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Uma “regionalização” das agências na globalização?

No documento PORTCOM (páginas 178-182)

A literatura especializada em agências de notícias também dedica atenção a um termo que é familiar à geografia, embora neste contexto seja adotado muito menos como categoria ana- lítica e mais como jargão nascido nos ambientes corporativos dessas empresas para descrever estratégias de mercado geo- graficamente específicas: a regionalização.

Ribeiro (2016, p. 195-196) enfatiza a diferenciação entre a regionalização como fato e a regionalização como ferramen- ta, em que a primeira estaria mais arraigadamente atrelada às “condições historicamente construídas da reprodução social” e vinculada “aos jogos dinâmicos da disputa de poder, inscritos nas diferentes formas de apropriação (construção e uso) do território”, enquanto a segunda seria mais instrumento da ação hegemônica para submeter os lugares e os territórios às de- mandas dos centros de poder, inclusive nos traçados de fron- teiras impostos pela colonização.

Como explica Boyd-Barrett (1980, p. 60), “o termo ‘regio- nalização’ aplicado às agências mundiais é vago, e se refere amplamente à extensão pela qual uma agência diferencia mer- cados, ou adapta um serviço para adequar-se a demandas es- pecíficas dos clientes”, sejam eles individuais ou “de países ou regiões geográficas específicas”. Jansen (2010, p. 182) prefere definir o termo como “o expansionismo das operações globais de uma agência de notícias em diferentes territórios geográ- ficos e geopolíticos”, em tentativa de competir por mercados globais.

A regionalização das notícias dá origem e perpetua a fragmentação da notícia. Fragmentação da notícia descreve uma condição em que os contextos sociocul- turais e históricos em que um fato ocorre são perdidos por causa de um estilo de reportagem que o isola. Faz sentido que a fragmentação surja da necessidade de escrever com concisão e condensar matérias no espa- ço limitado das agências de notícias. [Mas] Os detalhes sobre o fato são perdidos. (JANSEN, 2010, p. 182)

Na prática, o discurso corporativo de “regionalização” das agências de notícias mais bem descreve um processo que, em lugar de nascido na análise teórica em campo acadêmico, aten- de aos interesses do capital. O que elas costumam designar por essa terminologia descreve uma política corporativa que envolve fundamentalmente dois fatores simultâneos: (a) des- centralização administrativa-gerencial, inclusive com autono- mia relativa de tomada de decisões, para escritórios da agência

localizados fora da sede, geralmente em outros continentes, para atender de maneira específica e mais próxima os clientes de determinada área; e (b) adaptação de conteúdo jornalístico segundo aquilo que se prevê que o cliente prefira ou que de fato se saiba por solicitações dos assinantes, em relação a idio- ma, assuntos privilegiados (pauta) e certas idiossincrasias da cultura jornalística de determinado país ou região5. Num arti-

go em que trata do imperialismo de mídia das agências trans- nacionais, Boyd-Barrett (1981) comenta as estratégias então recentes de regionalização por parte da Reuters e das outras “Quatro Grandes”.

As principais agências baseadas no Ocidente – seja em resposta a críticas ou não – ampliaram sua aten- ção à cobertura regional mesmo no Terceiro Mundo. Na Reuters, por exemplo, há evidências de decisões políticas de alto nível nas décadas de 1960 e 1970 para promover maior “regionalização” de notícias para os mercados do mundo menos desenvolvido, com o estabelecimento de serviços africanos mais especia- lizados, um serviço árabe para o Oriente Médio, um serviço para o Caribe e assistência na criação de uma agência cooperativa latino-americana, a LATIN. No entanto, tais tentativas de “regionalização” encontra- ram apenas sucesso limitado, e as principais agências ajustaram suas estratégias de acordo com isso. Por que apenas sucesso limitado? Se os clientes de mídia nos EUA dependessem, para notícias internacionais, não das atuais “Quatro Grandes”, mas de agências de notícias baseadas em países não-ocidentais, dificil- mente tolerariam tal estado de coisas com equanimi- dade. Da mesma forma, é duvidoso que os países em desenvolvimento possam jamais ficar inteiramente confortáveis com a dependência de agências de po- tências estrangeiras. (BOYD-BARRETT, 1981)

A Agence France-Presse, desde meados dos anos 1990, criou escritórios específicos para processar o influxo noticioso na América Latina (em Montevidéu), na Ásia (Hong Kong), no Oriente Médio (em Nicósia, no Chipre) e na América do Norte (em Washington). Paradoxalmente, a estrutura de cobertura da África continua centralizada em Paris (CAJÉ, 2015, p. 66). A norte-americana Associated Press tem cinco sedes regionais: Europa (Londres), Ásia (Bangcoc), América Latina (Cidade do México), Oriente Médio (Cairo) e África (Johanesburgo). Já a espanhola EFE trabalha com uma hierarquia regional ligeira- mente diferente, com escritórios dedicados a cada serviço em

5. Por exemplo: no jornalismo brasileiro, é norma tácita não publicar notícias de suicídios, exceto de celebridades e figuras públicas. Em outros países, tal orientação não existe. No caso de uma agência de notícias transnacional distribuir esse tipo de notícia para jornais brasileiros, uma operação regionalizada pode filtrar o material impróprio, evitando constrangimentos e mantendo a adequação à demanda.

idioma e área de destino específico, incluindo América (Miami), Brasil (São Paulo), América Latina (Bogotá), América Central (Cidade do Panamá), Cone Sul (Montevidéu), Ásia (Bangcoc) e árabe (Cairo).

