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O fim da Riqueza das Nações? : algumas reflexões a propósito da globalização financeira. URI:

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Academic year: 2021

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Autor(es): Pires, Catarina

Publicado por: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

URL

persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/24788 Accessed : 8-Jun-2021 09:52:08

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BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS

COIMBRA

FACULDADE DE DIREITO

VOLUME XLIV

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O FIM

DA “RIQUEZA DAS NAÇÕES”?

– ALGUMAS REFLEXÕES A PROPÓSITO

DA GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA

1

“Seria demasiado ridículo, ou mesmo demasiado difícil, tentar provar que a riqueza não consiste no dinheiro, ou no ouro ou na prata; mas naquilo que o dinheiro compra, e que só vale por aquilo que compra. O di-nheiro representa, sem dúvida, uma parte do capital nacional; mas já se demonstrou que, normalmente, é apenas uma pequena parte, e sempre a mais desvanta-josa”.2

1. A globalização financeira: uma nova imagem da

economia mundializada

A mundialização da economia3 constitui um processo

complexo que se vem desenvolvendo desde os tempos do

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1 O presente texto corresponde a um trabalho realizado durante

o ano lectivo de 1999-2000, na sequência de uma proposta de pes-quisa dirigida pelo Prof. Doutor Avelãs Nunes aos alunos de Econo-mia do 5º ano.

2 A. SMITH, p. 732 ss.

3 Empregamos os termos “mundialização” e “globalização” como

sinónimos. Contudo, esta utilização não é consensual: a “globalização” revela-se, pois, controversa logo ao nível lexical. Sobre a plurisigni-ficação da “globalização” vide CORDELLIER, p. 21-23 e DAGORN, p. 187-204.

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capitalismo mercantil4. Phillip Cerny5 define a globalização

económica actual do seguinte modo: “it transforms the international economy from one made up of holistic natio-nal economies interacting on the basis of a nationatio-nal “comparative advantage” into one in which a variety of “competitive advantages” are created in ways which are not dependent on the nation-state as social economic and/ or political unit”. Os processos produtivos e as estratégias de comércio internacional passaram a organizar-se sob mol-des diversos: não é já a “complementaridade produtiva” mas as “vantagens competitivas” que ditam as escolhas quanto ao investimento público e privado. Emerge uma concorrência generalizada, particularmente intensa ao nível tecnológico6 e ao nível financeiro7.

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4 Com opinião idêntica, entendendo que o processo de

globa-lização não corresponde a uma nova “época” económica mas a mais uma fase de uma época já inaugurada, veja-se NUNES (Anabela), p. 1 ss. Também outros autores, como Piel (PIEL, p. 162-166) e O’ROURKE/ WILLIAMSON, consideram que a actual mundialização da economia se terá iniciado em 1860. Todavia, parece ser de reco-nhecer alguma diferença entre o grau de integração e o tipo de pro-blemas suscitados pela economia de oitocentos e a situação actual. Para uma análise das diferenças entre a globalização no século XIX e no séc. XX vide EICHENGREEN [1].

5 “Globalization and Other Stories: the Research of a New

Para-digm for International Relations”, apud MCQUOCORDALE, p. 735-766.

6 Para uma análise do impacto da novas tecnologias na

interna-cionalização da economia vide CASTELLS [1], p. 307-311. Este autor ([2], p. 18 a 21) considera que a evolução sócio-económica revela uma sucessão de paradigmas tecnológicos, pelo que as crises econó-micas seriam também explicáveis com base no esgotamento de modelos de progresso tecnológico. Na verdade, a tecnologia é o centro de gravidade da “nova economia” e a rivalidade económica entre países industrializados (por exemplo, Japão e Estados Unidos) centra-se, cada vez mais, numa competição pelo domínio de economias-chave e não tanto no controlo de matérias primas e produtos. A “globalização tecnológica” tem provocado modificações, tanto no conceito de

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Embora não represente uma novidade na vida de um sistema económico vocacionalmente expansivo, a presente “mundialização” exibe marcas de originalidade, em espe-cial no que toca à importância da matéria financeira. Dito de outro modo, no momento que vivemos, a economia mundializada reflecte a imagem da “globalização financeira”8.

O processo de expansão da mobilidade dos factores produtivos e dos bens e serviços que esteve na sua ori-gem é já antigo, muito embora conhecesse diferentes con-figurações ao longo do tempo. C. Michalet9 entende ser

possível distinguir três fases de mundialização, correspon-dendo a cada uma delas uma “filosofia” económica dis-tinta. Em primeiro lugar, a da economia internacional, pau-tada por uma lógica de trocas de bens e serviços entre Estados-Nação, de acordo com uma orientação de espe-cialização produtiva respeitadora das soberanias estaduais, dando mostras de uma forte ligação entre as trocas comer-ciais e os destinos dos fluxos financeiros. Nessa altura, o

“Estado” (nesse sentido, ARCHIBUGI/MICHIE, p. 13-16), como na fronteira e coordenação entre poderes públicos e poderes privados (ROSENBERG, p. 57-67).

7 A nova competição, centrada na aquisição de vantagens

finan-ceiras e tecnológicas, é particularmente nítida nas chamadas indústrias da “nova economia”. Por exemplo, a “AOL” consegue trabalhar com 12 100 empregados, apresentar um volume de vendas anual na base dos 948 milhões de contos e montantes de capitalização na ordem dos 28 000 milhões de contos (valor de 1998) – VISÃO, 20 de Ja-neiro de 2000, p. 95. Segundo um estudo elaborado pelo Departa-mento de Comércio dos EUA, as indústrias produtoras de novas tecnologias da informação justificam 8,5% do PIB e 35% do cresci-mento dos EUA (AZEVEDO, p. 24).

8 Segundo André Orléans (apud CHESNAIS, [2], p. 305): “les

économies contemporaines ont pour caractéristiques centrales d’avoir porté le pouvoir financier à un niveau jamais atteint et de l’avoir placé au centre même de leur régime d’accumulation”.

9 MICHALET, p. 15 ss. ________________________

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papel o do Estado na economia é considerado positivo e necessário. Depois, esta fase teria dado lugar à “economia multinacional” a partir dos anos sessenta, altura em que se iniciam os principais movimentos descolonizadores. Esta nova etapa viria evidenciar, segundo Michalet, uma crescente importância concedida aos fluxos de investimentos direc-tos no estrangeiro e à mobilidade e deslocalização das pro-duções. Os esforços congregam-se agora no sentido de uma implementação do poder das empresas multinacionais e de um desdobramento das suas actividades em vários países10,

incentivados por um propósito de difusão do modo de pro-dução capitalista no sentido norte-sul11. Os poderes

públi-cos começam a sofrer progressivos constrangimentos no desempenho das suas funções. Por fim, alcançamos a fase da “economia global”, iniciada na década de oitenta e distinta das demais pelo predomínio do sector financeiro. Agora, a estratégia de organização e gestão empresarial passa a gravitar em torno da ideia de “lucro financeiro”, das

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10 J. Mazur (MAZUR, p. 57) estima que das 100 maiores

econo-mias do mundo, 51 sejam empresas. A “General Motors”, por exem-plo é, segundo dados do Banco Mundial, a 23ª maior potência eco-nómica mundial, apresentando um volume de negócios que quase que duplica o PIB português. O poder de mercado e de influência da decisão política das multinacionais tende a fortalecer-se com os pro-cessos de fusões e aquisições, os quais têm vindo a aumentar, ron-dando as 26 mil operações durante o ano de 1998, valor que dupli-ca o do ano anterior (PÚBLICO, 30 de Novembro de 1999, p. 2).

11 A associação entre o modo de produção e sistema

econó-mico capitalista e a “globalização” é frequente. Thomas Friedman (FRIEDMAN, p. 33) realça que “a globalização significa a generaliza-ção do capitalismo de mercado livre a praticamente todos os países do mundo”. Wallerstein (apud BECK, p. 57-59 ) defendeu, já na dé-cada de setenta, que o motor da globalização é o próprio capita-lismo. As crises explicar-se-iam, segundo o autor, em virtude das con-tradições à escala mundial provocadas pela universalização do sistema capitalista.

