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Múltiplas identificações, identidade e hibridismo

No documento PORTCOM (páginas 54-61)

Há uma contínua e complexa interação entre as forças da economia e da tecnologia, exemplificada pelos serviços de te- levisão via satélite, redes de transmissão de TV e empresas de internet citadas anteriormente e os padrões de cultura e linguagem a longo prazo. Em grande parte, a audiência se identifica com o que é mostrado. O domínio extraordinário da distribuição global de filmes pelos Estados Unidos desde a dé- cada de 1920 resultou em padrões culturais de familiaridade, conhecimento e gosto por filmes de estilo americano que ain- da existem em muitas partes do mundo (MILLER, 2001). Isso criou um mercado a explorar, definido tanto pela economia po- lítica quanto pela cultura de novos filmes de longa metragem e documentários, como a HBO ou o Discovery, usando novas tecnologias de distribuição de televisão, que reforçam o públi- co desses gêneros. Para um grande número de pessoas, a iden- tificação com filmes de Hollywood se acumula onde há uma camada de cultura familiar às pessoas, identificada por Gitlin (2001) como camada cultural americana de produção, fluxo e consumo, uma segunda cultura familiar para muitas pessoas no mundo.

Para usar um exemplo bem diferente, a primazia histórica do serviço público de radiodifusão nos países nórdicos e sua criação contínua de gêneros, formatos e conteúdo que envol- vem e agradam o público criou padrões de boa vontade, fami- liaridade, capital cultural ou conhecimento, e padrão de gosto que continua a definir as preferências da audiência, mesmo quando há concorrência. Com base no sucesso de gêneros cul- turais e informativos competindo na TV multicanal de trans- missão via satélite/cabo, muitos escandinavos parecem iden- tificar claramente o que poderia ser considerada uma camada cultural de produção razoavelmente estável em formato de consumo de programação informativa e cultural tipicamente identificadas com o serviço público de radiodifusão. Essas for- mas são identificadas, até certo ponto, com a cultura nacional e também continuam se conectando e reforçando uma cama- da do que pode ser vista como identidade nacional em um país como a Dinamarca (SØNDERGAARD, 2003).

A criação de um espaço ou mercado linguístico-cultural se entrelaça com forças econômicas e tecnológicas. Em seu es- tudo do desenvolvimento do nacionalismo, Anderson viu no capitalismo impresso um trabalho com linguagens ou dialetos

existentes para padronizá-los e disseminá-los, através da pa- lavra impressa em jornais, romances etc., até se tornarem lin- guagens nacionais padronizadas (ANDERSON, 1983). Em seu trabalho sobre a Índia moderna, Kumar (2006) mostra como o hindi tem sido difundido e resistido como língua nacional den- tro da Índia, mantida por diferentes instituições de televisão, tanto em nível nacional quanto regional. Ao transmitir notícias e culturas com as quais as pessoas se identificam, várias dessas emissoras regionais ou provinciais da Índia, serviram para re- forçar os sentidos regionais de identidade, que já se baseavam em formas de linguagem e de cultura anteriores à televisão, ao rádio ou ao cinema.

A interação é de fato complexa. A identificação da audiência e os sentidos agregados da identidade cultural mudam com as formas da mídia. A cultura não é estática. Os sentidos de iden- tificação da audiência podem aumentar na medida em que as formas de mídia trouxerem novas formas culturais atraentes com as quais se identificam. Essa é uma das maneiras pelas quais as camadas de cultura, produção, fluxo e identificação podem aumentar, chegando às múltiplas camadas apresenta- das anteriormente neste artigo.

Formas mutantes de cultura (e linguagem) estão em curso e também definem espaços e mercados nos quais é definido o uso de tecnologias e orientações de instituições de mídia e em- presas. Havia um ponto na história da transmissão televisiva na Itália, que mostrava como existiam audiências surpreendente- mente grandes para as telenovelas latino-americanas. À medi- da que os canais aumentavam a busca de novo material para a programação, os programadores experimentavam as teleno- velas e encontraram repercussão ou identificação com faixas do público – foi quando estudiosos europeus começaram a de- bater se um contra fluxo dos países em desenvolvimento para os desenvolvidos poderia estar em andamento (BILTEREYST e MEERS, 2000). A preferência implícita por versões produ- zidas localmente de formatos populares de televisão também pôde observada e antecipada (STRAUBHAAR, 1991) e a pro- dução de ficção italiana começou a crescer, provando ser lu- crativa e lentamente empurrando as telenovelas para fora dos principais horários na grade de programação nacional (BUO- NANNO, 2004). Para parte da audiência italiana, particular- mente no sul da Itália, onde muitos tinham mais vínculos com a imigração e laços familiares com países como a Argentina e o Brasil, a identificação e o padrão de gosto por tais progra- mas permanecem (DEL NEGRO, 2003). As identificações com

programas específicos refletem mais uma vez o crescimento de múltiplas camadas de identificação e identidade. Elas não são essenciais ou reificadas, mas devem ser consideradas em um ambiente cultural e midiático em constante mudança, no qual tecnologias, empresas de televisão, formatos de programas e identificação com o público evoluem juntos.

