• Nenhum resultado encontrado

3 A CONSTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO

3.1 TEORIAS DE ARGUMENTAÇÃO

3.1.3 Toulmin: “os usos do argumento”

As teorias argumentativas tiveram sua evolução e, por coincidência, ou não, Toulmin lançou sua primeira obra sobre argumentação no mesmo ano em que Perelman: no ano de 1958. As duas teorias demonstraram propostas sintetizando novos conhecimentos, Perelman reformulou a contribuição da retórica. Já Toulmin optou por apresentar algo novo, como o desmembramento da estrutura de um argumento. Embora as teorias falassem sobre argumentação, não eram consideradas “teorias da argumentação” e buscavam algo que fugisse à abordagem lógico-formal estudada até o momento.

As pesquisas modernas apontam “Os usos do argumento”, de Toulmin (2001), como o ponto inicial de uma busca por um enfoque pragmático, em dois sentidos: praticidade e utilidade (SANTIBÁÑEZ, 2015), e que levasse em

consideração os aspectos da lógica como relevantes para a prática da argumentação. Cabe mencionar que Toulmin (1996) presumiu, no decorrer de suas pesquisas, a constituição dos argumentos em partes, sua possibilidade de movimentação por diferentes campos da argumentação e a facilidade de reprodução de argumentos em determinados contextos.

Um dos campos/áreas mais explorados tanto por Perelman como por Toulmin, que deram base para o desenvolvimento de suas teorias argumentativas, foi a jurisprudência, os contextos e os procedimentos dos processos jurídicos. Com isso, argumentar, para Toulmin (1996), significa propor pretensões, fazer com que elas entrem em questão, ao mesmo tempo respaldá-las, criticá-las e, de certa forma, refutar essas críticas elaboradas. No mesmo contexto, o argumento é como “um organismo: tem uma estrutura bruta, anatômica, e outra mais fina e, por assim dizer, fisiológica” (TOULMIN, 2006, p. 135), isto é, uma constituição que se dá no envolvimento dos sujeitos, na forma em que ocorre a interação humana e que possibilita a formulação, o debate e/ou o desfecho de raciocínios. Por sua vez, o argumento como “um organismo” apresenta unidades significativas que são respectivamente, de acordo com o autor, “órgãos”, que foram trabalhados como elementos estruturais do argumento.

Registra-se que uma das maiores preocupações do autor foi estabelecer de forma estrutural uma interpretação da argumentação, de modo que a “validade ou invalidade” do argumento estivesse relacionada à sua construção, ou seja, sua composição. Com a construção da argumentação em variados contextos, houve por parte de Toulmin (2006) a necessidade de definição de dois tipos principais de argumentos: os substanciais e os analíticos, tendo em vista a possibilidade de expressão de várias formas, em contextos diferentes. O primeiro refere-se à capacidade de sobreviver a críticas; já o segundo, à inadequação a muitos contextos, portanto, fáceis de diluírem. Essas concepções apontam para a necessidade que o autor tinha de expressar como se constituía a estruturação do conhecimento de ciências como a Sociologia e a Antropologia, entre outras, e de como era possível a justificativa de seus julgamentos.

Na tentativa de não perder de vista a lógica aplicada, ou seja, a praticidade de forma ativa da argumentação e suas noções, seria necessário considerar várias possibilidades, apresentando, desde Aristóteles, uma configuração inicial de análise

de argumentos com a) premissa menor, b) premissa maior e, por conseguinte, c) conclusão. A partir dessas considerações iniciais, Toulmin (2006) percebeu que a configuração aristotélica não dava suporte a vários contextos, inclusive o da jurisprudência. É por esse motivo que Toulmin passou a considerar um grande número de possibilidades e distinções em sua estrutura de argumento.

Ao reconhecer a possibilidade de estruturar o argumento, Toulmin (2006) começou seu trabalho por identificar as diferenças entre alegação e conclusão. A Alegação/Conclusão (C) pode ser entendida como uma asserção final, uma tese. O autor apontou como fatos para iniciar o argumento, os quais podem ser recorridos como fundamentos ou informações, a denominação de Dados (D). Em verdade, apenas com esses dois elementos apresentados poderia se ter uma resolução, pois Toulmin (2006, p. 141) afirma que “dados do tipo D nos dão o direito de tirar conclusões C (ou de fazer alegações C)”, isto é, a partir dos Dados seria possível presumir uma Conclusão.

Em outro vértice, o autor desenvolve essas proposições com um tipo de Garantia (W - Warring)10, que de fato corresponde a “padrões práticos ou cânones de argumento” (TOULMIN, 2006, p. 141); em suma, não é algo que comprove de fato autenticidade, mas contribui para se chegar à alegação. Com a apresentação desses três elementos, Toulmin compõe o “primeiro esqueleto” que serve de base para análise de argumentos, e que pode ser observado na Figura 4.

O que se demonstra é que a Conclusão/Alegação vem diretamente dos Dados (D) e as Garantias (G) são apenas uma forma explanatória que pode registrar uma legitimidade envolvida no argumento. Assim, concebe-se a principal diferença entre Dados e Garantias quando “recorre-se a Dados de modo explícito; e a Garantias, de modo implícito” (TOULMIN, 2006, p. 143).

