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A problemática que assola a arquitectura não se fundamenta apenas na virtualização como tecnologia, mas na virtualização como optimização de tarefas e relações. A tecnologia catalisa a economia de meios e a eficácia da transmissão de informação.56 Espaço e tempo são novamente

reinterpretados e transformados como em pontos-chave no passado. A evolução dos transportes e das redes que os confinam, a popularização das comunicações telefónicas e mais recentemente

das electrónicas sempre marcaram o desenvolvimento desta dicotomia, e a arquitectura sempre conseguiu adequar a sua prática às suas modificadas noções. Contudo, o impacto do virtual nas barreiras destas definições opera mudanças que as diluem constantemente. Não existe só uma transformação num plano físico onde a adequação não terá que quebrar as barreiras do material. O espaço arquitectónico entra em crise, e sendo a base de uma profissão é natural que todos os pilares que segura sejam abalados.57 O que consideramos como novo limite são só as condicionantes

tecnológicas que ainda encaixilham o virtual dentro de um ecrã. A problemática na arquitectura é geral e independente de escala, não abrange só a dimensão urbana como a pequena escala da intervenção arquitectónica. Hoje a ideia de cidade é questionada “as the exclusive site for taking

place urban functions, which becomes to be displaced from physical constructions to intangible environment of network digital spaces.”58

À desterritorialização espacial e diluição temporal associa-se a problemática dos próprios limites do corpo. Não é uma questão que só assola a sua existência num plano virtual mas a transformação que opera no seu “eu físico” quando a realidade onde se manifesta é aumentada. A reformulação de novas exigências programáticas e funcionais da sociedade, satélites ao processo de virtualização corporal e espacial, representa para a arquitectura um ponto de adaptação dos conceitos e prática à abordagem, “material e imaterial, do virtual”59

A realidade desterritorializa-se, decompõe-se, os espaços diluiem-se. Não subimos escadas mas elevadores. O toque no divino já não se consegue dentro de uma catedral mas num arranha-céus no Dubai. Mas, mais do que estas optimizações do espaço físico, o maior impacto advém das transformações que a tecnologia estende. O conforto de um espaço é associado à força de Wi-Fi da sua rede de acesso à Internet. Qualquer filial do Starbucks não representa o cliché da marca se não albergar utilizadores diários do espaço virtual, interessados numa imersão corporalmente confortável e embalada por um expresso duplo. Nenhuma indústria atinge sucesso sem um portal virtual acedido em qualquer lado. O entendimento é geral que a arquitectura está em estado de reformulação, uma reformulação que questiona o passado e a actualidade da tradição. Não perdeu todos os seus elementos como, considero em exagero, Paulo Virillo60 defende, porque não são os

únicos que conformam a sua área de trabalho. A arquitectura divide-se cada vez mais e formaliza a extensão da sua definição. A sua reformulação estabelece o contexto que permite formatar um novo tipo de arquitectura “in line with new arising values: a far more homogeneous, transparent,

ephemeral, intangible and mutable space that questions the traditional material substance and the

57 Este panorama é claramente ilustrado na metáfora de Paul Virilio: “In some way, you can read the importance given today to glass and transparency as a metaphor of the disappearance of matter. (…) In a certain sense, the screen becomes the last wall. No wall out of stone, but of screens.” P. Virilio, comunicação pessoal, Outubro 15, 1993; 58 Sousa, 2001, para.10

59 Idem.

perennial qualities of architecture.” 61

De uma forma ou de outra compreendemos o papel da mediação tecnológica, quando afinal, com mais ou menos impacto, utilizamos qualquer gadjet que, além de nos facilitar alguma tarefa, nos permite estar em mais sítios e interferir com um grupo maior de relações. E como arquitectos, de espírito crítico e cientes do estado complicado da prática convencional da nossa profissão, compreendemos a génese de toda esta problemática espacial e procuramos respostas que a justifiquem e resolvam. De que forma se poderão formalizar os novos conceitos que se descobrem nesta procura? Qual é o renovado papel da arquitectura? A dúvida principal deverá ser: what is it

that we need to do to continue to place architecture at the centre of human discourse as its primary agent of problemsolving.”62

Jean Renaudie, em 1969, apontava uma percepção da arquitectura, útil para responder ao desprendimento da sua necessidade mecânica: “A arquitectura é a materialização da complexa

estrutura segundo a qual se organizam as relações humanas.”63 O arranjo sistemático de uma série

de elementos que conformam a actividade humana, a escala, o tempo, os materiais, os contextos sociais e a necessidade programática, não desapareceu mas deixou de dever toda a sua definição ao plano físico. Com uma maior liberdade deste plano percebemos que o papel da arquitectura não se prende só, ou maioritariamente, com o que é palpável mas com a experiência que medeia o que é material e imaterial. Este apontamento é evidenciado na expressão de Charles Renfro: “architecture

is a vehicle to produce experience”64 e na perspectiva abrangente de Andrew Sempere quando

compreende que tem que ser fomentada uma abordagem focada na “architecture of experience,

not limiting ourselves to the space in which the experience oocurs.”65 O arquitecto é preciso mais no

trabalho imaterial do que o material porque não vai estar mais constrangido a uma actividade mas à liderança de um conjunto disciplinar cada vez mais interligado e dependente.

