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Um espaço, ou um volume, não conformam só um constrangimento a nível físico, funcional, e/ou imediato. Partimos do mesmo exemplo que usamos no início da explanação da componente espacial. O que é reminiscente de um jogo de Monopólio não é apenas a experiência, mais ou menos, positiva de percorrer as casas em busca da vitória, mas também as histórias que advêm dessa experiência, dos conflitos que surgem pelas regras, pela natureza emocional dos jogadores, pela falta de sorte, pelo desenho do tabuleiro propício à clivagem, e pela articulação de todos estes elementos. Por tudo isto, nenhuma sessão de Monopólio é igual, são todas únicas, com circunstâncias diferentes. Não é só uma questão de sorte que define a frescura de uma experiência e suscita a vontade de a repetir, mas o vício na articulação de todos estes factores que enquadram o jogo.

De volta ao virtual extrapolamos dos limites e obstáculos funcionais para a consequência que estes proporcionam na objectivação de uma acção. Não interagimos com algo porque simplesmente podemos, mas porque existe uma razão para o fazer. Compreendemos o que temos que fazer no Monopólio porque alguém leu o livro das regras e tornou compreensível a todos os jogadores como interagir com o espaço definido pelo tabuleiro. Da mesma forma, um mundo virtual pode ser totalmente imersivo, com espaços e elementos bem definidos, pode até ser um mundo novo em que voar é uma novidade ou em que caminhamos de costas em vez de frente. Esta experiência até pode ser viciante, e cativar pelo diferente, mas onde está o objectivo? Onde está a experiência com sentido? Como tomamos consciência dela? O jogador pode já ter percebido e descodificado todos os elementos do espaço e perceber como e onde anda, onde existe luz, e onde existe movimento, onde é possível haver conflito, e como chega ao segundo andar de um edifício, mas onde está a razão para o fazer? Precisamos da ficção. Precisamos que uma experiência faça sentido, precisamos que o espaço nos comunique o que somos, de onde viemos, o que precisamos fazer e o que podemos fazer. O jogo digital não basta compreender experiência, mas uma história viva e interactiva. O espaço é fundamental para narrar e conformar essa ficção.

Em “Game Design as Narrative Architecture”161, Henry Jenkins considera 4 tipos de narrativas

possíveis de serem enquadradas, suscitadas, ou contadas por um espaço. A definição e alcance de cada uma são valiosos no aclarar do seu paralelismo com o espaço físico.

A primeira é a “narrativa evocativa”, ligada às memórias, ou familiaridades, que os jogadores levam consigo e são acedidas quando um espaço apresenta uma ou mais características que provocam uma associação. Este tipo de narrativa manifesta-se no próximo estágio de ligação a um espaço depois da descodificação básica, ou seja, compreendemos que num determinado espaço está uma porta, mas, após uma maior análise visual percebemos que não deve encerrar uma boa nova

quando está rodeada de correntes enferrujadas, associadas rapidamente a uma masmorra de qualquer filme medieval.

A segunda tipologia é a da “narrativa encenada”, a de ligação mais estreita ao imediato. É a narrativa da acção que está a ser executada, é a que ocorre da interacção com o espaço e os elementos que o conformam e/ou habitam.

A terceira é a “narrativa embebida”, é o objectivo final da articulação de várias narrativas encenadas. É a narrativa pré-estruturada, programada pelos designers de jogo, à espera de ser descoberta. Finalmente, o quarto tipo é o da “narrativa emergente”, a que foge ao controlo dos designers de jogo no virtual, e dos arquitectos no físico. Esta narrativa não tem estruturação, não é programada, não é previsível, depende inteiramente dos intervenientes na acção, “these personal narratives are powerful

precisely because players feel a strong sense of ownership and investment.”162 Esta última narrativa

está associada à perspectiva pessoal de cada um, à interpretação específica de cada um. É o que nos fazer respeitar ou subverter um espaço. É o que nos faz projectar outras funções e experimentar o diferente. O jogo Sims é um dos exemplos onde esta narrativa mais brilha. Reconhecemos os componentes do jogo, reconhecemos escala, tempo e acção, mas o vício na jogabilidade não está na história que nos contam mas na história que projectamos nas personagens. A experiência que desenharam para nós, jogadores, é a experiência em que simulamos experiência para os outros.163 A

relação destas tipologias, e o impacto que operam no espaço virtual, com o desenho da arquitectura no espaço físico é abordado por Henry Jenkins quando compreende a referência que Kevin Lynch faz, no livro “A imagem da Cidade”, sobre o potencial narrativo dos espaços: “Kevin Lynch made

the case that urban designers need to be more sensitive to the narrative potentials of city spaces, describing city planning as “the deliberate manipulation of the world for sensuous ends” 164