A regionalização operacional, entretanto, não implica re- gionalização de conteúdo, como mostra Boyd-Barrett (1980, p. 62-63): levantamentos nos anos 1950 apontavam que ape- nas 19% dos serviços da Associated Press para clientes asiá- ticos continham notícias sobre a própria Ásia; enquanto 32% dos despachos da Reuters para a África Ocidental eram sobre o próprio continente africano. Desde então, não há pesquisas quantitativas mais recentes que indiquem alteração significati- va nessa composição.

Cabe lembrar que a escala de “região” das agências de no- tícias é sempre supranacional, em geral continental ou inter- continental (como “Oriente Médio e Norte da África”, ou “Ásia- Pacífico”). Por conta da importância da tradução na rotina produtiva das agências, o critério linguístico tem papel prepon- derante na definição dessas regiões, sempre que possível bus- cando unidade do processamento de textos para determinado agrupamento. Em seu estudo sobre a inserção de agências transnacionais na África do Sul, Jansen (2010) identificou que a regionalização é adotada pelas empresas como estratégia para competição localizada, mas sem alterar o caráter priori- tário de seus clientes nos países onde estão sediadas. Segundo a autora,

há a tendência para competir em diferentes “contex- tos regionais” para atrair os mercados de notícias e de ser a principal fonte de notícias a partir destes contex- tos. Isto inclui, por exemplo, a criação de redes exten- sas, estrategicamente instalando sucursais dentro de “regiões periféricas” em todo o mundo (por exemplo, na África) e mantendo um fluxo constante de comu- nicação entre estas agências e a sede principal. (JAN- SEN, 2010, p. 185)

Discutindo o termo fora do contexto das agências, Amin (2006, p. 273) apresenta duas definições possíveis para regio- nalização: ou bem seria “um nível intermediário na perspecti- va liberal da mundialização”, orbitando “em torno de centros determinantes” (como os EUA para a América Latina, a União Europeia para o Leste Europeu e África, o Japão para o Su- deste Asiático) ou, no sentido oposto, seria “a forma adequa- da de uma desconexão” independentemente desses centros e

adaptada “às evoluções produzidas pelo sucesso das periferias ‘integradas’”. Na conjectura do autor, o futuro das dinâmicas internacionais situa-se em alguma linha mediana entre essas duas configurações, “sobre a base de uma quinzena de regiões organizadas em torno de poderes hegemônicos ou pelo menos determinantes locais”, estando “eles próprios em relações es- treitas com os centros do Norte”. De alguma forma, as agên- cias transnacionais parecem intuir esses pólos de atração, pe- las linhas nas quais segmentam suas regiões operacionais, bem como várias agências nacionais seguem-nas na disposição de suas praças de correspondência: uma para a América do Nor- te, uma para a América Latina, uma para o Extremo Oriente, uma para o mundo árabe e islâmico, etc..

Nesse ponto, as agências transnacionais se comportam como quaisquer outras empresas transnacionais (ETNs): con- firmam-se tanto a verificação de Boyd-Barrett (1980, p. 60) de que a maior parte do conteúdo dos serviços destas empresas é direcionada aos seus próprios países de origem quanto a de Dickson (2009, p. 162) de que três quartos da produção das ETNs são igualmente voltados para seus mercados consumi- dores domésticos.

Por outro lado, certos pontos são convergentes entre as duas interpretações do termo, a geográfica e a corporativa. Guardadas as devidas diferenças contextuais, a estratégia de regionalização adotada pelas agências de notícias guarda certa proximidade com a descrição do “princípio regional da Coesão Funcional ou da Polarização” (HAESBAERT, 2010, p. 134), es- pecialmente no que diz respeito à articulação em rede para a circulação de sua mercadoria: a informação.

Regionalização pareceria um movimento oposto à Globali- zação, ressaltando o particular em detrimento de um suposto universal. No entanto, apesar de em alguma medida resgatar a relação com o lugar, é um processo que não abala a hierarquiza- ção global-local, bem como centro-periferia. A regionalização, nas agências, significa uma inclinação à desverticalização, à fle- xibilização e à customização, todos aspectos característicos do modelo pós-fordista (DICKEN, 2009, p. 164). Santos e Arroyo (1997, p. 58) lembram que o processo de globalização compor- ta um conteúdo totalmente diferenciador do espaço geográfi- co, sendo a fragmentação a sua outra cara. Para agências de notícias (especialmente as transnacionais), que vivem de um altíssimo grau de padronização e centralização operacional, a regionalização como estratégia é uma alteração significativa.

No documento PORTCOM (páginas 178-182)

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