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ARQUITECTURA COMO SERVIÇO E A DIALÉCTICA SANDBOX/THEME PARK

O que muda então na arquitectura? No conceito de arquitectura? Na arquitectura convencional, da construção, da materialidade? Kas Oosterhuis215 protagoniza uma abordagem particular a estas

perguntas, influenciada por uma visão próxima do impacto recente e progressivo da tecnologia, e consciente das suas potencialidades.216 Inversamente às analogias com o físico, usadas na

criação de espaço e experiência virtual, é proposta uma significação nos elementos físicos que nos rodeiam da capacidade de produção, interpretação e conformação de informação presentes no mundo virtual digital. O entendimento de Kas Oosterhuis é o de que os edifícios se assemelham aos computadores e sistemas informáticos, na medida em que veiculam e processam, de alguma forma, toda a informação que lhes é fornecida, quer por contacto humano, quer por todas as condicionantes exteriores que advêm da sua utilização e existência. A forma como reagem ao processamento dos contactos de que são alvos depende das estruturas fixas e móveis que os compõem. Num edifício convencional, os elementos mais banais, as portas, as janelas e os interruptores dos diversos circuitos electrónicos, são entendidos como as partes móveis, capacitadas de permitir ou obstruir a passagem de informação. Nas palavras do arquitecto: “Architecture can itself be regarded as an

213 Borries et al., 2007, p. 149

214 Kas Oosterhuis responde: “it actually is, living in a building is a life performance, where both the building and the users are players in a game · and the good news is that we don’t know the rules.” (165) - Oosterhuis, 2001

215 Professor na Faculdade de Arquitectura de Delft, e director do grupo de investigação “Hyperbody and the Protospace Laboratory for Collaborative Design and Engineering”

216 “In the year 2060 a single consumer pc will have the calculation power of the entire world population (…)how are we going to work and play with these high-powered machines which, adopting many forms, will have penetrated deep into the pores of the products, buildings and built environments around us? (…..)how will we make contact, how will we communicate with that calculation power? · what interfaces will we have to develop to get a true two-way communication going?” Oosterhuis, 2002, p.46

information-processing contrivance, an input-output device.”217 Os edifícios estão em permanente

estado de absorção e processamento de forma a poderem transformar o produto da interacção com tudo o que lhes é exterior em nova informação. Este processo é similar ao diálogo entre máquina e Homem que define a navegação num mundo virtual, mutável, flexível e dinâmico. Na base da mudança da formatada e tradicional visão da arquitectura estática para uma que a compreende como orgânica e responsiva, está mais do que uma analogia com as máquinas que trabalham a informação virtual, está uma profunda análise da forma como evoluímos paralelamente a elas. Nós próprios somos máquinas de interpretação de dados. Somos alvo de interacção, perguntamos e respondemos, somos formatados e reformatados pelo que nos rodeia, pelo que nos afecta. O que projectamos como arquitectos tem que evoluir sobre este processamento, tem que usar das potencialidades tecnológicas para se transformar num corpo responsivo, capaz de receber e produzir cada vez mais informação. Espaço e volume têm que assumir as características de um Hipercorpo. Este tem que ser dotado de janelas, e portas, e interruptores, que expandem os seus limites e engrossam a mediação de informação, tem que ser programável e capaz de responder em tempo real. Tem que ser determinado não por uma função mas pela potencialidade de conformar várias.218

O trabalho do arquitecto assemelha-se ao de um designer de jogo, e o papel de cada utilizador de um espaço ao de jogadores de um mundo virtual, com regras e sistemas definidos nas relações que estabelecem. Arquitectura é entendida como um jogo e os arquitectos são os seus programadores. Gerem os interfaces e a comunicação, e criam a estrutura semântica que veicula a linguagem de interacção entre as partes envolvidas, Homem e máquina. A arquitectura é programável e expandida tecnologicamente, de forma que, ao estabelecer uma relação simbiótica com o utilizador, consiga amplificar experiências e emoções.

Kas Oosterhuis não propõe só uma mudança de perspectiva sobre as relações espaciais, mas uma postura diferente no processo de desenvolvimento de um projecto. De forma similar à abordagem usada pelos designers de jogo no mundo digital, o mundo físico tem que ser pensado em função das experiências que deve proporcionar e não por um objectivo estático que dita, quando atingido, a cisão do arquitecto da obra. O processo arquitectónico convencional é reformulado para ter um papel activo no desenvolvimento de cada Hipercorpo. Estes não são construídos por planos desfasados da organicidade do seu crescimento, mas programados em tempo real.

