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3. As “novas” crises financeiras

3.2. Uma crise mundial

Uma das manifestações da “globalização” da econo- mia é a instabilidade dos mercados; a outra, a amplitude dos efeitos do “choque” em que tal instabilidade se tra- duz. A crise iniciada na Tailândia haveria ainda de afectar a Rússia e o Brasil, países cujas economias apresentam fra- gilidades estruturais, mas também teve impacto em países desenvolvidos do Ocidente.

3.2.1. Da Rússia ao Brasil...

No sudeste asiático, foi a desconfiança da capacidade do sistema para manter os índices de endividamento pri- vado com o exterior que provocou a crise; na Rússia e no Brasil, a quebra de confiança resultou já de uma acu- mulação excessiva de défices orçamentais111. Um aspecto

comum ao endividamento privado asiático e endividamento público destes países é o de que, em ambos os casos, as dívidas foram contraídas em moeda estrangeira e sob égide de regimes cambiais pouco flexíveis.

Relativamente à Rússia, apesar de se terem podido notar indícios macroeconómicos de crise, o momento em que esta se desencadeia e a sua amplitude revelaram-se ines- perados, resultando do “contágio financeiro” e do “contá- gio real” provenientes do sudeste asiático. Por um lado, foi a desconfiança dos investidores face a economias com sistemas financeiros frágeis e incipientes que conduziu à retirada do investimento do leste europeu. Por outro, o

Japão e nos EUA, considerando ainda ser possível que a incerteza que pesa sobre a região acarrete um crescimento económico mundial mais lento do que o que consta das previsões – nesse sentido, OUATTARA, p. 2.

111 AGLIETTA, [2], p. 65. ________________________

desequilíbrio da balança comercial russa ficou a dever-se à quebra na procura de matérias primas, resultante das desa- celeração da produção e do crescimento ocasionadas pelo episódio asiático.

As autoridades monetárias reagiram à saída de capitais impondo uma alta das taxas de juro e, ao mesmo tempo, utilizando as reservas em divisas para defender o câmbio do rublo. A 17 de Agosto de 1998, a Rússia anuncia uma série de medidas destinadas a fazer face às tensões finan- ceiras que pesam sobre o país. Entre elas, destacam-se a maior amplitude concedida à margem de flutuação do rublo, a imposição de uma moratória no pagamento das dívidas em moeda estrangeira suportada pelos residentes e a restruturação da dívida pública112. Estas medidas pro-

vocaram elevados constrangimentos sobre a “economia real”, como forte depreciação da moeda, fortes pressões inflacionistas e redução da taxa de crescimento do pro- duto.

O Brasil, por seu turno, enfrenta, a partir de Agosto de 1998, saídas de capitais do seu território na ordem dos 30 mil milhões de dólares. Na origem da desconfiança dos investidores esteve a degradação da dívida pública externa do país (na sua maioria indexada ao dólar), agravada com a alta mundial das taxas de juro, mas também, uma vez mais, a falta de credibilidade das “economias emergentes”, em virtude do sucedido na Ásia113. Em 15 de Janeiro de

1999, as autoridades brasileiras vêem-se obrigadas a deixar flutuar o real, de onde resultou uma depreciação desta moeda na ordem dos 17,3%114.

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112 WILD, p. 13-14 e 17-18. Veja-se ainda PIANELLI, p. 44-48. 113 SGARD, p. 24.