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tagens competitivas que podem advir da colocação do investimento nos sectores do mercado que exibam taxas de rentabilidade mais elevadas e da colocação dos próprios destinos da empresa ao dispôr dos accionistas. A lógica de “financiarização” empresarial passa a ditar o futuro do inves-timento em cada unidade de produção, bem como a ges-tão das relações salariais.

A integração económica global atinge fundamental-mente o capital: os demais factores de produção ou são imóveis ou apresentam um grau de mobilidade bastante reduzido. Assistimos à expansão de um mercado planetá-rio de moeda e crédito, marcado por uma “unidade de tempo” e, simultaneamente, por uma “unidade de lugar”12.

Irreversível, segundo uns, transitória, segundo outros13,

a “globalização financeira” que marca a nossa época não é uma pura ilusão: as suas consequências estão bastante pre-sentes, tanto na economia, como na sociedade contempo-râneas. É precisamente a análise destas consequências e da reacção que, porventura, devam suscitar que constitui o objectivo fundamental deste trabalho. O que aconselha a que, antes de mais, se teçam algumas considerações acerca das circunstâncias históricas do aparecimento do novo para-digma da “globalização financeira”. Procuraremos, então, esmiuçar alguns dos aspectos notáveis da história econó-mica das últimas décadas14.

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12 PHLION, [1], p. 106

13 Contrariando a tese preconizada por Robert Reich em “The

work of nations”, M. Bienefeld (BIENEFELD, p. 469-495) advoga que a emergência de mercados globais e a erosão da soberania económica nacional das últimas décadas não constituem processos inevitáveis ou necessários. Sobre o problema da (i)rreversibilidade da globalização em geral vide MADEUF, p. 233-236.

14 Isto é, a partir da IIª Guerra Mundial. Consideramos este

conflito como o início de uma nova fase de evolução, tanto eco-nómica como política. É na “ordem mundial” do pós-guerra que

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2. Breve evolução do sistema monetário e

financei-ro internacional

2.1. O declínio do “modelo” de Bretton Woods A transição de um “modelo” de estabilidade-cresci-mento de Bretton Woods para o modelo liberal da década de setenta deve ser observada tanto de um ponto de vista supraestadual, privilegiando as mutações ocorridas no regime monetário e cambial internacional, como de um ponto de vista interno, prestando atenção ao modo como evoluiram as relações entre Estado, economia e sociedade, na teoria e na prática económicas.

Dos anos quarenta até aos anos setenta, as relações monetárias entre os principais protagonistas do comércio internacional operaram nos quadros do sistema delineado na conferência de Bretton Woods15. Em vista ao

favore-cimento das trocas internacionais de bens e serviços entre espaços económicos fragilizados pela guerra e a uma pro-gressiva liberalização do comércio internacional16, Bretton

emergem as relações de poder que marcariam a vida do Ocidente até ao desmembramento do Bloco de Leste e que determinados paí-ses – v.g. os Estados Unidos, com o protagonismo económico que, desde o plano Marshall, lhe é reconhecido, mas também os países europeus, envolvidos num esforço progressivo de integração econó-mica – se podem afirmar como principais actores das relações finan-ceiras internacionais. É ainda por esta altura que têm início os proces-sos descolonizadores que levam ao aparecimento de novos Estados, muitos deles integrando o núcleo de países subdesenvolvidos, e que as relações internacionais passam a gravitar não já tanto em torno das expressões da soberania estadual, entendida em termos clássicos, mas dos poderes de organizações internacionais.

15 Sobre o sistema de Bretton Woods e do papel do FMI no

seu seio vide CARREAU, p. 329-398.

16 Até porque se entendeu, ainda fresca a memória da guerra,

que a solidez das relações e da integração económica entre os Esta-dos favoreceria a manutenção e o fortalecimento da paz no Ocidente.

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Woods veio instituir o sistema de padrão ouro-dólar e criar o Fundo Monetário Internacional (FMI)17 e o Banco

Mun-dial18. Ao aderirem ao FMI, os Estados assumiam uma

obrigação de fixar uma paridade central da sua moeda por referência à taxa de conversão do dólar em ouro, compro-metendo-se igualmente a garantir que a sua moeda não conhecesse margens de flutuação superiores a 1% relativa-mente à paridade central, excepto se se verificassem situações de “desequilíbrio fundamental da balança de pagamentos”. Em contrapartida, o Fundo disponibilizava determinadas formas de financiamento, nomeadamente empréstimos em divisa “forte”, para que o país beneficiário pudesse evitar recessões, quase inevitáveis face à rigorosa obrigação de esta-bilidade cambial assumida. O sistema financeiro emergente no pós-guerra é predominantemente um sistema de finan-ciamento público dos desequilíbrios nos pagamentos inter-nacionais, seja a nível bilateral, com o “plano Marshall” ou com as ajudas à Coreia do Sul e à Formosa, seja a nível multilateral, no âmbito das instituições de Bretton Woods. Numa época em que inexistia um verdadeiro mer-cado internacional de capitais, com proporções compará-veis às actuais, a maioria dos financiamentos eram realizados em benefício de Estados e sujeitos às restrições impostas

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17 O objectivo essencial do FMI foi o de favorecer as trocas

internacionais sobre uma base monetária multilateral, protegendo a “economia real” das turbulências dos mercados financeiros.

18 Em Bretton Woods, foram apresentados dois projectos de

edificação das relações financeiras internacionais: o projecto america-no de White e o projecto inglês de Keynes. O primeiro, que foi o que vingou, privilegiava a prossecução de um objectivo de estabili-dade cambial, através da criação de um fundo que reunisse recursos suficientes para auxiliar os países que se debatiam com problemas de défice da balança de pagamentos. Já o projecto de Keynes apontava para a criação de uma União de Compensação Internacional e de uma unidade monetária internacional.

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pelo FMI, enquanto prestamista19. O controlo económico

permanente do Fundo praticamente arredava a possibili-dade de um endividamento estadual que culminasse numa crise da balança de pagamentos.

Se, ao nível internacional, os Estados se comprome-tiam em honrar compromissos de estabilidade cambial, no plano interno as suas obrigações eram também cada vez mais importantes, com a viragem de um Estado Liberal para um Estado Social, incumbido de novos “agenda”, como a estabilização da economia20 e a redistribuição do

rendimento21. A política económica inspirava-se nas

políti-cas keynesianas de pleno emprego. A equação de base dos governos tinha por termos o crescimento económico e a maior equidade social, imperativos a garantir por via de uma acção interventora do Estado, a que se associavam os Bancos Centrais, então organismos “não neutros” face às decisões de política económica dos governos e às oscila-ções da “economia real”. Por outro lado, é nítido o

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19 Note-se, contudo, que foi nesta época que se começou a

formar um outro tipo de mercado de capitais, alheio aos constrangi-mentos impostos pelas regulações financeiras apertadas, composto por capitais predominantemente privados (os lucros das empresas multina-cionais norte-americanas na Europa que não regressavam aos Estados Unidos) e impulsionado pelo crescimento do défice da balança de capitais norte-americana e pela política anti-inflacionista praticada neste país: o mercado dos euro-dólares. Sobre o aparecimento deste sis-tema monetário privado sob a forma de “euro mercados” vide C AR-REAU, p. 471-478. Sobre as causas de aparecimento e de expansão do mercado dos “eurodólares” vide J. ADDA, [1], p. 140 a 142. Sobre o contributo deste mercado para o aparecimento das perturbações monetárias da década de setenta pode ver-se DENIZET, p. 58-78.

20 A ideia de que o Estado deve intervir enquanto regulador

das oscilações cíclicas da economia constituiu um dos pontos funda-mentais da doutrina económica dos Estados e do pensamento econó-mico após a crise de 1929-1933, em especial na obra de J. M. Keynes.

21 Esta nova função do Estado é exigida pelo poder da

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esforço em dotar o sistema financeiro de uma armadura robusta que pudesse suster a eclosão de novas “quintas-feiras negras”: foi tempo de regulamentar os mercados, fixando limites administrativos à concessão de crédito, estipulando taxas de juro, restringindo e regulando o acesso às activi-dades económicas.