10

Toulmin identificou a estrutura do argumento com o uso de (D) para Data, (W) pata Warrant, (C) para Claim, (B) para Backing, (Q) para Qualifier e (R) para Rebuttal. Neste trabalho, empregaram-se as iniciais das palavras correspondentes em língua portuguesa: (D) para Dados, (G) para Garantias, (A) para Alegações. Da mesma forma, os elementos que aprecem em sequência foram empregados como: (Ap) para Apoio, (M) para Modalizador e (R) para Refutação.

Figura 4 - Layout de argumentos

Fonte: (Toulmin, 2006, p. 143)

Via de regra, as Garantias apresentarão uma generalização, diferente dos fatos oferecidos como Dados. Um dos pontos importantes dessa conceituação é que a distinção é feita principalmente nos tribunais de justiça, o que de fato interessa nesta pesquisa. Em detalhe, apresentam-se, no Quadro 2, exemplos com base no

corpus de análise.

Quadro 2 - Usos dos argumentos no corpus

Dados (D)

“Ação direta de Inconstitucionalidade, com requerimento de medida cautelar, ajuizada em 5.7.2012 pela Associação Nacional dos Editores de Livros- ANEL...”

Garantia (G)

“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Alegação (A) “O recolhimento de obras é censura judicial, a substituir a administrativa”. Fonte: (Elaborado pela autora a partir de dados do corpus).

No Quadro 2, são expressos exemplos de como se constituem Dados (D), Garantias (G) e Alegações (A) presentes no corpus. Acrescenta-se que há garantias de vários tipos e, dependendo do objetivo de aplicação, podem “conferir diferentes graus de força às conclusões que justificam” (TOULMIN, 2006, p. 144), uma vez que podem autorizar o uso de “Qualificações Modais”, ou “Qualificadores Modais (M)”, elementos que auxiliam na construção da força que a Garantia pode conferir. Assim, a complexidade de um argumento pode ser maior, com o acréscimo de elementos como a Exceção e/ou Refutação (R), que demonstram circunstâncias em que se

deve desconsiderar a autoridade da Garantia, em virtude de invalidar uma conclusão que pode ser garantida pelo Modalizador. Ao autor interessa apresentar os elementos possíveis de um argumento, ao passo que “os novos dados podem servir para aumentar o número de indícios, e podem também ser citados para confirmar ou refutar a aplicabilidade de uma Garantia” (TOULMIN, 2006, p. 147).

O desafio de não tornar válida uma Alegação (A) pode envolver a credibilidade dos argumentos expostos. Portanto, além das Garantias (G) pode haver, em verdade, outras formas de autoridade e vigência. Essas formas de suporte às Garantias são denominadas como Apoio (B - Backing), ou seja, uma afirmativa que justifica a Garantia, mas é necessário o cuidado para estabelecer relações entre ele e os Dados, pois, caso contrário, pode causar problemas mais adiante no desenvolvimento da argumentação. De forma a elucidar os conceitos expostos em relação aos elementos do argumento, a Figura 5 os ilustra, demonstrando suas posições, funções e ordem.

Figura 5 - O modelo de Toulmin

A ordem dos elementos expressa na Figura 5 expõe a necessidade de organização do argumento, de forma que não pode ser classificada como uma estrutura final, pois dependerá do contexto em que o argumento está situado e sua referência em fato ou direito.

A constituição da Alegação (A) se dá pela colocação dos Dados (D), igualmente a Garantia (G) pode ser autenticada, porém, caso haja necessidade, um Qualificador Modal (M) é inserido para dar força ao argumento. Embora exista a possibilidade de Refutação (R) em forma de desafio, pode ainda inserir-se o Apoio (Ap) como uma forma de justificar a Garantia (G) já exposta.

Quando uma proposição é realizada, a pretensão é a de que se saiba a verdade, assim espera-se que as razões sirvam à relevância de convencimento e ganhem força. Nessa situação, Santibáñez (2015, p. 253) afirma que muitas vezes a força das razões pode ser independente da pretensão, mas, ao mesmo tempo, a “relevância depende do contexto”, ou seja, das escolhas que são realizadas na situação de elaboração que resulta da proposição.

A definição de argumentos como “a cadeia de raciocínio ou sequências interconectadas entre pretensões e razões” e “argumentação como a totalidade da atividade de exposição das pretensões”, elaboradas, de acordo com Santibáñez (2015, p. 257), por Toulmin, determina apenas a descrição de “um fenômeno distinto em relação ao estado intencional da crença”, isto é, o autor reforça a ideia de que Toulmin proporciona, por meio de sua teoria, duas condições a serem observadas: a social e a psicológica na elaboração de um argumento.

Por essa razão, Santibáñez (2015, p. 252) referencia os elementos apresentados por Toulmin como desenvolvedores de “um papel fundamental na desconstrução dos argumentos, mostrando uma engrenagem que tem pouco a ver com a lógica silogística e muito com o raciocínio habitual de jurisprudência”; em resumo, reforça e justifica a ideia de argumentação a ser desenvolvida nesta tese. Em outro ponto, é preciso destacar que, após esse período da elaboração da teoria dos usos do argumento, de Toulmin (2006), o percurso argumentativo continuou trazendo contribuições de outros autores. Compete à próxima seção acrescentar as noções de “Ato Argumentativo”, elaboradas por Van Eemeren e Grootendorst.