Esse padrão contínuo de mudança pode ser considera- do tanto como hibridismo como multiplicação de camadas de produção, programação/fluxo e identificação. O hibridismo é registrado na mudança cultural em curso através dos contatos de elementos locais, regionais, nacionais, transnacionais e glo- bais, como discutidos anteriormente. As camadas de produção e identificação cultural se multiplicam conforme as forças eco- nômicas e tecnológicas permitem. Segundo os entrevistados no Texas e no Brasil, muitas dessas camadas de cultura que es- tão disponíveis e com as quais muitos se identificam parecem ser bastante sólidas, que não antecipam mudanças. Os imi- grantes latinos entrevistados no Texas, assim como os imigran- tes turcos na Europa Ocidental entrevistados em pesquisas conduzidas por Ogan (1998), mostram que muitos imigrantes apreendem uma continuidade da cultura encontrada na tele- visão quando voltam para casa. Eles apreciam essa camada de cultura e identificação, mesmo quando constituem outras ca- madas em seu novo ambiente.

Essas camadas de produção e fluxo cultural, porém, evoluem de acordo com as possibilidades tecnológicas e econômicas. Canais de televisão acessíveis por satélite tornam muito mais fácil para os imigrantes transnacionais permanecerem envolvi- dos e identificados com sua cultura local. (Levas anteriores de imigrantes tinham menos opções de mídia e eram mais propen- sas a usar os meios dos seus novos países se quisessem usar a mídia). Eles também evoluem com a mudança, ou hibridização, de formas de cultura, que refletem e enquadram possibilidades tecnológicas e econômicas. Assim, à medida que a televisão se torna mais barata e as pessoas começam a criar seus próprios fóruns culturais em sites, vemos o crescimento da produção de televisão em idioma persa em Los Angeles para imigrantes ira- nianos (NAFICY, 1993). Observamos um número ainda maior de sites, programas de web rádio e até canais de TV por saté- lite especializados em imigrantes do sul da Ásia nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, alguns focados em eventos do sul da Ásia e muitos na experiência dos imigrantes e notícias à sua comunidade (MALLAPRAGADA, 2006). Esses exemplos mos- tram a reciprocidade dos canais econômicos, tecnológicos, cul-

turais e midiáticos. As pessoas se movem principalmente por razões econômicas, embora razões políticas, familiares, religio- sas e outras também contribuam (PAPASTERGIADIS, 2000). Enquanto se movem, levam junto seus interesses culturalmen- te organizados. Isso cria espaços ou mercados para a atuação de novas camadas de mídia se as possibilidades econômicas e tecnológicas permitirem. Todos, em última instância, tendem a criar uma nova camada de produção, experiência e recepção, ou seja, mídia, identificação e identidade específicas para uma nova comunidade de imigrantes e sua cultura. Essas comunida- de e cultura representarão tanto uma hibridização das culturas de origem e do país de acolhimento como uma nova camada de mídia e cultura em si.

Para concluir, este artigo analisou, portanto, quatro con- juntos de teoria. Primeiro, consideramos a elaboração e o de- senvolvimento das novas camadas múltiplas de produção de mídia, fluxo, identificação e, eventualmente, de identidade. Em segundo lugar, há uma interação recíproca entre possibilidades tecnológicas, forças político-econômicas, movimento de povos e expansão de instituições de mídia e empresas, e espaços de mídia criados por identidades culturais e interesses de grupos de pessoas. O resultado disso tem sido a expansão das cama- das de produção e recepção da cultura no império global das exportações americanas, no âmbito linguístico-cultural trans- nacional, geocultural, translocal, nacional, regional, global ou de capital de mídia, metropolitana e em níveis locais.

Em terceiro lugar, em vez da homogeneização temida pe- los primeiros teóricos (HAMELINK, 1983) constatamos uma hibridização menos drástica de culturas, mas talvez igualmente generalizada. Tanto os profissionais das organizações de mídia quanto os representantes da audiência entrevistados por mim tendem a articular o que consideram como aumento no núme- ro de camadas ou tipos de cultura (frequentemente expressos como novos mercados pelos profissionais), camadas que tam- bém estão em constante mudança, pois interagem e hibridi- zam ao longo do tempo. Em quarto lugar, este também é um sistema complexo e dinâmico que está em constante evolução (STRAUBHAAR, 2007), na medida em que as possibilidades culturais, político-econômicas e tecnológicas interagem e se moldam mutuamente.

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