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Complexo Transnacional

No documento PORTCOM (páginas 51-54)

Precisamos olhar com mais profundidade algumas das for- ças motrizes por trás do crescimento das complexas camadas transnacionais de produção, fluxo e identificação. Elas incluem as principais línguas diaspóricas regionais e globais e os merca- dos linguísticos culturais, tanto transnacionais quanto geocul- turais, discutidos antes neste capítulo. Também incluem o fluxo e a adaptação de modelos capitalistas, globais, transnacionais ou regionais, e um desenvolvimento essencial, relacionado ao crescimento das principais capitais da mídia (CURTIN, 2003) ou metrópoles de produção e cidades globais (SASSEN, 2004).

Em muitas partes do mundo existe um capitalismo verda- deiramente globalizado. Isso pode ser observado no nível ele- mentar das formas econômicas e das formas específicas dos gêneros midiáticos. Traz consigo formas culturais importantes, como a o moderno estilo de rede americana de televisão co- mercial, o videoclipe comercializado, ou a forma ocidental de profissionalização da notícia. Há, no entanto, muitas variações regionais, nacionais e até locais. Por exemplo: além do nível bá- sico do próprio capitalismo existe um modelo único para o tipo de modernidade capitalista que muitos países em todo o mun- do agora adotam? Ou existem modelos japoneses e chineses de modernidade da mídia capitalista, como sugerido por Iwa- buchi (2002) ou David Harvey (2005), que agora servem de modelo para outros lugares na Ásia, na América Latina etc. Es- tes modelos podem ser mais acessíveis e aparentemente mais realistas do que os modelos americano, britânico ou francês.

Em um exemplo interessante, com mais de meio século, ob- servamos as formas de transmissão comercial da TV na Amé- rica Latina e, em particular, a forma como produziram seu pro- duto mais famoso, a telenovela. Ali, talvez antes de qualquer outro lugar do mundo, podemos ver o impacto dos formatos de transmissão de rede comercial de estilo americano que se mos- traram tão influentes nas décadas de 1980 e 1990 em lugares como a Europa. Esses formatos e modelos surgiram com for- ça total muito antes na América Latina, com o rádio nos anos 1920 e a televisão nos anos 1950. Na década de 1930, vemos as modernas corporações americanas acostumadas a um tipo de transmissão em rede predominantemente comercial que costumavam usar para vender seus produtos começando a usar e adaptar os mesmos formatos para a América Latina.

Usando um caso bem específico, a Colgate-Palmolive, prin- cipal multinacional americana de sabonete, ajudou a desenvol- ver uma fórmula americana de melodrama que chamamos de

soap-opera nos Estados Unidos. Ela rapidamente migrou para Cuba, então o mercado latino-americano mais desenvolvido, primeiro no rádio dos anos 1930 e depois na televisão dos anos 1950 e se espalhou rapidamente por toda a América La- tina. Algo como uma prévia da globalização capitalista da mídia e da cultura, mas olhando mais de perto vemos um processo bem mais complexo – uma combinação de tradições do gênero, estruturas da indústria da televisão, produtores de TV e audi- ências televisivas produziu a telenovela latino-americana como uma variação distinta da noção globalmente dispersa do melo- drama, da qual a novela americana é apenas uma variação bas- tante bem-sucedida. Os seus produtores, primeiro em Cuba e depois em outras partes da América Latina, se baseavam em novelas europeias, novelas de rádio e televisão americanas, adaptações cubanas e de outros latino-americanos desses gê- neros e tradições culturais locais e nacionais emergentes que se prestavam ao melodrama na televisão (LOPEZ, 1995; LA PASTINA, REGO et al., 2003). A resposta do público garan- tiu que os anunciantes aportassem recursos econômicos para a produção continuada e ampliada de telenovelas em um nú- mero crescente de países. O feedback da audiência moldou as produções longe dos dramas, focados na elite, em uma forma de cultura de massa que ecoou numa variedade de tradições e tramas que envolviam homens e mulheres, camponeses, tra- balhadores urbanos e a classe média (MARTÍN-BARBERO, 1993). Essa formação cultural se espalhou por toda a América Latina, com variações distintas e adaptações, de modo que as telenovelas brasileiras fossem bem diferentes das do México (HERNANDEZ, 2001).

Em uma dessas pequenas ironias da vida, Fidel Castro pro- vavelmente não pretendia, conscientemente, acelerar e con- solidar as redes comerciais de televisão americana no resto da América Latina quando expulsou tantos profissionais da mídia comercial de Cuba em 1959. Mas foi exatamente isso o que aconteceu quando muitos roteiristas, diretores, gerentes e proprietários de rede, atores e técnicos altamente capacitados deixaram Cuba em direção à Venezuela, ao México, ao Brasil, à Argentina e ao Peru. Esses profissionais tinham noção de como trabalhar o modelo da rede americana e alguns gêneros, como o show de variedades e a telenovela. Baseados na experiência cubana e refletindo a experiência americana, rapidamente de- senvolveram uma série de variações para se adequar ao mer- cado latino-americano em geral, bem como aos lugares em que trabalhavam. Pegaram literalmente centenas de milhares de páginas de scripts e outras fórmulas concretas que permitiram

que usassem os seus conhecimentos de forma rápida e eficaz, não muito diferente da rápida e massiva difusão dos reality shows nas últimas décadas.

Um dos meus projetos atuais é trabalhar a história oral com Joe Wallach, um dos principais profissionais da Time Life Inc., que em 1965 veio ao Brasil para iniciar um empreendimento conjunto com Roberto Marinho, dono do jornal O Globo e várias emissoras de rádio, que queria entrar na área da tele- visão. Acho que ele estava ciente tanto das vantagens e des- vantagens, pontos fortes e fracos de um modelo de televisão americano transportado para a América Latina. Percebeu que algumas características do modelo americano, particularmen- te de formato financeiro, de rede de radiodifusão e de geren- ciamento central aparentemente funcionariam bem no Brasil, mas também reconheceu muito rapidamente, no final de 1965, que algumas ideias dos seus colegas americanos sobre como programar a televisão, principalmente importando muita pro- gramação americana, não funcionariam. Simplesmente não teriam retorno financeiro. A emissora Time Life/TV Globo es- tava em quarto lugar entre as quatro emissoras do Rio. Então ele procurou profissionais locais que pudessem fazer progra- mação local, que seria mais popular entre os brasileiros. Este é um exemplo muito antigo de como até mesmo os principais pilares do capitalismo internacional reconheceram a necessi- dade de localizar suas estratégias e se adaptar às formas locais de desenvolvimento capitalista e de definição cultural de mer- cados. Assim, um dado essencial que observamos na evolução da modernidade capitalista atual é a adaptação desses mode- los. Isso foi visível no início da TV na América Latina, mas tam- bém recentemente no Leste da Ásia, no Sul da Ásia, no mundo árabe e em várias partes da Europa, onde regiões linguísticas e geoculturais de indústrias culturais locais e transnacionais se encontram.

Também observamos o crescimento de grandes centros de produção, capitais de mídia (CURTIN, 2003) ou cidades glo- bais de produção. Elas incluem Rio de Janeiro, Cidade do Mé- xico e Miami (SINCLAIR, 2003) para a América Latina; Hong Kong e Xangai como grandes centros de produção na China para grande parte da Ásia; Beirute e Cairo no mundo árabe etc., cuja base real tem sido e continua a ser os mercados lin- guísticos geoculturais e culturais transnacionais.

No documento PORTCOM (páginas 51-54)

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