, formado por homens adultos e normais; o auditório formado no diálogo pelo interlocutor a quem se dirige e o leitor; e o auditório constituído pelo próprio sujeito, quando ele delibera ou figura as razões de seus atos. A partir do tratado, a premissa é a de expressar as condições do orador no auditório, em relação ao discurso. A organização e as características dos auditórios podem ser observadas na Figura 3.

Fonte: (Elaborado pela autora com base em Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1996).

Em referência ao auditório, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 18), “para argumentar, é preciso ter apreço pela adesão do interlocutor, pelo seu consentimento, pela sua participação mental”. Ou seja, é necessário que orador e interlocutor formem um par, preocupando-se e interessando-se mutuamente no decorrer da argumentação.

Torna-se relevante expor a importância do discurso, o cuidado que o orador precisa ter na discussão com certos indivíduos para que não perca a validade de sua argumentação. Como afirmam Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 20), “prender a atenção de público indiferente é condição indispensável para o andamento de qualquer argumentação”. No mesmo sentido, tem-se em mente que,

para que uma argumentação se desenvolva, “é preciso, de fato, que aqueles a quem ela se destina lhe prestem alguma atenção” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 22). Além disso, a argumentação necessita de um orador que tenha autoridade perante o auditório para tomar a palavra e desenvolver seu discurso.

A noção de auditório traz em voga vários aspectos referentes a técnicas de argumentação, precisando-se que nenhum auditório é igual ao outro, e “é em função do auditório que qualquer argumentação se desenvolve” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 22). Dessa forma, o orador deve, de acordo com os autores, adaptar-se ao auditório, uma vez que a Retórica envolve um raciocínio ordenado. Entra em questão a diferença entre persuadir e convencer. Persuadir refere-se à argumentação apenas para um auditório particular, específico. Já convencer visa à obtenção, adesão de todo o ser racional. Desse modo, Perelman e Olbrechts-Tyteca afirmam que “chamar de persuasiva uma argumentação que pretende valer exclusivamente para um auditório particular e chamar de convincente aquela que se tem por capaz de alcançar a adesão de todo ser de razão” (1996, p. 36) seria considerar os conceitos de auditório interno e universal como os definidores da ferramenta de argumentação.

Outros pontos de contribuição da Nova Retórica dizem respeito à apresentação dos dados, à forma dos discursos e à questão dos lugares e sua influência, pois os autores amparam a visão de que "a linguagem não é somente meio de comunicação, é também instrumento de ação sobre as mentes, meio de persuasão" (1996, p. 150). Assim, torna-se relevante também a especulação sobre matéria, forma e utilizações do vocabulário adequado a cada auditório. São variados os recursos discursivos e técnicas utilizadas para que a argumentação possa atingir um de seus objetivos: a persuasão.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) retomam, de certa forma, uma reabilitação da retórica aristotélica, fazendo jus à Nova Retórica, tematizando outra possibilidade de lidar com valores e com as formas de justiça. Com a evolução desde a era aristotélica, as teorias fizeram novas adequações conforme as necessidades sociais de argumentação. Sendo assim, Plantin (2008) afirma que a argumentação passou a ser uma fonte de recursos perigosa nas mãos da mídia, seja para a persuasão com vistas ao consumo, seja para assuntos mais sérios capazes de envolver justiça, corrupção e conduta social.

Os conceitos estabelecidos pelos autores, como auditório e razão prática, apresentam um parâmetro de igualdade e liberdade que direciona as relações, principalmente quando o objetivo é o reestabelecimento da justiça. Dessa forma, expõe-se o poder entre o orador e o respectivo auditório, o que faz pensar nos conceitos de universal e ideal por eles explorados. A Nova Retórica apresenta-se em uma posição de expor o contra-argumento de autoridade que, no tocante à teoria da argumentação, é o que rege os discursos. Todavia, há uma impregnação de retoricidade filosófica, em que se apresentam vantagens, principalmente simétricas, no que concernem a pares como orador e ouvinte, e que representam escolhas disponíveis ou facilitadas por esses participantes em meio a um discurso.

Compete então à Nova Retórica a contribuição de “inventário das formas argumentativas”, ou seja, a retomada de constructos teóricos relevantes e sua nova roupagem, da mesma forma que a elaboração de novos conceitos com vistas a colaborar com os estudos da argumentação. Para tanto, não se exclui a noção de que as formas básicas e a essência da argumentação são de “natureza discursiva”. Ademais, o desenvolvimento teórico da argumentação não tem seu fim na Nova Retórica. Novos autores surgem para demonstrar outros elementos e possibilidades existentes na elaboração de uma argumentação.

Dessa forma, a próxima seção destina-se a expor e discutir conceitos relativos à teoria desenvolvida por Toulmin (2006) e seus usos da argumentação.