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Arquipélago digital global de acesso e uso de novas mídias

No documento PORTCOM (páginas 39-42)

Um erro comum de boa parte da literatura entusiasta da globalização da tecnologia é assumir que essas novas cama- das ou espaços de uso e interação de mídia estão amplamente disponíveis em âmbito global. Na realidade, o mundo da mídia global, particularmente a nova mídia, é estratificado de acordo com classe, educação, alfabetização, renda e lugar. A maioria das pessoas no mundo não tem acesso às novas ferramentas e canais que possuem algumas das camadas descritas anterior- mente. Em muitos lugares, particularmente na África e no sul da Ásia, o acesso a uma simples transmissão de rádio ou TV ainda é bastante limitado.

Mattelart (2002) descreveu esse contexto como um ar- quipélago global ou uma economia global “techno-apartheid” (p. 607), dos incluídos na economia global rica em informação, concentrada nos países ricos da União Europeia, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia e partes do leste da Ásia, mas da qual quase 80% da população mundial está excluída (MAT- TELART, 2002, p. 608). Esse arquipélago global de alta renda e conectividade tende a reunir internet, satélite, TV a cabo, te- lefonia celular e outros acessos e usos de mídia. Esse arquipé- lago é um lugar único, onde as pessoas têm facilidade de buscar informações, entretenimento e interação globais, em formatos diferentes de TV, internet, jogos, áudio via web, dispositivos móveis ou outros canais. Em muitos aspectos, essa infraestru- tura está começando a convergir na internet e, com menor in- tensidade, em alguns tipos de telefones celulares. A maioria das pessoas no arquipélago digital tem acesso físico a conexão com a internet e a educação, capital cultural e capital social que os habilita a usá-los habilmente para seus próprios interesses. A maioria dos usuários, pelo menos nas áreas urbanas principais deste arquipélago, tem acesso a internet em banda larga.

A penetração da banda larga é um bom indicador das ca- racterísticas gerais do arquipélago dos altamente conectados. Relatório Internacional de Telecomunicações apresenta suas linhas gerais (I.T.U., 2007, p. 9):

Os países ricos dominam a penetração da banda larga. Cerca de 70%, ou quase três quartos dos assinantes de banda larga em todo o mundo em 2006, estavam locali- zados em países de alta renda, responsáveis por apenas

16% da população mundial. Além disso, duas economias - Índia e Vietnã - representavam mais de 95% de todos os assinantes de banda larga em países de baixa renda, enquanto uma economia única - China - respondia por 94% dos assinantes de banda larga no grupo de renda média baixa. A boa notícia é que vários países em desen- volvimento estão experimentando um crescimento de banda larga. No Peru, por exemplo, o número de assi- nantes de banda larga cresceu cerca de 80% ao ano en- tre 2001 e 2006, de 22,779 mil em 2001 para 484,899 mil no final de 2006. Na Europa, mais da metade da po- pulação da Estônia usa internet e o país tem a maior pe- netração de internet em banda larga na Europa Central e Oriental. Nos países menos desenvolvidos, porém, ha- via apenas 46.000 assinantes de banda larga nos 22 dos 50 desses países com serviço de banda larga em 2006 (I.T.U., 2007, p. 9).

Em 2018, o relatório da ITU observava que a banda larga crescia lentamente, mas que o acesso limitado à mídia global via telefonia celular padrão estava crescendo muito mais ra- pidamente (ITU, 2009). Estudos com usuários de países em desenvolvimento, no entanto, tendem a mostrar pouco uso internacional de telefones celulares, exceto para chamadas internacionais, principalmente por imigrantes e suas famílias (CORBETT, 2008).

Mesmo dentro do arquipélago com acesso a alta tecnolo- gia global, pessoas com menos educação tendem a ter menor acesso e uso menos lucrativo da sua conectividade (MATTE- LART, 2002). Habitantes de áreas rurais, pessoas menos ins- truídas ou que simplesmente não possuem capital cultural ou hábitos de grupo (BOURDIEU, 1984) não têm necessariamen- te interesse, capacidade ou prioridade em seguir os mesmos padrões urbanos ou dos mais instruídos dentro do arquipélago. Os estudos do Pew Research Center sobre internet nos Esta- dos Unidos observam que um número razoável de pessoas não conhece o suficiente para usar a internet de forma simples e outros a percebem como distante dos seus interesses e reper- tórios pessoais de entretenimento e informação.

Fora do arquipélago global, existe outro modelo para a co- nectividade do mundo. Muitos dos maiores países em desen- volvimento, como o Brasil, a Rússia, a Índia e a China e outros países em desenvolvimento têm um grande número de usuá- rios de internet e de TV por satélite. Eles ainda são internamen-

te mais estratificados que nos países de alta renda da OCDE. Enquanto 3,5% do Brasil tem conectividade de banda larga, um total de 34% usa a internet, muitas vezes tentando obter acesso em locais públicos ou em conexões caseiras com baixa velocidade (STATS, 2009). A maioria usa a internet apenas com entendimento parcial dos recursos, e é frequentemente frus- trada pela baixa conectividade. Enquanto muitos usuários de elite de países em desenvolvimento se juntam ao arquipélago global descrito anteriormente, a maioria da sua população está excluída. E muitos nem sabem que estão excluídos.

Há ainda outro mundo na maior parte da África, grande parte da Ásia, do mundo árabe e da América Latina, onde qua- se todas as pessoas são excluídas, mas com uma pequena elite globalizada de novos usuários de mídia em empresas, em algu- mas áreas urbanas e em algumas ONGs e instituições educa- cionais. Este mundo exclui 90% ou mais de todos os usuários potenciais da Internet (I.T.U., 2009).

Outro padrão divide o uso da internet, da TV a cabo e via satélite, especialmente na Índia e em grande parte do Oriente Médio. Enquanto a internet continua restrita, a TV via satéli- te e/ou a cabo tornou-se uma verdadeira mídia de massa em países como a Índia (SINCLAIR, 2005). Mudanças estruturais ocorreram nos serviços de TV a cabo e via satélite para reduzir preços, de modo que os cabos em uma grande cidade indiana pudessem custar menos US$ 5,00 por mês. Na maioria dessas situações, entretanto, uma alteração estrutural paralela foi re- alizada para focar nos canais regionais, translocais, geocultu- rais ou transnacionais que visam a população em questão com sua própria cultura (KUMAR, 2006). Grandes esforços foram feitos para localizar ou regionalizar a televisão por satélite e a cabo, desafiando outro aspecto da sua suposta globalização.

No documento PORTCOM (páginas 39-42)

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