A estabilidade e prosperidade económica do mundo dividido em Yalta assentava num postulado de supremacia económica dos Estados Unidos. Ora, se em 1945 fazia sen-tido um regime de padrão ouro-dólar, pois nessa altura a reserva federal norte-americana dispunha de cerca de ¾ das reservas de ouro mundiais, em 1970 era já manifesta a des-proporção entre o valor do dólar (e a confiança depositada nesta divisa22) e as reservas de ouro nos cofres do Tesouro

americano23. É neste contexto de desadequação do sistema

instituído face à evolução económica internacional que R. Nixon declara, em 15 de Agosto de 1971, a suspensão da convertibilidade do dólar em ouro24.

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22 Desde o início da década de sessenta que a abundância do

ouro vinha provocando uma crise de confiança nesta divisa, aumen-tando o preço do ouro em termos de dólares, com o incremento dos pedidos de conversão. A situação agrava-se, a partir de Março de 1968, com a dissolução do “pool” do ouro.

23 As causas apontadas para esta desproporção têm sido várias:

desde o esgotamento dos recursos em ouro e depreciação do dólar, à deterioriação da situação económica global norte-americana (maxime, desajustamentos na balança comercial). Sobre a evolução da balança comercial norte americana e situação do valor da taxa de câmbio do dólar em 1970 vide SAMUELSON, [1], p. 675 e 725, respectivamente. É discutível se a crise de B. Woods se ficou a dever a uma fraqueza da economia americana ou a uma tomada de consciência da fragili-dade do sistema. Para uma explicação das razões da “corrida aos dóla-res” com base na evolução das taxas de inflação em países com taxas relativamente altas de crescimento económico vide EICHENGREEN, [2], p. 199 a 202.

24 Esta medida surge acompanhada de outras decisões, como

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Uma leitura atenta dos motivos da falência do modelo de Bretton Woods não pode deixar de reparar em dois aspectos fundamentais. Primeiro: um sistema como o do padrão ouro-dólar só pode funcionar com o apoio de uma estreita cooperação internacional. Segundo: a plena mobili-dade do capital quadra mal com um objectivo de indexa-ção cambial. A partir do momento em que a mobilidade das operações financeiras internacionais aumenta, torna-se extremamente oneroso para países com “moeda fraca” defender uma certa paridade. Doutra parte, atendendo à volatibilidade e à dimensão das operações que nestes mer-cados se desenvolvem, poucos países de “moeda forte” esta-rão dispostos a intervir em auxílio daqueles, posto que tran-sigir num tal esforço poderá implicar uma penalização das suas próprias economias.

O abandono definitivo das taxas de câmbio “fixas” em 1973, assumindo o malogro do Acordo Smithosiano25,

constituiu um primeiro passo no sentido da formação de um mercado financeiro à escala mundial, ao abrir caminho à abolição de controlos sobre os movimentos de capitais e ao encorajar um amplo conjunto de medidas destinadas a des-regulamentar e liberalizar as “trocas” financeiras26. A

dou-públicas. A data de 15 de Agosto de 1971 significou a inconverti-bilidade de uma divisa-padrão de uma economia dominante, mas também um rude golpe especulativo contra aquele que era, então, o símbolo mais poderoso do sistema capitalista (PERROUX, p. 9-10 e 14-17).

25 Este acordo consistiu numa das últimas tentativas para salvar

o que restava de Bretton Woods, através de uma alteração do preço oficial do ouro, do realinhamento das taxas de câmbio e da amplia-ção das suas margens de oscilaamplia-ção.

26 Há quem considere três etapas fundamentais no processo de

liberalização e globalização financeiras. A primeira seria a do aban-dono do sistema de câmbios fixos de Bretton Woods. A segunda, a liberalização dos fluxos de capitais e titularização da dívida pública.

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trina económica monetarista que, na época, beneficiou do favor dos governos e do aplauso dos economistas, exortou à adopção de um regime de taxas de câmbio flutuantes, em que o valor relativo das moedas depende das forças de mercado, o mesmo será dizer, das estratégias adoptadas pelos maiores investidores. O monetarismo friedmaniano persuade os decisores políticos em envidar esforços no sen-tido da desregulação e liberalização dos mercados, redução da carga fiscal e desintervencionismo estadual. No engodo de uma crença na existência de uma estabilidade automá-tica do sistema, faz-se cair em desestima os conselhos da abordagem económica keynesiana. Esta é agora sujeita a uma crítica cerrada, culminante na sua responsabilização pelo incremento das taxas de inflação e pelo novo fenómeno de “estagflação”, realidades que, doravante, inte-grariam do dia-a-dia das economias desenvolvidas27. A

apo-Por fim, a terceira consistiria no “big bang” da “city” londrina na década de oitenta, traduzido na liberalização e na desregulamentação dos mercados accionistas – nesse sentido, CHESNAIS, p. 26-27.

27 Os “chicago boys” aconselham os governos a fazer da

infla-ção uma espécie de “inimigo público número um”, atribuindo a culpa dos fenómenos inflacionistas da década de setenta às políticas keyne-sianas de pleno emprego. O keynesianismo teria convertido os Bancos Centrais em financiadores da dívida pública dos governos, prejudi-cando o investimento privado por efeito do “crowding out” da des-pesa privada e estimulando pressões inflacionistas, com prossecução de políticas de “cheap money”. Para Friedman, o Estado apenas deve-ria garantir a liberdade económica individual: toda e qualquer inter-venção adicional seria prejudicial, ao introduzir distorções no sistema económico, minando a sua eficiência, e desnecessária, posto que, a longo prazo, a economia se encaminha naturalmente para o equilíbrio de pleno emprego. No longo prazo, o sistema de preços flexíveis, assegurado pela eliminação da “ilusão monetária”, afiançaria um equi-líbrio correspondente à “taxa natural de desemprego”. Ora, para Friedman, as políticas keynesianas provocariam um aumento da taxa de inflação sem conseguir alterar a situação do emprego, pois o

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logia do sistema de câmbios flexíveis com vista a, junta-mente com a garantia de independência dos Bancos Cen-trais28, assegurar a autonomia na condução da política

mone-tária, era tida por essencial a uma defesa das economias contra as investidas da “nova inflação”, duros golpes na “apregoada” eficiência do sistema que os decisores da polí-tica económica não consentiam em tolerar, ainda que o preço desse inconformismo fosse o de um maior desem-prego29. Em vez da estabilidade cambial, passam a

privile-giar-se objectivos de autonomia da política monetária e integração financeira.30 Se a rescisão do sistema de Bretton

trolo da taxa de desemprego só pode ser realizado de modo dura-douro à custa de uma aceleração da inflação – visão aceleracionista da “curva de Phillips”. Sobre a crítica de Friedman a Keynes vide NUNES, [1], p. 38 ss e 120 ss.

Mas a decadência do keynesianismo não se ficou a dever ape-nas à crítica monetarista. Influíram ainda factores como: a degrada-ção do poder de reivindicadegrada-ção sindical, em virtude da persistência do desemprego estrutural e da segmentação do mercado de trabalho; a impressividade do fenómeno inflaccionista e dos choques petrolíferos, influenciando os rumos das opções económicas; e a reordenação do “poder económico mundial”, com países como o Japão a imporem ní-veis de competitividade bastante elevados ao resto do mundo. Há quem considere ainda a “sufocação do Estado-providência” e a “perda de substância das formas clássicas de negociação colectiva” – R OSAN-VALLON, p. 102 a 106.

28 Sobre o intenso debate teórico travado em torno do problema

da (in)dependência dos Bancos Centrais vide NUNES, [2], p. 219 a 239 e PATRÍCIO, p. 37 ss.

29 Sobre a visão estritamente monetária do fenómeno inflacionista

preconizada por Friedman vide NUNES, [1], p. 259 ss e 327 ss.

30 Deste modo, adquirem particular relevo o risco e a

instabili-dade cambial. Aquele risco, tal como o considera Teresa Faria (FARIA, p. 11) “consubstancia-se na possibilidade de ocorrência de perdas resultantes de variações de câmbio de divisas inesperadas” e é analisável sob três aspectos: o risco económico, traduzido na possibilidade de o valor actual líquido dos “cash flows” variar devido a uma alteração

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Woods operou por efeito da vontade unilateral dos norte--americanos, a extinção do “modelo” e dos referentes de sentido que lhe subjaziam resultaram já de um “mútuo consentimento” das próprias partes nessa experiência.