Dificilmente em outra altura da história esteve tão em causa a pluralidade da disciplina arquitectónica e a sua capacidade de se desmultiplicar de forma a articular outros campos e profissões. Dificilmente em outra altura o arquitecto foi mais necessário como um “creative problem solver.”66 Se ao longo

da história a sua capacidade de estreitar relações disciplinares se revelou como uma habilidade valiosa desde a criação e gestão da pequena escala espacial à programação urbanística, então este é o momento para extrapolar para a coordenação do infinito. Não é qualquer crise que define a pluralidade e flexibilidade da disciplina arquitectónica mas a intrínseca ânsia de procurar “ativamente

61 Carreiro & Pinto, 2003, p. 34 62 Spiller, 2007, p. 4

63 Renaudie, 1968, as cited in Lambert, 2010, para. 1

64 Basulto, David. “AD Interviews: Charles Renfro” 29 May 2013. 65 Sempere, Savic, Huang, Badura & Barchiesi, 2003, p.173

sintetizar desejos, ambições, buscas e construções culturais e sociais, assim como técnicas e astéticas – por isso a podemos denominar de agente cultural, ou de tecnologia cultura.” 67

Claro que é ambíguo e complicado dissociar qualquer ponto no campo da arquitectura de uma relação espacial. É rebuscado, numa disciplina habituada a trabalhar com o material, falar em conformação de experiência, especialmente quando não é programa secundário mas aparentemente o objectivo principal de uma nova prática que, à primeira vista, nada tem a ver com o conceito comum de espaço. O virtual merece uma análise mais cuidada, e logo numa abordagem superficial encontramos uma analogia importante: a de associação do sítio físico ao sítio virtual (site). É uma analogia simplista e questionável, especialmente quando a morada física se significa num conjunto de códigos que pouca espacialidade, em torno dos limites sensoriais humanos, aparenta ter. Não nos rodeia, não nos limita o movimento, aparentemente, ou fisicamente, não existe. Mas é um princípio. Tal como o espaço arquitectónico, “pressupõe, portanto, um trabalho de composição, caracterização e qualificação -

um trabalho de desenho, de projecto e de construção. Esse trabalho é, precisamente, o trabalho da Arquitectura.” 68 Fernando Lisboa vai mais longe na analogia quando começa a escavar e decompor

o “sitio cibernético”69 e deslinda a transposição de elementos chave da relações humanas, que

até então eram contidas no físico, para as suas versões digitais capazes de potenciar um maior número e profundidade de conectividades, casos da ágora e o casba. O lugar parece não existir mas todo o programa e relações humanas que desencadeiam, e que os caracterizam, existem nestas versões digitais? Vamos mais longe quando procuramos o mercado, o templo e até a porta principal se a associarmos ao “duplo clique” no icon do browser e à homepage que nos apresenta, e tudo numa analogia que nem toca no plano tridimensional, apenas se resume à disposição e interacção com informação textual. Conseguimos chegar a esta compreensão porque transcendemos a ideia convencional de espaço e o papel secundário da tecnologia. A mediação é secundária porque “no

interior da relação entre o homem e o mundo, a tecnologia, qualquer tecnologia, infiltra-se como o terceiro protagonista, intermediando os três domínios daquela relação: o da acção, o da observação e o da comunicação.”70

A abordagem ao virtual é uma questão de associação e extensão lógica de terminologias. A dualidade físico/virtual é permeada de analogias como a do sitio/site. Se questionamos matéria então também questionamos processo. E, no caso da arquitectura, a distinção entre desenho, como problematização, projecto, como formalização de uma solução, e o objectivo final de construção é fundamental para percebermos que desenho e projecto já não exigem, necessariamente, uma realização física mas aceitam a possibilidade de uma realização virtual, sem que seja posto em causa um renovado sentido de integralidade. É nesta fronteira que separa estas distinções no processo

67 Leitão, 2013, p.27 68 Lisboa, 2000, para.11

69 Idem.

arquitectónico “que as tecnologias de intermediação colocam em causa - porque ambicionam,

tanto quanto prometem, a integralidade representativa e funcional. As representações digitais de arquitectura, em particular aquelas que assumem o carácter de instalação interactiva, conectada em rede, podem ser entendidas como construções visitáveis e habitáveis.” 71

Este grau de entendimento já permite desmistificar a ideia de espaço e arquitectura virtual. Existe a possibilidade, reveste-se de lógica. Mas então, antes de perceber como se realiza uma construção virtual o que precisa um arquitecto para o fazer? O que implica? Não somo programadores e, apesar das analogias que surgem entre prática física e a potencialidade de uma virtual, continua tudo a ser demasiado rebuscado. Como qualifico o que ainda não habitei? Como conformo uma experiência que não sei como experimento? Abandono o físico por uma questão de optimização e simplificação? Basta-me a cabana electronicamente aumentada do Toyo Ito?