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Os usos existentes da tecnologia via satélite

No documento PORTCOM (páginas 42-45)

Os usos da tecnologia de TV via satélite são muito diferen- tes: global, transnacional, translocal e nacional. Existem vários canais globais, como veremos a seguir, mas a maioria deles está adaptada, pelo menos minimamente, para regiões e países es- pecíficos.

Há canais verdadeiramente globais de TV a cabo e via sa- télite, como CNN, MTV, HBO, ESPN, Discovery, Disney, BBC, Nickelodeon e Cartoon. Mas precisamos entender exatamen- te como eles são organizados e como funcionam exatamente. Alguns, como a HBO, são altamente centralizados com es- critórios regionais fazendo uma seleção entre o material dos Estados Unidos para localizar o que seria regionalmente mais apropriado, sem afetar sensibilidades locais. Assim, um escri- tório da HBO em Cingapura exerce algum grau de escolha e censura moral sobre o que está disponível na transmissão da HBO para Cingapura, Malásia e região, mas mesmo assim é um canal globalizado. Por outro lado, alguns ícones globais como a MTV ganharam popularidade e tiveram sucesso comercial precisamente por disseminar videoclipes, VJs e reality shows direcionados a jovens em versão nacional e regional, esta últi- ma se apresentando como tendência.

Quase todos os canais globais se localizam basicamente via tradução e dublagem. Aqueles que não o fazem extensivamen- te, como a CNN, permanecem limitados a pequenos segmen- tos do arquipélago em língua inglesa, com um público reduzido em relação aos padrões de TV, sinaliza Colin Sparks (1998) e outros autores. Alguns canais populares especializados vão um pouco além da dublagem, como o Discovery e o Cartoon. Am- bos conseguem transitar pela cultura local, fazer e circular pro- moções e apelos para atrair o público local ao que permanece em grande parte como programação globalizada (CHALABY, 2005). Esses canais são mais populares em nichos específicos, como classes médias com aspirações de ascensão educacional e crianças, como veremos a seguir. Muitos canais, particular- mente os de música, esportes, notícias, programas de entrete- nimento, descobriram que precisavam de uma melhor situação local para efetivamente competir com canais transnacionais e nacionais culturalmente mais específicos. Existe uma tendên- cia desses canais se regionalizarem e se concentrarem cada vez mais em casos nacionais que exigem maior especificidade para alcançar maior audiência e ter lucro (CURTIN, 2009).

O exemplo de Rudolph Murdoch na Ásia é interessante. Ini- cialmente, o magnata da mídia tentou cobrir toda a Ásia com

cinco canais de televisão: MTV Asia, um canal da BBC, Prime Sports de Denver, Star Plus de entretenimento e cultura e um único canal em mandarim. Ele rapidamente descobriu que pre- cisava privilegiar o nacional e agora possui mais de 50 canais destinados a localidades específicas, regiões de cultura parti- culares e países com diferentes alinhamentos.

Algumas das disputas mais ferozes empreendidas por Mur- doch e outros supostos titãs globais vêm de canais transnacio- nais que funcionam dentro de espaços ou mercados culturais, definidos pela linguagem e pela cultura. Muitos deles são ge- oculturais. Eles operam dentro dos espaços definidos de cul- tura e linguagem, em países próximos que compartilham não apenas idiomas, mas semelhanças culturais e históricas pré-co- loniais, em áreas como a Grande China ou o mundo árabe, ou línguas e histórias coloniais comuns, como a América Latina. Al- guns são espaços linguístico-culturais transnacionais, como os espaços culturais ou mercados de língua inglesa ou portugue- sa espalhados pelo globo, mas unificados por línguas coloniais, histórias compartilhadas e muitas vezes por novos exportado- res culturais pós-coloniais, como os Estados Unidos no mundo anglófono. Ou o Brasil no mundo lusófono. As redes que miram esses espaços culturais específicos parecem ter uma vanta- gem, que tratamos mais à frente, sobre retransmissores mais globais e também culturalmente mais distantes. A Al-Jazeera vence com folga a CNN no mundo árabe, em parte pela especi- ficidade cultural ou pela proximidade da sua abordagem de no- tícias, configurada em um conjunto mais específico de valores e tradições comuns.