O trabalho espacial no mundo físico e no mundo virtual tem grandes e evidentes pontos em comum. Seja conformado por uma escala diferente, um motor de física, valores, conceitos ou narrativas pré- estruturadas diferentes, não deixa de ser espaço porque no momento em que é alvo de interacção é

162 Riendeau, comunicação pessoal, Março, 2013

163 O impacto deste último tipo de narrativa é aprofundado por Chris Totten quando observa que: “The best way to envision this type of narrative is to imagine a game as a book being written in real-time during gameplay: the story has preset events of dialog and character development, but the gameplay between these narrative scenes are what write the action scenes. Game designers are interested in this type of narrative because it allows players to each have their own unique experience of a gamespace that will allow them to walk away from the game with their own version of the game’s events.” Totten, 2009, p. 16

nele que acredito, é nele que escolho existir. O grau de autenticidade depende do grau desta crença e do valor das experiências com que me marcou. A liberdade é subjectiva e secundária. Virtual e físico não concorrem com a mesma experiência mas com a autenticidade das diferentes que criam. Da mesma forma que é criado espaço, também é analisado e as perguntas são, essencialmente, as mesmas: “How are these spaces arranged? How does the player move through the space and

how does the game teach them spatial navigation? How is gameplay being adapted for the space and what does the player do in the space? And, lastly, how do the creation of narrative environments contribute to identification with the space that turns it into place?” 165(130)

Os espaços são diferentes. Os físicos têm cheiros, cheiram mal, cheiram bem, o pó do betão causa alergias, o plástico vícia quando novo e os ecrãs digitais têm electricidade estática. O toque dos materiais, as preocupações construtivas, a sustentabilidade, as condições atmosféricas, o condicionamento do ar, a perenidade da obra, sejam vantagens ou problemáticas, fazem do físico o que ele é. O virtual contrabalança. Conceptualmente partilham convicções, relações, preocupações, relativizam os processos que os desenvolvem com as escalas e as especificidades de cada um, mas continuam, na maioria do seu desenvolvimento, paralelos. No físico, o que prende e limita é também o que lhe dá a autenticidade. No virtual, a infinidade de possibilidades, de variação de mecânica, de escala, de formalização de um corpo, são abstractos e implicam um trabalho suplementar de imersão, de adaptação à nova realidade, de reprogramação de razão e sensação para serem credíveis na interacção com um novo espaço. O espaço virtual não almeja uma substituição do físico, nem o físico almeja uma imposição sobre o virtual. São alternativas e, cada vez mais, extensões um do outro.

Espaço no virtual serve primeiramente a experiência, a jogabilidade, e a lógica é secundária. Espaço no físico segue uma função, que é articulada com todos os contextos onde é enquadrada. Espaço no virtual, por ser livre, pode focar-se no acto em sim e na emoção e memória que quer proporcionar. A componente conceptual no virtual não é mais profunda, tem é um peso diferente no projecto. Possivelmente, nunca o virtual poderá substituir a adrenalina de praticar base-jumping, por mais que uma experiência com Oculus Rift, como já referido, abale os sentidos e seja vertiginosa. Menos possível ainda será o físico conseguir aceitar um “Undo”, ou o “Load” de um “Saved Game”166,

quando queremos repetir algo, ou o puxar de consola quando queremos voar. Claro que podemos antecipar, e imaginar, num futuro muito distante uma realidade em que a imersão é operada ao nível do inconsciente, similar à programada dentro do Matrix, contudo, isto não passa de especulação. Neste presente, o físico interessa-nos. O virtual também.

165 Schweizer, 2009, p. 2

166 Terminologias associadas ao repor de informação anterior que foi modificada com as últimas interacção com aplicações digitais.

fig. 2.48 Halo:Reach (2010)

fig. 2.49 Halo 4 (2012) fig. 2.50 Medal of Honor (2010)