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5. Propostas de defesa do sistema económico A crise asiática teve por único mérito o de reacender

5.2. Arquitectura financeira internacional

Em termos de restruturação da “arquitectura finan- ceira internacional”, distinguem-se as soluções que se cen- tram numa remodelação de modalidades de intervenção ou de instituições já existentes (5.2.1.) das que apostam na cria- ção de novas entidades e/ou funções ao nível internacio- nal (5.2.2.).

5.2.1. Soluções de reforma na continuidade

Certos autores consideram que a solução para as cri- ses financeiras actuais reside na criação de um prestamista de última instância internacional: só uma “injecção de liquidez” na zona afectada poderá repôr a confiança dos investidores e evitar o “pânico financeiro”181. Depois, há

ainda quem defenda a presença de uma tal entidade asso- ciada à imposição de determinados “standards” de regulação e supervisão prudencial. Mishkin considera que a incapa- cidade dos bancos centrais em países em desenvolvimento para repôr a liquidez necessária após o “choque” finan- ceiro faz com que se torne imprescindível a intervenção de um prestamista de última instância internacional, muito embora se deva acautelar o “risco moral” que daí pode resultar, através de uma eficaz regulação e supervisão pru- dencial das instituições financeiras locais que estão autori- zadas a conceder empréstimos.182

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181 Enquanto defensores da ideia de um prestamista de última

instância internacional, encontramos F. Mishkin (MISHKIN, [5]) e J.

Garten (apud ROGOFF, p. 24-25). Sobre o fundamento e limites da

intervenção das autoridades monetárias para garantir a liquidez nos mercados, de acordo com as teses clássicas e monetaristas, veja-se FIGUET, p. 58-64.

Têm sido apresentados vários argumentos a desfavor deste expediente de garantia subsidiária da liquidez. Desde o aumento do “risco moral”, ao pânico financeiro que pode desencadear a sua intervenção, enquanto espécie de “ates- tado” de mal-estar financeiro.

Outra linha de reforma recomenda alterações no que tange aos poderes do FMI183. Esta orientação genérica é,

depois, explanável sob diversos pontos de vista. Um deles aponta para uma intervenção do FMI centrada sobretudo numa acção “ex ante”. Clark184 preconiza uma inversão

do papel desta instituição, traduzida numa passagem de regu- lador conjuntural a conselheiro de reformas estruturais, e uma alteração dos meios de concessão de liquidez ao seu dispôr185. Há sublinhe ainda que o Fundo deve prescindir

da pretensão de ser um prestamista de última instância internacional186 para se dedicar à promoção da negociação

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183 Desconsideramos soluções parciais como a da criação um

“fundo monetário asiático” pois parece-nos que para um problema global a resposta não pode ser regional.

184 CLARK, p. 3.

185 A impreparação do FMI no desempenho de uma função de

prestamista de última instância não é consensual. S. Fisher (apud FIGUET, p. 68) considera que as competências e os recursos actual- mente disponíveis pelo Fundo são suficientes para uma gestão eficaz das crises financeiras.

186 O argumento principal desta tese é o de que o Fundo não

possui liquidez necessária para fazer frente às crises financeiras actuais. Desde logo, porque não lhe assiste poder de emissão de moeda. Depois, porque toda e qualquer intervenção enquanto prestamista de última instância que se volva na utilização dos direitos de saque espe- ciais está condicionada à autorização dos Estados-membros. Acresce que essa função induz a uma maior negligência das autoridades nacionais no exercício da supervisão financeira (ROGOFF, p. 29). Assim sendo, seria preferível que aquele papel fosse desempenhado pelos bancos cen- trais (nesse sentido, vejam-se LE CACHEUX, p. 55, DE BOISSIEU

entre credores e devedores, designadamente quanto à pos- sibilidade de concessão de moratórias para pagamento das dívidas187, e ao aconselhamento à política económica dos

governos188. Esta orientação depende, antes de mais, de a

função de prestamista de última instância poder ser desem- penhada pelos bancos centrais, v.g., pela Reserva Federal e pelo BCE.

