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4 LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: REGISTRO, PROCESSOS

4.3 PROCESSOS SOCIOSSEMIÓTICOS: A CARTOGRAFIA DE MATTHIESSEN

4.4.1 Significados interpessoais na constituição do discurso

A utilização de significados interpessoais na comunicação é feita para manifestar as relações que podem ser desenvolvidas com outras pessoas e, naturalmente, o que é pensado e realizado em relação a elas. A organização de significados fica mais fácil quando um significado particular é associado a uma situação específica, como nos significados interpessoais em que os participantes da interação ora assumem papel de falante, ora de ouvinte. Para Fontaine (2013, p.109), importa destacar a criação do significado a partir da "intrusão" pessoal do falante sobre a situação que está ocorrendo na língua e como ele faz seu uso para interagir com os outros. Já segundo Halliday (1985), diferentes redes sistêmicas

codificam diferentes espécies de significado, ligando-se, pois, às diferentes funções da linguagem, no caso da interpessoal, o indivíduo vai dar ou receber bens e serviços (GOUVEIA, 2009, p. 37).

Schlee (2006, p. 1008) segue na mesma perspectiva ao afirmar que “a natureza da linguagem relaciona-se diretamente às demandas que lhe fazemos”, uma vez que a linguagem acaba expondo as necessidades que o indivíduo apresenta em determinada interação social. Para Barbara e Gomes (2010), nessa concepção a linguagem é compreendida na estrutura social que a cerca, na relação que existe entre ambas, levando em consideração o contexto em que ocorre o evento comunicativo.

Com isso, a metafunção interpessoal foi descrita por Halliday (1985) como a constituição das trocas de significados nas orações. Inicialmente, Halliday descreveu o Sistema de Modo com o foco nas declarações, e, posteriormente, a Modalidade como uma noção primária de termos ideais, subdividida em modalização e modulação. Os sistemas interpessoais da oração - modo, polaridade, modalidade e avaliação modal - foram desenvolvidos, posteriormente, como “recursos para negociação em diálogo” (HASAN; MATTHIESSEN; WEBSTER, 2005, p. 814).

A relação estabelecida por Eggins (1994) traz à tona que, na função interpessoal, quando um orador organiza a mensagem e define seu papel, acaba por fazer escolhas implícitas ou explícitas que dizem respeito aos valores modais que podem ser expressos por ele em diferentes graus e categorias. Ao se levar em consideração que a metafunção interpessoal está preocupada com a forma como o falante e o destinatário desenvolvem a interação, deve-se considerar que ela trata de recursos gramaticais passíveis de papéis sociais em uma interação dialógica. Com isso, é possível, por meio da interação, mudar e manter as relações interpessoais (MATTHIESSEN; HALLIDAY 2007, p. 12). A base de interação revela uma variedade de relações que permitem as escolhas de estratégias semânticas para a comunicação. Via de regra, a gramática fornece o recurso básico para que ocorra a expressão das funções de fala pertencentes ao sistema de MODO.

Com base na vertente interpessoal do significado, no sistema de MODO, o falante assume um papel social na situação de fala e, ao fazê-lo, atribui um papel ao destinatário, de um modo que as interações estejam repletas de comprometimento, ou não. Para Halliday (2002), por meio dos papéis de fala as pessoas posicionam-se em situações comunicativas, ao incorporar na linguagem opções para seu próprio

Figura 16 - Funções de Fala

papel de comunicação e aumentar o comprometimento com o que dizem, fazendo afirmações, perguntas, trocando significados e/ou solicitando bens ou serviços. Conforme Fontaine (2013, p. 134), são "diferenças no papel de comunicação adotado pela interação dele com um ouvinte", ou com um falante, e isso terá uma repercussão maior dependendo da situação e do seu interesse comunicativo. Na constituição do Inteiro Teor de Acórdão, o intuito está na compreensão de como é construído o significado a partir da interação, como o orador utiliza a linguagem para construir sua argumentação, nesse caso a Ministra Relatora, os Ministros que votam e as Instituições e seus advogados participantes. A Figura 16 demonstra como se constitui a realização dos papéis de fala na perspectiva sistêmico-funcional.

Fonte: (Adaptado de Halliday e Matthiessen, 2004, p. 107).

A constituição da Figura 16 explicita que, no papel de troca, podem ser apresentadas duas opções principais: a de oferecer e a de solicitar. O papel de oferecer pode cumprir as funções de troca de informações, em que se terá uma declaração ou uma pergunta; ou bens e serviços, em que a troca será uma oferta ou comando.

Na interação, normalmente o orador exerce um dos papéis de fala (OFERECER e SOLICITAR), que pode ser como demonstrado na Figura 16, qual seja uma declaração ou uma pergunta, que consistirá em uma proposição; ou uma oferta ou um comando, que será uma proposta. Quando o falante faz esta opção, seleciona automaticamente o papel a ser assumido por seu interlocutor, mesmo que

não seja o desejo deste último. O falante pode ainda definir um papel para a sua própria fala, dando mais ênfase e comprometimento ao seu discurso.

Ao realizar a troca verbal em que o falante oferece ou solicita informação/bens e/ou serviços, está envolvido, além dos papéis sociais, o grau de formalidade esperado para a situação. Nesse sentido, o propósito do falante realizar- se-á no uso da língua, mas apenas será bem sucedido se for bem recebido e atendido pelo seu interlocutor (THOMPSON, 2004, p. 46). Na circulação dos significados interpessoais que ocorrem durante as trocas de papéis em uma interação, importa saber que o sistema de MODO, os modos declarativo, interrogativo e imperativo terão relação direta com as oscilações existentes nas trocas interativas de papéis de fala, durante uma argumentação, por exemplo.

Quadro 4 - Funções de fala e modos oracionais

Valor Trocado

PROPOSIÇÕES – Modo oracional

DECLARAÇÃO PERGUNTA

“A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura”

Declarativo “Reclamar, portanto,

de quê, se no palanque da praça conclamou a ouvir

sua voz?”

Interrogativo

PROPOSTAS – Modo oracional

OFERTA COMANDO

“Coloco-me a disposição para esclarecimentos”

Interrogativo “Sorria, você está

sendo filmado” Imperativo

Fonte: (Adaptado de Fuzer e Cabral, 2014. p. 108).

As proposições se referem às trocas de informação e se dão de forma declarativa ou interrogativa. Já as propostas correspondem à troca de bens e serviços e, assim, sua realização ocorre por meio dos modos interrogativo e imperativo, em oferta e comando. Cabe ao ouvinte aceitar ou recusar o comando que lhe foi dado, tendo em vista uma ação em andamento (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). As proposições, por exemplo, podem ser operadas pelo modo indicativo, ao indicar uma ação, algo certo. Do mesmo modo, as propostas podem ocorrer a partir do imperativo, por meio de uma ordem, conselho ou pedido.

Ao observar a estrutura de MODO, oração por oração, é possível perceber como o evento comunicativo vai se desenvolvendo por trocas na interação (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004). Essas trocas são definidas pelo uso da modalidade, com a qual o falante disponibiliza a sua posição.