Esta perspectiva, apesar de se enquadrar numa realidade onde a tecnologia está progressivamente incutida em qualquer espaço, em qualquer objecto, seja por mediação eléctrica ou novos materiais construtivos, é intemporal. Os elementos que nos rodeiam reagiram desde sempre a todo o tipo

217 Oosterhuis, 2002, p.39

218 “Real time building bodies feed on information, they process information and then separate it again · that information of course travels as hypertext does, via warp holes from one universe to another · when this information settles in the hyperbodies as a hypersurface, then our perception of the spaces in and around the hyperbody can be programmed and driven and is therefore a subject for design.” Oosterhuis, 2002, p. 42

de informação que lhes é submetida. A tecnologia simplesmente potencia essas reacções, catalisa um diálogo mais activo, e aprofunda as relações e as ligações emocionais que são criadas. Um edifício reduzido à simples relação de Homem e abrigo, sem nenhuma adição tecnológica, não deixa de ser compreendido como uma máquina de processamento de informação, orgânica. A diferença está na escala de reacção do processamento que é multiplicado e aprofundado pela tecnologia cada vez mais desenvolvida. A experiência na visita a um templo grego implica um impacto emocional, a estrutura reage ao vento, à chuva, ao calor e às deslocações solares. Produz impressões diferentes consoante a velocidade com que o percorremos e as narrativas ficcionadas ou factuais que escolhemos imaginar quando pensamos no seu passado. Conforma-se tanto com a criação como com a destruição. A tecnologia não parte do zero mas do que já existe. Exponencia as relações, transcende escalas, transforma corpo em Hipercorpo cada vez mais manchado de pontos de entrada para a extensão virtual. Dota o espaço com o potencial de reacção orgânica. A ligação com o mundo da máquina é cada vez mais natural, silenciosa, simulada e dissimulada, é cada vez mais viva. A relação entre o templo moderno e o Homem é idêntica à de dois jogadores imersos num jogo. Um jogo multiplayer, não com dois jogadores mas muitos, controlados pelo programado e pelo imprevisível, com uma escala de interacção cada vez mais dinâmica.219

O estado da integração tecnológica, e da crescente popularidade das extensões sobre o mundo digital, valida mais esta perspectiva sobre a prática arquitectónica do que a visão tradicional do papel do arquitecto, mesmo que lentamente reformulado forçosamente pela crise económica e a capacidade multidisciplinar da arquitectura. A mudança de foco de conteúdo para experiência é essencial para alargar a gestão de espaço, de vazio e volume às relações que conformam. A arquitectura deixa de ser só construção sólida, material, tectónica, para englobar as performances, a reabilitação, a intervenção narrativa e a conformação de sistemas. Não projecta só o pesado, mas o leve, temporário, aberto, ambíguo, o que até agora foi visto como o “quasi-arquitectónico”, como refere Carla Leitão: “Talvez este carácter quasi-arquitectónico, seja vantajoso num futuro

de grande densidade de construção – no sentido de possuir uma tectónica que pode subscrever, inserir-se, ou transformar condições espaciais existentes, dando-lhes nova lógica, envolvimento, exploração, detalhe e apetite.”220 A arquitectura passa a ser mais jogo e a criar jogo, mundos à

parte, experiências complexas, e enquadramento de emoção, de interactividade. A arquitectura é cada vez mais a programação, não do pano de fundo, mas da teia condutiva onde se desenvolvem relações. Transcende a manipulação estritamente espacial, equilibra dimensão, tempo, narrativa e complexidade relacional.

219 O “amigo virtual” lança outra pergunta: “But how can a building and a user play the same game, isn’t the building just the background where the game enfolds?” e o arquitecto holandês prontamente responde: “Not necessarily, the building can become active, the building may act just as you as a person can act(…) you play the game and set the parameters to match your desires.” Oosterhuis, 2001

fig. 3.27 David Bell, Parkour fig. 3.28 Ckessler Thompson, Parkour

fig. 3.29 BMX fig. 3.30 BMX

Numa realidade cada vez mais próxima à dimensão prática e conceptual de jogo, das ferramentas, da integração de uma tecnologia em permanente evolução, em permanente inserção e insinuação, o virtual não está distante e desfasado, não faz só parte de uma extensão digital que impacta o físico apenas nos pontos de ligação mantidas entre ambos, mas conforma novas perspectivas sobre o analógico, sobre os recantos da realidade ainda longe dos da influência da tecnologia. O virtual, que vive do físico, que o potencia, tornou-se importante não só pela presença cada vez mais ubíqua, mas pelo encaixe compreensivo que catalisou sobre tudo.

O impacto na arquitectura é notório porque se aproxima das abordagens e problemáticas do espaço virtual. Num físico cada vez mais aumentado, a projecção de espaço foca a dimensão virtual, a relação com o utilizador e o desenvolvimento continuado e adaptado. Muitas das perguntas repetem-se no físico, assim como muitas do físico se repetiam no virtual: qual é a qualidade de um espaço? Como o criamos e mantemos cativante, capaz de enquadrar experiências diferentes e personalizadas? Como prevemos adaptações a dinâmicas em constante mutação? Como se valorizam a vertente físico ou virtual sem a ligação de uma à outra? Como se valoriza o produto dessa ligação? E como se descobrem e colmatam as patalogias que surtem da intersecção?

Da mesma forma que o desenvolvimento de espaço no virtual é protagonizado pela dicotomia

Sandbox/Theme Park, também o processo arquitectónico no físico, de forma conceptual, é

passível de ser dividido por estas abordagens, não como exclusivas e independentes, mas, como no virtual, complementares.221 As escalas são diferentes e as problemáticas divergem, contudo,

conceptualmente o paralelismo está muito próximo. Se à arquitectura convencional, a de produção e entrega de conteúdo formatado, associamos a catalogação de Theme Park, à nova arquitectura, interactiva, dinâmica, desenvolvido por e com o utilizador, chamamos de Sandbox, de arquitectura de sistemas.