Outros concorrentes de peso para as corporações globais são os grupos nacionais ou translocais. Na Índia, há canais co- merciais translocais via satélite (voltados para audiências lo- cais ou nacionais, mas de fora do país) direcionados para a Índia (que visam o local ou o país de fora dela) que transmitem de fora da Índia. Há um número crescente de canais locais e re- gionais, com base na indústria pré-existente de filmes locais e regionais. Isto mostra tanto os estoques existentes de filmes na indústria de filmes regionais quanto a criação de novos pro- gramas de televisão em idiomas indianos regionais (KUMAR, 2006). Assim, embora a tecnologia da televisão por satélite te- nha se espalhado nos anos 1990 em vários lugares, em muitos casos ela foi usada com o propósito de romper o monopólio da televisão aberta, caso na Índia, da Turquia ou do Irã (SEMATI, 2006) ou ainda de outros lugares onde o controle governamen- tal sobre a televisão nacional permanece acentuado. Nesses casos, surge um outro fenômeno de TV translocal, que permite

acesso aos que desejam alcançar essas culturas, mercados e instituições políticas via satélite externo (KUMAR, 2006). Por outro lado, o conteúdo da TV por satélite não é o que se pode- ria prever como global considerando os debates na ONU sobre satélites nas décadas de 1960 e 1970 (KATZ, 1977). O fato é que parece bastante organizado dentro de culturas e idiomas já conhecidos. Trata frequentemente de comercializar merca- dorias, ideias ou até mesmo religiões e partidos políticos que já são familiares à audiência. De certa forma, são tipos de canais nacionais ou regionais alternativos que usam a tecnologia de satélite ou cabo para chegar do exterior, muito mais translocal que global.

Muitos desses canais também miram nas populações de di- áspora de forma verdadeiramente global. Os canais translocais de idioma “nacional” e regional da Índia seguem os imigrantes para a América do Norte, Europa, Oriente Médio e outros lu- gares. Alguns canais nacionais, como a TV Central chinesa em inglês ou versões transnacionais de canais geoculturais, como a Al-Jazeera em inglês, agora pretendem crescer de uma base nacional ou regional específica para posições mais globais e para um público além daqueles constituídos por imigrantes das suas regiões.

Um uso precoce e talvez mais difundido da TV por satéli- te em muitos lugares, começando pela Índia, União Soviética e Estados Unidos, foi o de simplesmente usar o satélite para tra- zer novos canais internos para a política e o mercado nacional. A maioria das pessoas de uma cidade pequena ou de área rural no Brasil assiste televisão através de um sinal que chega por um transmissor de satélite e é retransmitido em sua pequena cidade ou região rural. Esses retransmissores podem ter sido instalados por uma rede nacional, por anunciantes locais ou, mais provavelmente, por um prefeito que considerava a televi- são nacional como um importante benefício para o eleitorado (e uma boa maneira de se reeleger). Em vários aspectos, an- tenas parabólicas acopladas a retransmissores foram de fato projetos de obras públicas em muitas partes do mundo desde as décadas de 1980-1990 até os anos 2000 (STRAUBHAAR, 2007). Tamanho uso do satélite remonta conceitual e tecnolo- gicamente a um período anterior de programas de desenvol- vimento das comunicações, quando a TV por satélite foi am- plamente promovida em grandes países em desenvolvimento e grandes países industrializados como os Estados Unidos e a União Soviética como a forma ideal de atingir toda a população com um sinal (McANANY, 1987).

No documento PORTCOM (páginas 42-45)

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