O regime cambial consiste num conjunto de regras que definem o poder de intervenção das autoridades nacio-nais nos mercados cambiais. Os dois pólos opostos são o regime de câmbios fixos e o de câmbios flexíveis31; mas,

entre um e outro, existem outras modalidades, como a “pari-dade deslizante”32 (“crawling peg”), a flutuação

administra-tivamente controlada33, ou o “currency board”34. Depois de

Bretton Woods, o sistema de câmbios fixos foi retomado,

das taxas de câmbio; o risco de consolidação, correspondente à even-tualidade de perdas emergentes da consolidação de operações interna-cionais, de acordo com regras contabilísticas pré-determinadas; e o risco de transacção, que consiste nas perdas resultantes da contratação de transacções cujos termos são fixados em moeda estrangeira.

31 Num sistema de câmbios flutuantes, o valor da divisa depende

do encontro entre a oferta e a procura em termos de mercado, isto é, o câmbio passa a depender das variações na balança comercial e na balança de capitais do país. Num sistema de câmbios fixos, como o de Bretton Woods ou o do SME, há definição de uma paridade de referência entre a moeda do país considerado e uma outra divisa (ou conjunto de divisas), comprometendo-se os bancos centrais a inter-vir nos mercados, comprando e vendendo moeda para garantir essa paridade. Sobre a evolução dos câmbios flutuantes nas décadas de setenta e de oitenta vide EICHENGREEN, [2], p. 212 a 229.

32 Apesar de existir uma paridade fixa, o valor de referência é

periodicamente revisto em função de parâmetros pré-estabelecidos.

33 Aqui o princípio é o inverso do do caso anterior: a taxa é,

em princípio, flutuante, podendo, todavia, as autoridades efectuar inter-venções pontuais nos mercados cambiais para defender uma paridade considerada desejável.

34 Aqui, para além de uma ligação cambial, prescreve-se uma

dependência do crescimento da massa monetária no interior do país relativamente às reservas em divisas na sua posse.

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no palco europeu, pela experiência do SME35 e, mais tarde,

pela UEM36; porém, à parte experiências regionais, a grande

tendência mundial tem sido a da flutuação cambial. Claro que não se trata de uma flutuação total, visto a maioria dos países não abdicar de um certo controlo cambial, demons-trando mesmo apreço por medidas de estabilização da res-pectiva moeda por referência a divisas “fortes”, como o marco (euro?), o dólar ou o iéne37. Paralelamente, com o

aumento da abertura ao exterior e com a crescente mobi-lidade dos capitais, a coordenação monetária surge cada vez mais difícil, como parece ter ficado provado, mau grado os Acordos do Plaza e do Louvre38, desde o “crash” da

bolsa norte-americana em 1987.

35 O SME começou a ser aplicado após 13 de Março de 1979,

com o principal objectivo de controlar as flutuações das moedas, den-tro do que era exigível para um correcto funcionamento do mercado comum. Consistiu num sistema de definição de taxas centrais fixas, com margens de flutuação apertadas, sustentado por mecanismos de apoio a cargo das autoridades nacionais. Sobre a evolução da política monetária europeia vide PORTO, p. 301 a 305 e ANDRADE, p. 251 a 278. Sobre o SME, CAMPOS, p. 685 a 690.

36 Sobre as etapas e características da UEM vide CAMPOS, p. 690 ss,

SILVA, p. 31 a 63 e 79 a 101.

37 Em 1980, de um total de 140 países, 94 declararam preferir

taxas de câmbio fixas e apenas 34 taxas flutuantes. Já em 1998, para um total de 145 países, o primeiro valor regride para 55 e o segundo aumenta para 73 (LAHRÉCHE-RÉVIL, p. 96-97). Mas, na prática, os câmbios não flutuam de acordo com o jogo do mercado, mas nos termos da orientação estipulada pelas autoridades monetárias – à excep-ção, obviamente, de espaços como o “espaço euro”, onde as “mano-bras” deixaram de ser possíveis.

38 Os acordos do Plaza e do Louvre, celebrados em 1985 e 1987,

respectivamente, visaram estabilizar o valor do dólar e reagir contra a adopção de uma política proteccionista por parte da reserva federal norte-americana, empenhada em suster a queda do dólar e em atrair o investimento estrangeiro, nomeadamente o japonês. Sobre os refe-ridos acordos vide EICHENGREEN, [2], p. 224 a 229.

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A discussão teórica em torno do regime cambial que melhor há-de servir os objectivos de estabilidade e com-petitividade económica continua acesa, avivando-se sem-pre que o mundo vê eclodir uma nova crise financeira. A escolha de um regime cambial reveste-se de grande importância no que respeita à margem de manobra e aos meios ao dispôr dos Estados para estabilizarem as respec-tivas economias, influindo ainda sobre as relações comer-ciais com o exterior, dada à reconhecida “vantagem com-petitiva” de uma moeda depreciada.

O câmbio fixo, se é certo contribuir para uma maior segurança na vida económica do país – são menores as varia-ções da produção e do emprego – e apresentar-se como uma estratégia relativamente eficaz quando o objectivo é o de desinflação competitiva39, a verdade é que também

envolve alguns inconvenientes. Desde o impedimento em ajustar a taxa de câmbio nominal para fazer face a cho-ques assimétricos, à possibilidade de um aumento do nível geral dos preços, por via da “inflação importada” e suces-sivas depreciações da moeda. Acresce que, segundo a pers-pectiva dos críticos desta alternativa, qualquer programa de estabilização cambial estaria sempre dependente do “teste de mercado”, isto é, da reacção antecipada dos investidores que o poderá, inclusivamente, invalidar, pelo que a deter-minação do “câmbio de equilíbrio” não deveria ser esti-pulada pelos governos, mas antes determinada pelo pró-prio movimento dos mercados.

Os três grandes argumentos que, por seu turno, têm sido invocados em favor dos câmbios flexíveis são: o do papel de estabilizador automático da economia das taxas de câmbio40; o da melhor distribuição do poder financeiro

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39 Nesse sentido, GOSH.

40 Friedman entendia existirem “virtudes estabilizantes” da

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à escala internacional que propiciam; e o da salvaguarda da autonomia da política monetária, permitindo operar os reque-ridos ajustamentos no caso de choques externos.41 Mas não

falta quem lhes aponte também desvantagens: a incerteza sobre a evolução dos preços dos bens e serviços em moeda estrangeira; os efeitos perniciosos sobre a competitividade da oferta nacional, logo, sobre a produção e o emprego; os “surtos especulativos” a que dão lugar, etc42... Diz-se ainda

que a recuperação de margens de manobra por parte da política monetária é falaciosa, na medida em que, num contexto de integração financeira, há um forte condicio-namento externo à fixação das taxas de juro no mercado nacional43. Quer isto dizer, se os câmbios flexíveis

propi-ciam reajustamentos económicos menos bruscos, em caso de “turbulência” no sector financeiro, não deixam também de comunicar aos mercados um elevado grau de volatibi-lidade, posto que fazem depender a estabilidade cambial das expectativas dos investidores.

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41 CROS (p. 19) contesta que a opção por um sistema de

câm-bios flexíveis possa verdadeiramente conferir um poder de autonomia à política monetária. Desde logo, porque os próprios movimentos de mercado e a volatibilidade cambial acabam por afectar as escolhas eco-nómicas estaduais.

42 STIGLITZ, p. 544-545. Uma característica íntrinseca aos

mer-cados cambiais, em regimes de flutuação, é a de que a incerteza dos sujeitos económicos quanto à evolução futura da conjuntura e das políticas a realizar conduz a comportamentos de reacção por excesso, muitas vezes baseados na imitação de outros operadores. Ora, daqui resulta, evidentemente, uma apreciação ou depreciação excessiva de certa moeda face àquele que seria o seu valor, em termos de taxa de câmbio de equilíbrio (atendendo às variáveis macroeconómicas). Esta volatibilidade cambial prejudica a actividade económica das empresas, a colocação dos investimentos, a expansão do comércio internacional e o crescimento económico. Para uma crítica ao regime de câmbios flexíveis vide FELIX, p. 181-186.