3.2.2 ...E à zona da OCDE

As economias da OCDE, apesar de conhecerem uma tendência de baixa das taxas de juro, sofrem desde há já algum tempo uma desaceleração dos níveis de crescimento económico. O crescimento do PIB mundial, em 1998, andou por volta dos 1,9%, aumentando para 2,6% em 1999, segundo as estimativas do Banco Mundial. A previ- são do nível de crescimento das economias da OCDE para 2000 alcança os 4,0% e 3,1% para 2001, segundo as pers- pectivas económicas da OCDE.115

O “choque” desencadeado pela crise asiática produ- ziu efeitos no seio dos países desenvolvidos, quer por via do comércio internacional, quer por via dos mercados finan- ceiros116. Por um lado, a crise asiática vem produzir efei-

tos sobre o comércio externo, a balança de pagamentos e o nível de crescimento económico dos países da OCDE, através dos fluxos internacionais de mercadorias entre zonas. Por outro lado, há que considerar que os efeitos da crise se fazem sentir, com especial rapidez, por via dos merca- dos financeiros integrados. Aqui os canais de transmissão são vários e os efeitos para as economias ocidentais são diversificados. Verifica-se uma restrição da oferta de crédito por parte dos bancos americanos, europeus ou japoneses nos mercados emergentes e as empresas que registaram per- das na zona asiática sofrem uma descida da cotação em bolsa. Em simultâneo, desencadeiam-se alterações na estru- tura e na dimensão da procura nos mercados financeiros

________________________ 115 OCDE, p. 2.

116 Sobre o “canal de transmissão” do comércio internacional

vide DE BOISSIEU, p. 26-28. Sobre o canal de transmissão dos mer-

cados financeiros e os respectivos efeitos (“reporte para a liquidez”, “reporte para a qualidade” e “efeito negativo de riqueza” por via do contágio) idem, p. 29-31.

dos países da OCDE. Beneficiando do facto de os investi- dores privilegiarem a qualidade e a liquidez da carteira de activos, os mercados bolsistas do Ocidente conhecem um período de alta. Os acontecimentos “periféricos” permiti- ram ainda aos bancos centrais desta zona controlar as pres- sões inflacionistas sem aumentos drásticos das taxas de juro. Posto isto, cumprirá ainda esclarecer uma derradeira interrogação: será que as crises financeiras de mercados “globais” são fenómenos que só poderão, de futuro, ocor- rer em “economias emergentes”? A resposta pode ser en- contrada, no passado, mediante uma análise da crise dos mercados bolsistas iniciada em Julho de 1998 ou, se recu- armos um pouco mais, em crises monetárias como a crise do SME de 1992117, ou ainda no presente, através da ob-

servação dos mercados financeiros norte-americanos, cuja euforia ou “exuberância irracional” alguns comparam mes- mo à situação da Ásia antes da crise118. A crise financeira

não é algo privativo de economias em desenvolvimento mas de mercados financeiros que, por definição, estão sujei- tos a fenómenos de pânico119. É o resultado de duas cir-

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117 Sobre a crise bolsista de 1998 pode ver-se BIACABE, p. 41-48.

Sobre a crise monetária na Europa veja-se ADDA, [2], p. 161-170, EICHENGREEN, [2], p. 255-268 e DARREAU/PONDAVEN, p. 261-264.

118 Nesse sentido, CADIOU, p. 11, SAMUELSON, [2], p. 11-12.

A economia norte-americana conhece um ciclo contínuo de cresci- mento económico há oito anos, mas isso não invalida a sua vulnerabi- lidade a oscilações cíclicas. Uma das preocupações fundamentais dos economistas norte-americanos (e não só) é a possibilidade de um “hard landing” da economia americana, com evidentes repercussões sobre a economia mundial. Vários autores aconselham a uma descida das taxas de juro pela Reserva Federal para contornar o perigo de recessão que se avizinha.

119 Concordamos, pois, com Jeffrey Sachs (apud JOLY p. 185)

quando considera que: “la crise asiatique est tout d’autant une crise du capitalisme ocidental que du capitalisme asiatique”. Também Soros

cunstâncias que desde há muito se reconhecem: a da ins- tabilidade que rodeia a actividade económica, quando a “preferência pela liquidez” se revela altamente irregular, e a da desigualdade, agravada sempre que o motivo princi- pal de uma economia seja a especulação e a acumulação desenfreada de capital120. As bases do capitalismo contempo-

râneo obrigam a pensar a “revolução keynesiana” como uma “revolução permanente”, nas palavras de Avelãs Nunes121.