A instituição de Bretton Woods, mau grado o im- pacto do colapso asiático, não assumiu as devidas respon- sabilidades, nem expressou qualquer desejo de reformulação da sua actuação futura, salvo no que respeita ao reconhe- cimento de que há que reforçar a estrutura e a supervisão dos sistemas bancários nacionais, em vista a eliminar as distorções de mercado e a controlar a assunção de riscos189.

O FMI como que ficou prisioneiro das suas próprias dou- trinas: incentivou uma liberalização apressada nos países em desenvolvimento e, agora, vê-se confrontado com crises potencialmente globais, perante as quais os meios ao seu

da acção do FMI deve ser reduzido, sob pena de incentivo à propa- gação da instabilidade na economia mundial (SACHS, p. 15)

187 Wyplosz (WYPLOSZ, p. 16 e 19) e J. Sachs (apud JOLY,

p. 188-189) destacam ainda o papel a desempenhar, em crises futu- ras, por uma estratégia de dilação do pagamento da dívida externa, através da concessão de uma moratória sancionada pelo FMI ao país em causa. A renegociação dos termos dos contratos foi uma estra- tégia seguida na Coreia, o que suscitou algum interesse pela conside- ração da inclusão de cláusulas de renegociação nos contratos que envolvam empréstimos a “economias emergentes” como uma forma de enfrentar a crise financeira. O referido país renegociou 24 biliões de dólares da dívida externa de curto prazo para períodos de um a três anos (MEDEIROS, p. 222).

188 DELALANDE, p. 72. C. Giannini entende que o FMI é a

instância a quem assistem, por natureza, as qualidades que deve pos- suir um prestamista de última instância, mas salienta também que esta entidade deve hoje ser vista mais como um “gestor internacional da crise” do que como um repositor de liquidez (GIANNINI).

dispôr deixaram de ser suficientes. Em tempos de globali- zação financeira, perdem sentido as palavras de Henry Morgenthau, em Bretton Woods: “the FMI would drive the usurious money lenders from the temple of inter- national finance”.190

5.2.2. Soluções inovadoras

M. Aglietta191 propõe a criação de um “observatório

do risco sistémico”, cuja missão é de analisar os processos de contágio e apoiar os bancos centrais nacionais nas suas intervenções no mercado monetário e financeiro192.

Num sentido já não preventivo mas reactivo, G. Soros193

preconizou a criação de uma empresa internacional de seguro de crédito: considerando que os mercados são, em regra, comandados por comportamentos de “pânico” ban- cário e financeiro, haveria de instituir um sistema de garan- tia dos depósitos para “acalmar” a desconfiança dos interve- nientes194. É, todavia, discutível se essa cobertura do risco

de crédito apadrinhada pelos poderes públicos não negli- gencia os problemas de “risco moral” e o correlativo incre- mento da irresponsabilidade na actuação dos credores195.

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189 Nesse sentido, veja-se, enquanto esboço de uma futura acção

reguladora e de supervisão da actividade bancária, FMI, em especial p. 47-51.

190 OBSTFELD, [2], p. 11. 191 SOROS, [3], p. 133-138.

192 Contudo, dizem os críticos, esta medida revelar-se-ia rela-

tivamente ineficaz para suster o âmbito de incidência das crises finan- ceiras pois estas continuam, em larga medida, imprevisíveis, para além de que ser duvidosa a possibilidade de os bancos centrais dos países virem a desempenhar funções de prestamista de última instância inter- nacional.

193 Apud SOROS p. 205.

194 É também o entendimento de DIAMOND/ DYBVIG, p. 401-419. 195 Sendo ainda discutível a própria escolha pública em assegu-

J. Sachs196 considerou a hipótese da criação de um

tribunal internacional de falências. Esta solução permitiria uma maior protecção dos devedores do que aquela que o jogo do mercado lhes proporciona, nomeadamente, atra- vés de uma suspensão temporária do pagamento da dívida. Contudo, esta proposta suscita numerosas dificuldades do ponto de vista jurídico e depara com variados entraves do ponto de vista político. Não nos parece viável num futuro próximo uma solução em que um tribunal internacional possa exercer prerrogativas de autoridade sobre empresas (financeiras ou não) de um determinado país.