43 É o ponto de vista perfilhado por AGLIETTA, [1], p. 318 e

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Em bom rigor, não sendo nenhum deles perfeito, a escolha de um regime cambial deverá atentar às semelhanças e às diferenças que se estabelecem entre as economias dos países cujas moedas se poderão submeter a uma política de coordenação, bem como à própria estrutura económica do país em causa. Sempre que num certo espaço se veri-fiquem as características de uma “zona monetária óptima”44

haverá, em princípio, todo o interesse em fixar as taxas de câmbio, pois assim se permitirá a realização de objec-tivos atinentes à balança de pagamentos e à própria conjun-tura interna (inflação e desemprego) de modo mais eficaz.

Com a ruína dos pilares de Bretton Woods, o sistema monetário e financeiro internacional sofre mudanças signi-ficativas ao nível do carácter e do destino dos fluxos de capitais internacionais. Vejamos mais de perto qual o sig-nificado e o alcance deste outro desenvolvimento.

2.2. Os novos movimentos internacionais de

capitais

2.2.1 Carácter e destino dos investimentos internacionais Os movimentos internacionais de capitais, desde mea-dos da década de setenta, têm vindo a modificar-se num triplo aspecto: quanto à area geográfica em que se concen-tram; quanto à natureza do credor e devedor; e quanto à própria composição e duração do investimento. Conden-sando estes vários aspectos numa única afirmação podería-mos dizer, em relação às “patologias” do sistema monetário

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44 A existência de uma “zona monetária óptima” prende-se com

a presença de integração de mercados (de bens e serviços e financei-ros) e com a correlativa mobilidade de factores de produção. É duvi-doso, nesta perspectiva, que a UEM constitua uma zona monetária óptima (AZEVEDO, p. 23).

(20)

e financeiro internacional, que a evolução operada ditou uma passagem de crises de endividamento público para crises de endividamento privado, primacialmente localizadas em zonas económicas “emergentes” e motivadas pelo afluxo de “investimentos de carteira” a curto prazo. Expendamos, con-tudo, algumas palavras mais sobre cada um destes aspectos.

Quanto ao destino que os movimentos de capitais ten-dem a privilegiar, as alterações têm vindo a registar-se num duplo sentido: o de um progressivo endividamento dos Esta-dos UniEsta-dos, outrora “credores”, e o de uma preferência por aplicações em países em desenvolvimento. Quanto ao primeiro aspecto, é de realçar que, se sob égide do sistema do padrão ouro-dólar encontrávamos fluxos de cariz interestatal, saídos dos Estados Unidos em direcção à Europa, na década de oitenta são os próprios norte-americanos que se vêem obrigados a recorrer ao financiamento externo, nomeadamente junto ao Japão e à Europa Ocidental. Já quanto ao segundo aspecto, cumpre destacar o papel das “economias emergentes” da América Latina ou da Ásia que, nos anos noventa, surgem como pólos de atracção do capital privado que circula de mercado em mercado, em função das oportunidades de lucro. Estima-se que, de 1991 a 1994, os agentes privados tenham investido, em termos de fluxos líquidos de longo prazo, cerca de 500 mil milhões de dólares em regiões em desenvolvimento, número que contrasta com os 120 mil milhões de 1986 a 198945. Esta movimentação de capitais é explicável com

base em factores variados. Em primeiro lugar, factores conjunturais, onde se incluem razões atinentes à própria

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45 Segundo a informação de ADDA, [2], p. 57. Outros dados

relevantes (idem, p. 25) são os de que os investimentos privados em “economias emergentes” suplantam hoje os montantes de auxílio pú-blico ao desenvolvimento, ficando estes reservados aos chamados “países de terceiro mundo”.

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conjuntura económica dos países industrializados do Oci-dente – a baixa das taxas de juro e o excesso de poupança privada – mas também circunstâncias internas de muitos países devedores, nomeadamente, o “boom” no preço dos activos que acompanhou as elevadas taxas de crescimento destas zonas em desenvolvimento. Em segundo lugar, factores de índole estrutural, onde são de destacar a pros-secução de políticas de privatização e liberalização dos mer-cados e a criação de condições propícias à entrada de capital estrangeiro, tanto ao nível da taxa de juro, como das dições de acesso de investimento estrangeiro. Há quem con-sidere ainda factores políticos e institucionais, como des-regulação e rápida abertura da conta de capital, garantias públicas ao financiamento, e política de esterilização das entradas de capital46.

Um aspecto que os analistas têm vindo a assinalar, relativamente a estes fluxos de capitais, é o de que tais movimentos revelam um carácter cíclico, aumentando em fase de forte crescimento económico e diminuindo quando este abranda. Para além disso, pode ainda notar-se que o movimento de retirada de capitais de um país em desen-volvimento aquando de um choque financeiro – em espe-cial, no que se refere aos capitais colocados a curto prazo – é cerca de duas vezes mais intenso do que o movimento de sinal oposto que se verifica na fase de prosperidade eco-nómica e alta dos mercados. Traduzindo esta ideia em números, poder-se-á notar que, de 1968 a 1998, os dados relativos a 33 países em desenvolvimento demonstram que a elasticidade da dívida privada de curto prazo é de 0,9 % face ao PIB, em fase de crescimento, e de 1,8 %, em época de “turbulência” financeira47.

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46 Para um exame completo das causas dos fluxos

internacio-nais de capitais da década de noventa veja-se CALVO/LEIDERMAN e REINHART, p. 125-128 e DADAUSH/DASGUPTA, p. 1 ss.

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Quanto ao carácter do credor, a modificação operou no sentido de uma substituição das transferências de capi-tais públicos por colocações de capicapi-tais privados. Relativa-mente à natureza do devedor, se a crise mexicana de 1982 foi ainda uma crise de endividamento externo48, a crise

tailandesa de 1997 ficou já marcada por um sobreendivi-damento privado, como adiante melhor se explicitará49.

Por último, atentando à composição dos capitais inves-tidos, salientam-se dois aspectos. Primeiro: a intermediação bancária ocupa um papel cada vez menos relevante, sobre-tudo quando comparado com o que tende a assumir o investimento bolsista50. Segundo: os investimentos directos,

aos quais ainda preside uma certa lógica produtiva, têm vindo a ser suplantados pelos investimentos de carteira, des-locando-se a duração do investimento do médio-longo para o curto e muito curto prazo51. Estima-se que, em 1997,

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48 Sobre a crise de endividamento externo mexicana vide ADDA,

[2], p. 100 a 107. Entre 1960 e 1971, a dívida externa mexicana pro-grediu a uma taxa anual de 10%, crescendo a respectiva economia ao ritmo de 6,7% ao ano (MEDEIROS, p. 181 a 183). De 1972 a 1976, a taxa anual de endividamento externo aumentou para 36% e, de 1977 a 1979, para 17%. Foi a esta “velocidade” que a dívida mexicana pôde atingir um volume de 86 biliões de dólares em 1982. A causa primordial deste sobreendividamento foi o funcionamento de transferências de “petrodólares” dos países da OPEP para as econo-mias da América Latina.

49 Infra, p. 33 ss.

50 Da totalidade de fluxos financeiros líquidos a mais de um

ano para os países em desenvolvimento, para o período de 1990 a 1993, apenas 2% eram por créditos bancários (ADDA, [2], p. 59).

51 Podemos distinguir dois tipos de investimentos realizados pelos

agentes privados de países desenvolvidos em países em desenvolvi-mento: aqueles em que os capitais se destinam a financiar projectos industriais ou se constituem sob a forma de participações nas empre-sas locais e aqueles que correspondem a investimentos de carteira.

(23)

cerca de 60% dos créditos bancários em países em desen-volvimento representavam dívidas com um prazo de matu-ridade inferior a um ano. A dívida de curto prazo dos paí-ses em desenvolvimento terá evoluído de, 1990 para 1997, de acordo com os estudos do Banco Mundial, baseados no “GDF” (“Global Development Finance Standard of Ori-ginal Maturity”), de 244,6 para 469,3 biliões de dólares52.

A facilidade de movimentação dos capitais e a assunção explícita de uma exclusiva motivação “especulativa” que, no fundo, explicam o destino da colocação dos capitais, são traços que se integram num movimento amplo que afectou tanto países desenvolvidos, como alguns países em desenvolvimento: a revolução financeira internacional.

2.2.2. A “economia internacional de especulação”

As bases de uma “economia internacional de especu-lação” foram construídas ao longo de um processo de “revolução financeira”iniciado nos anos oitenta, nos paí-ses mais desenvolvidos53. Convém, desde já, notar que este

Estes últimos tendem, cada vez mais, a ser dominantes, o que vem fazer relevar a importância da capacidade dos sistemas do país de aco-lhimento em absorver o investimento e em canalizá-lo para activida-des produtivas.

52 DADUSH/DASGUPTA, p. 2.

53 A “revolução financeira” não constituiu um movimento

priva-tivo de países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento também optaram por liberalizar e internacionalizar os respectivos mercados financeiros. Apenas com duas especificidades: fizeram-no mais tarde, numa época em que na Europa ou nos Estados Unidos já se ouviam vozes que alertavam no sentido de um regresso à protecção por via da re-regulamentação dos mesmos, e de modo brusco, porventura mesmo precipitado, atendendo à posição das respectivas economias face ao exterior e à incipiência dos respectivos mercados de capitais. Sobre os caracteres da “revolução financeira” internacional, em geral,

vide MARQUES, p. 191 ss. O nosso país também conheceu uma

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fenómeno é, em si mesmo complexo, assumindo configu-rações diversas consoante os países em causa, para além de nem sempre ser fácil distinguir uma causa de um efeito deste novo “paradigma” financeiro. Centrar-nos-emos ape-nas naquilo que, de acordo com o que pudémos apurar, constitui um “legado universal”, comum aos vários mer-cados financeiros nacionais, procurando expôr, sem ordem precisa, as marcas mais salientes da dita “revolução”.

A filosofia dominante após a crise de 1929-1933, já o dissemos, foi a de regulamentar os mercados, atendendo à relevância do “interesse público” em assegurar a sua robustez e em minorar o risco e/ou o impacto de crises. Daí que a imagem dos sistemas financeiros, até à década de oitenta, se pautasse por dois vectores essenciais: espe-cialização-compartimentação e especificidade-regulamenta-ção54. Paralelamente, o “empréstimo bancário” assumia-se

como a principal fonte de financiamento da economia. Durante os anos setenta, as pressões do dólar, os cho-ques petrolíferos e as divergências dos fenómenos inflacio-nistas no seio da OCDE criaram a ambiência necessária a uma mutação dos sistemas financeiros. Confrontados com a elevada volatibilidade de taxas de juro e taxas de câm-bio e com o incremento das operações de “engenharia finan-ceira” de que as entidades actuantes no mercado se serviam

“revolução financeira”, apesar de tardia em relação a países como a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos. Sobre as particularidades da evo-lução do sistema financeiro português vide NUNES [2], p. 173 a 209, VILAR, QUELHAS, p. 121 ss, CONSTÂNCIO, p. 19-31, ADEGAS, p. 77 a 88 e BARATA p. 138-166.

54 A regulamentação consiste num conjunto de regras apertadas

que disciplinam o campo de actividade de cada intermediário financeiro, de modo individualizado e, em regra, proibindo o exercício de várias actividades financeiras por uma só entidade. Fez-se muitas vezes acom-panhar de um sistema de controlo directo da liquidez da economia.

(25)

para contornar as proibições55, os governos acharam-se

obri-gados a retirar os obstáculos à livre iniciativa privada nos mercados de capitais. A lógica passa a ser outra: a liber-dade torna-se a regra e a restrição a excepção. A opção pública será, doravante, a de uma “não ingerência” na actividade económica dos privados, além do necessário para assegurar a livre concorrência.

As taxas de juro e os montantes de crédito passam a fixar-se pelo jogo do mercado (“mercadização”). Os con-trolos da actividade financeira vão-se desmantelando, quer ao nível interno, quer quanto aos limites impostos às entra-das e saíentra-das de capitais do país. Prospera a “desinterme-diação financeira”, passando os privados a financiar-se mediante os seus próprios meios ou recorrendo ao mer-cado de capitais.

Expande-se o número e diversidade de instituições finan-ceiras não bancárias; acelera-se o processo de internacio-nalização das actividades financeiras tendente a formar um só mercado financeiro integrado56. Daqui resultou um

pro-gresso da mobilidade geográfica dos capitais e da

intercom-________________________

55 Saliente-se, contudo, que, a par da motivação de “fuga à

proi-bição”, os produtos financeiros desenvolveram-se sob impulso de uma necessidade de os agentes económicos se precaverem contra a insta-bilidade e o risco cambial, crescentes desde o fim da “era” de Bretton Woods. Aliás, foi uma tal insegurança conduziu a que a “especula-ção” se instalasse definitivamente nos mercados cambiais, como estraté-gia dos operadores que aceitam os riscos alheios. Resta saber se esta função, aparentemente vital, não exige um pagamento de um preço demasiado elevado.

56 O fenómeno de integração dos mercados financeiros não é

privativo do nosso século. Na segunda metade do século XVIII, o grau de integração dos mercados de capitais europeus era já conside-rável, segundo conclui L. Neal (NEAL, p. 219-226). Ainda assim, os

mercados actuais parecem apresentar um grau de integração finan-ceira mais elevado que o das épocas predecessoras – nesse sentido, REY, p. 8.

(26)

plementaridade entre mercados (monetário e financeiro), mas também uma maior concentração das actividades finan-ceiras internacionais.57

O papel do financimento directo amplia-se (inclusiva-mente, no que respeita à dívida pública) e propaga-se um fenómeno de “titularização”58. A fragilidade na garantia dos

créditos aumenta, dado que a liquidez passa a depender em exclusivo da segurança que o mercado puder oferecer, através da respectiva “profundidade”, e da gestão e diver-sificação de carteiras de activos dos investidores.

Os mercados financeiros, em sentido amplo, sofrem mutações num duplo nível. De uma parte, ao lado dos mercados “clássicos” de valores mobiliários, emergem os “mercados de derivados”, onde os riscos assumidos são bas-tante superiores, graças ao chamado “efeito de alavanca” e à forte componente especulativa que lhes subjaz59. De outra

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57 Nos últimos anos, regista-se uma tendência para a

concentra-ção das actividades financeiras em determinadas praças, com o desman-telamento de obstáculos diversos, desde barreiras ligadas aos custos resultantes do distanciamento geográfico e económico, até a limita-ções relacionadas com as diferenças de funcionamento e regulamen-tação entre praças financeiras (CHOPPIN-ANSIDEI, p. 16-19). Por outro lado, a concentração ao nível dos operadores é também crescente. Para uma análise das fusões e aquisições na banca europeia em 1999

vide ADJIMAN, p. 52-53. A tendência para a formação de grupos

ban-cários representa uma série de desafios às entidades de regulação e supervisão do mercado. Nestas concentrações bancárias desenvolvem--se riscos específicos como “o risco de insolvência sistémica do grupo, o risco de opacidade ou nebulosidade da sua estrutura, o risco de lesão da livre concorrência e o risco de resolução de conflitos de interesses em detrimento dos do consumidor bancário” (CÂMARA, p. 120).

58 Por exemplo, nos EUA, o peso das transações internacionais

sobre títulos, em percentagem do PIB era, em 1975, de 4,2 %, passando para 36% em 1985, segundo dados fornecidos por ADDA, [1], p. 149.

59 Sobre os riscos dos futuros e das opções vide PEIXOTO,

p. 123-136. Sobre a especulação nestes mercados, idem, p. 145-147 e 193-197.

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parte, o aparecimento do “princípio do banco universal”60

e a substituição do empréstimo bancário pela dívida titu-lada (“securitização”)61, como traços marcantes da reacção

dos bancos às novas tendências.

As operações financeiras tornam-se cada vez mais céleres e mais fáceis, com os avanços tecnológicos e com a proliferação de novos canais de distribuição (“e-com-merce”, “PC banking”, internet, “WAP”). Avoluma-se a procura de produtos financeiros (“democratização”) e, com ela, cresce a competição entre operadores, em vista a alcan-çar novas soluções (“inovação financeira”). Desdobram-se os esforços no sentido de maior flexibilidade e proximi-dade do cliente (“tailoring”) e de redução do risco, assim surgindo instrumentos como os NIF (“note issuance faci-lities”) ou os RUF (“revolving underwritting facifaci-lities”) e novos produtos, como os futuros financeiros, os “swaps” ou os “forward”. Estes produtos se, por um lado, repre-sentam um progresso, na medida em que oferecem novas possibilidades aos investidores trazem, por outro lado, um incremento das possibilidades de ineficiência do sistema. Eles constituem um exemplo típico dos chamados “bens ou serviços de confiança”, isto é, bens e serviços cuja qua-lidade nem sempre é imediatamente avaliável após os pri-meiros actos de consumo.62

Os novos sistemas financeiros desinteressam-se, em certa medida, pela economia propriamente dita. A “eco-nomia financeira” assurgente fica conhecida por uma

ver-________________________

60 Que, no essencial, traduz uma ideia de acesso dos bancos a

áreas de onde, noutros tempos, se excluiram, em especial da dos mer-cados de capitais.

61 As novas actividades a que os bancos se dedicam

provoca-ram modificações na respectiva estrutura contabilística, através do apa-recimento das chamadas “operações fora do balanço”.

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dadeira “exuberância” nos ganhos de capital que propor-ciona, sendo flagrante a desproporção entre a remunera-ção do aforro e a rentabilidade económica do capital imo-bilizado. A desenvolução sofrida nos mercados financeiros abriu as portas a situações como a do célebre fundo “LTCM” norte-americano que, especulando sobre uma base 25 vezes superior ao seu capital de partida, pôs em perigo a pró-pria praça financeira nova-iorquina, obrigando a uma inter-venção da Reserva Federal. Esta especulação é autónoma, isto é, não possui ligação, directa ou indirecta, com a acti-vidade económica real dos países, nem com o normal desenvolvimento das relações de troca transfronteiriças. Apesar de o comércio internacional ter vindo a crescer nos últimos anos, sendo conhecidos os esforços de liberalização, sob impulso da OMC63, o montante global de transacções

financeiras que diariamente se efectua supera com niti-dez o valor das trocas internacionais de bens e serviços. Segundo estimativas do Banco de Pagamentos Interna-cionais, aquele valor revela-se, em média, cerca de cin-quenta vezes superior ao valor do comércio internacional de mercadorias e serviços64. Estima-se que o volume das

________________________

63 O volume de exportações, em percentagem do PIB, dos países

da OCDE tem vindo a crescer desde o final da IIª Guerra (BAGARD/ /HERZOG, p. 106, SAMUELSON, [1], p. 547). Muito embora,

segun-do D. Felix (FELIX, p. 175) seja de reconhecer que o volume do comércio internacional actual é bastante inferior ao que se verificava na década de sessenta. Sobre os caracteres da globalização comercial

vide MEDEIROS, p. 92.

64 Segundo a informação de PHLION, [2], p. 23. Também

se-gundo Giddens: “da soma de um trilião de dólares em divisas que muda de mãos todos os dias, só uma parcela de 5 por cento está relacionada com o comércio ou outras transacções económicas subs-tantivas. Os 95 por cento restantes são constituídos por especulações e arbitragens...” (GIDDENS, p. 130). Chomsky dá-nos conta de que, no sistema de Bretton Woods, cerca de 90% das trocas internacio-nais eram para investimento e comércio e apenas 10% para especulação

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trocas de divisas em 1996 tenha sido de 280 triliões de dólares, o que representa, nesse ano, 10 vezes o PIB mun-dial e 40 vezes o volume de exportação munmun-dial de bens e serviços65. Prospera uma verdadeira desconexão entre a

“economia de papel” e a “economia real”, uma “autono-mia das finanças” face à produção, própria de uma verda-deira “economia internacional de especulação”.

Os mercados financeiros, evoluindo no sentido de per-mitir aos agentes económicos uma gestão eficaz das incer-tezas da actividade económica caminharam também, algo paradoxalmente, para uma instabilidade generalizada. O olhar para o passado recente das finanças internacionais deixa--nos a imagem de um mercado em livre curso, acometido pela fragilidade e pela instabilidade permanentes66.

2.3. Risco de sistema

De todos os riscos a que os economistas vêm fazendo referência67, distinguiremos aqui o risco sistémico, por ser

aquele que verdadeiramente especifica a insegurança e o desassossego inerentes à globalização financeira.

(CHOMSKY, p. 37). Também Felix conclui existir uma desproporção entre as trocas da “economia real” e as transacções cambiais internacio-nais em economias globalizadas (FELIX, p. 171-172).

65 SINGH, p. 3.

66 Podemos, pois, constatar a existência de uma forte

correla-ção entre os fenómenos associados à desintermediacorrela-ção bancária e “revo-lução financeira” em geral e a instabilidade. Foram nesse sentido as palavras de Philip Davis na conferência entitulada “Que sistema finan-ceiro para o ano 2000?”, realizada em Lisboa em Dezembro de 1999 (ABREU p. 90). Um estudo recente baseado em dados empíricos rela-tivos a cinquenta e três países, entre 1980 e 1995, conclui que libe-ralização financeira aumenta a probabilidade de ocorrência de crises bancárias KUNT/DETRAGIACHE (p. 32-33).

(30)

Noutros tempos, em que os mercados eram segmen-tados, os operadores financeiros especializados e as taxas de juro elevadas e fixadas administrativamente, o risco jamais atingia a dimensão do sistema. Actualmente, o prin-cípio que vigora é de desimpedimento à livre transacção e movimentação de capitais, daí emergindo o chamado risco de sistema, traduzido na probabilidade de um “acidente” isolado em determinada componente se comunicar às restan-tes, em virtude de um “efeito de contágio”. O fenómeno explica-se com base em duas considerações. Primeira: a existência de uma espécie de “repercussão” das perdas que consiste no facto de os investidores, ao temerem uma baixa da rentabilidade da carteira, se esforçarem por trans-ferir esse encargo para os demais. Segunda: o “efeito de imitação” nas condutas dos operadores. Depois, a utilização de meios informáticos e a rapidez nas comunicações faz com que as “bolhas especulativas” se propaguem com con-siderável amplitude e celeridade, potenciando a “reflexi-vidade” das posições assumidas pelos investidores68.

O “risco sistémico” cresce sempre que as regulamen-tações e obstáculos à livre colocação dos capitais se enfra-quecem ou extinguem69. Em seguida, a transmissão

“relâm-pago” da informação e a imitação de condutas entre os operadores financeiros garantem o “contágio”. Evidencia--se ainda que o grau de concentração das actividades finan-ceiras internacionais propicia a tomada conjunta de posições pelo mercado, logo, a ampliação de tendências e

resulta-________________________

67 Risco de crédito, risco de taxa de juro, risco relativo à

evo-lução do mercado, etc...

68 Para uma abordagem mais detalhada das causas do “risco do

sistema” vide AGLIETTA, p. 227-242.

69 É possível demonstrar empiricamente uma relação positiva entre

a incidência e a extensão do risco sistémico e a amplitude da libera-lização e globalibera-lização financeiras (CALVO/MENDONZA, p. 3 ss).

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dos através de movimentos de massas. Observemos um pouco mais de perto os traços deste “capitalismo mono-polista” à escala mundial.

O incremento da concorrência entre instituições esti-mulou a assunção de riscos e impôs, em muitos casos, a concentração das actividades em grandes “conglomerados” financeiros, o que vem suscitar inúmeros problemas e obs-táculos aos poderes das entidades reguladoras70. Além dos

operadores, também os mercados cambiais e as praças finan-ceiras se encontram geograficamente polarizados: as praças de Londres, Nova Iorque, Tóquio, Paris e Frankfurt asse-guram a quase totalidade das transacções cambiais mundiais. Doutra parte, não podemos desconsiderar o facto de, na base de muitas das mutações estruturais ligadas à globalização financeira, se encontrar o fenómeno de expan-são da gestão colectiva de carteiras. O peso dos investido-res institucionais revela-se cinvestido-rescente: em 1997, o valor dos activos detidos por investidores institucionais, em percenta-gem do PIB, equivalia a 186%, nos EUA, em França, a 97% e no, Reino Unido, a 185%71. Esta expansão foi

propiciada, em larga medida, pelo crescimento da “desin-termediação” financeira. Os investidores institucionais for-mam um conjunto heterogéneo onde encontramos

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70 Sobre os problemas que se colocam ao legislador e às

enti-dades supervisoras em virtude da existência destes conglomerados vide PEREIRA, p. 36-40.

71 Segundo dados recentes da OCDE (OCDE, p. 249). Segundo

o 68º relatório anual da BRI, de Junho 1998 (PHLION, ([3], p. 34), estes investidores movimentaram, nos Estados Unidos, montantes pró-ximos dos 10 500 mil milhões de dólares e, na Europa, cerca de 6 660 mil milhões de dólares só no ano de 1995. F. Chesnais (C HES-NAIS ([1], p. 42) refere ainda que, em 1995, o montante de activos financeiros dos investidores institucionais dos países da OCDE equi-valeu a 2/3 do valor do PIB mundial.

(32)

várias espécies: os organismos de aplicações colectivas, os fundos especulativos, as companhias seguradoras e os fun-dos de pensões72. Nos Estados Unidos, avulta o papel destes

últimos, enquanto na Europa parece ser maior o relevo dos dois primeiros. Os organismos de aplicação colectiva são aqueles que recentemente mais têm vindo a crescer73,

destinando-se fundamentalmente ao investimento dos particulares em valores mobiliários, em regra, em acções. Os fundos especulativos (“hedge funds”) visam já a capta-ção de capitais de investidores com disponibilidade sobre montantes pecuniários ou financeiros elevados e que, por isso, tolerem melhor o risco. No seu seio distinguem-se ainda os “macro funds”, que assumem posições em fun-ção da conjuntura económica global, especulando funda-mentalmente sobre taxas de juro e moedas, e os “global funds”, que tendem a canalizar os respectivos investimen-tos para zonas de elevado risco. Todos estes fundos apre-sentam, em regra, taxas de internacionalização de carteiras

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72 Os fundos de pensões são investidores vocacionados para o

financiamento das reformas, adquirindo particular importância em siste-mas de reforma por capitalização como o norte-americano. Sobre o relevo e os problemas suscitados por este sistema de fundos de pen-sões vide “Fonds de pension et nouveau capitalisme”, p. 13 a 113. Sobre as tendências e modelos de reformas nas Europa, veja-se “La montée des fonds de pensions”, idem, p. 209 a 246. A importância dos mercados financeiros nos sistemas de reforma começa a ser uma realidade também na Europa. A Holanda apresenta valores relativos aos activos dos fundos de pensões na ordem dos 502 biliões de dóla-res, o que equivale a 127% do PIB, o Reino Unido 1015 biliões de dólares, correspondendo a cerca de 77% do PIB. Em Portugal, exis-tem já 10 biliões de dólares em activos em fundos de pensões, o equivalente a 9% do nosso PIB (MATIAS, p. 86).

73 Os montantes globais detidos em carteira evoluiram, entre

1987 e 1996: nos Estados Unidos, de 770 para 3 539 mil milhões de dólares, no Japão, de 305 para 420 mil milhões de dólares e, na Alemanha, de 42 para 134 mil milhões de dólares – PHLION, [3], p. 35.

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bastante elevadas e variáveis e, na maioria dos casos, assu-mem comportamentos gregários, fazendo com que a pos-sível desordem financeira atinja proporções multiplicadas.

Posto isto, resta questionar se, frente a esta compo-nente “sistémica” da economia actual, o futuro nos reser-va um convívio cíclico com “crises globais”, do tipo da que se gerou na Tailândia há três anos atrás.

3. As “novas” crises financeiras

3.1. As circunstâncias da crise asiática 3.1.1. O “acidente” tailandês

Em 1997, teve início na Tailândia, de modo aparente-mente inexplicável dado aos níveis de crescimento econó-mico, uma crise financeira cuja singularidade foi a de desor-ganizar os mercados a nível mundial. Nunca houvera suce-dido, em perturbações financeiras anteriores, que um aci-dente “regional” pudesse desencadear uma crise económica à escala global.74

Na primeira metade dos anos noventa, as economias asiáticas beneficiaram de elevadas taxas de crescimento eco-nómico75, exibindo aquilo que normalmente se considera

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74 Nomeadamente, a crise que afectou a América Latina em

1994. Para uma aproximação entre a crise asiática e a crise latino--americana vide KAMINSKY/REINHART, p. 444-448.

75 A Indonésia, a Malásia e a Tailândia, entre outros países,

cres-ceram, em média, entre 1992 e 1995, a um ritmo de 7% ao ano (EICHENGREEN, [2], p. 277). O “milagre económico” asiático foi, em larga medida, fruto da capacidade de exportação destes países, cujos custos de produção são reduzidos, em virtude da degradação dos salários e da precaridade dos sistemas de segurança social. WARR

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um cenário macroeconómico estável, com taxas de infla-ção moderadas, níveis de endividamento público reduzi-dos e balança de pagamentos sem desequilíbrios preocu-pantes. É também por esta altura que, sob pressão do FMI, os governos asiáticos decidem abandonar os regimes de fixa-ção de limites administrativos à concessão de crédito até então prosseguidos e enveredar por políticas de liberalização e abertura ao exterior do sector financeiro.

Sob este pano de fundo, foi possível que, de 1991 a 1996, as entradas de capitais estrangeiros na Tailândia atin-gissem 82 mil milhões de dólares, cerca de 9% do PIB tailandês76. Para além de inexistirem agora limites ao

desen-volvimento de uma “economia creditícia”, nem obstáculos à entrada de investimentos estrangeiros, as “economias emergentes” da zona apresentavam taxas de juro cujos valo-res nominais poderiam rondar os 12%, contra cerca de 6% nos demais mercados internacionais. A escolha pública era claramente no sentido de captação de capitais do exterior. Em 1995, foi criado o regime das “Bangkok international banking facilities” destinadas, precisamente, a atrair o capital estrangeiro77. Do ponto de vista teórico, o processo

pare-cia ser bastante simples: a abertura financeira permitiria aos países em desenvolvimento beneficiar de fluxos de capitais estrangeiros para que, juntamente com a poupança nacio-nal (aliás, elevada), se pudesse financiar o investimento pro-dutivo e, deste modo, acelerar o crescimento económico; para os países desenvolvidos, as economias emergentes

melhoria da qualidade do trabalho ou de um aumento de produtivi-dade na região. Excepção feita ao Japão, o crescimento económico das economias asiáticas não esteve relacionado com um aumento de produtividade, motivado pela importação de “know-how” e de tecnologia do exterior. Para uma visão geral das causas e caracteres do modelo asiático de crescimento vide CRAFTS, p. 146-155.

76 EICHENGREEN, [2], p. 277. 77 NICOLAS, p. 6.

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figuravam como oportunidades de investimento rentável e de diversificação de riscos. Contudo, na prática, o processo revelou-se bem mais complexo. Ensaiaremos expôr, de modo sucinto, os principais acontecimentos que poderão ter estado na origem da brusca depreciação do “bath” tailandês. Destacamos três circunstâncias anteriores à crise: o grau e a estrutura do endividamento destas economias, o sistema cambial prosseguido; e a degradação do saldo da balança comercial.

A maioria dos investimentos constituíam entradas de capital a curto prazo, consubstanciando, para os devedores locais, dívidas denominadas em moeda estrangeira. As ins-tituições de crédito tailandesas, muitas delas integradas em grupos financeiros,78 recebiam os capitais estrangeiros do

exterior, convertiam as divisas em “bath” e emprestavam em moeda local. Os capitais estrangeiros contribuiram para financiar investimentos de carácter especulativo, em espe-cial no sector imobiliário ou no mercado bolsista79.

É de destacar o papel desempenhado pelos bancos no seio das instituições financeiras locais: em 1995, a taxa de expan-são do crédito bancário face ao PIB era, na Tailândia, de 88,7% e, na Malásia, de 76,9%80. Dos 93 mil milhões de

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78 Para além de outras dificuldades, a dimensão das instituições

de crédito contribui, muitas vezes, para um incremento do risco moral dos respectivos credores que baseiam a sua confiança no devedor num argumento de “too big to fail”. Pensa-se que jamais as autoridades públicas consentirão em deixar que problemas de liquidez se trans-formem em situação de insolvência de instituições cujo relevo em termos de mercado possa pôr em risco a globalidade do sistema.

79 NICOLAS, p. 5.

80 MEDEIROS, p. 217. Os números apresentados resultaram, em

certa medida, do excesso de riscos assumidos pelos bancos locais. Uma tal situação explicar-se-ia pelas necessidades que se impõem à própria sobrevivência dos bancos pois estes, enfrentando problemas de redu-ção das margens de intermediaredu-ção, seleccionam activos mais

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