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5. Propostas de defesa do sistema económico A crise asiática teve por único mérito o de reacender

5.3. Fortalecer e liberalizar os mercados finan-

ceiros

Uma opinião relativamente consensual entre os eco- nomistas é a de que há que instituir dispositivos prudenciais e mecanismos de controlo dos sistemas financeiros suscep- tíveis de reduzir a exposição ao risco dos operadores e, deste modo, de limitar a incidência de crises197.

de salvamento” aquando das crises financeiras chega a atingir 9% do PIB, em países em desenvolvimento, e 4% do PIB, em países indus- trializados. Ao que acresce o facto de o favor prestado aos credores das instituições de crédito operar em prejuízo dos cidadãos em geral. Ao nível da CE, a opção foi a da instituição de sistemas de garantia de depósitos – entre nós existe um Fundo de Garantia de Depósitos, pessoa colectiva de direito público incumbida da garantia do reem- bolso dos depósitos constituídos nas instituições de crédito que nela participam (arts. 154 e 155 dl 298/92 de 31 de Dezembro (RGIC)). Existe ainda um “Sistema de Indemnização aos Investidores” cuja fun- ção é, grosso modo, a da cobertura de créditos de que seja sujeito passivo uma entidade participante no sistema, a fim de esta reembol- sar os investidores pelo que lhes seja devido (art. 3 dl 222/99 de 22 de Junho).

196 ROGOFF, p. 30.

197 A. Kunt e E. Detragiache, apesar de concluirem empirica-

mente que a liberalização aumentou a frequência de crises financeiras,

Os autores cuja leitura dos movimentos dos merca- dos financeiros assenta numa teoria de “assimetria da infor- mação”, do tipo da de F. Mishkin que atrás se explanou, propõem, depois, coerentemente, a adopção de políticas estaduais para uma melhoria da qualidade da informação e para uma “democratização” da mesma pelos agentes finan- ceiros197. Mas, para além dos adeptos desta teorização, mui-

tos outros autores, mesmo que defendendo outras medidas, não excluem a pertinência de uma melhoria da supervisão e regulação prudencial.

É abundante a literatura acerca da necessidade de implementar reformas neste sentido em países em desen- volvimento199. Em causa está a ideia de que o esforço de

fortalecimento da supervisão e regulação devem anteceder ou, pelo menos, acompanhar a liberalização e abertura do mercado ao investimento externo. Há mesmo quem con- clua que a afluência de capitais a certa economia só será excessiva se ultrapassar a capacidade doméstica de controlo do sistema financeiro. As “economias emergentes” deve- riam reforçar a “tutela” sobre o mercado antes de se expo- rem às suas vicissitudes, sendo mesmo desejável que ade- rissem ao Banco das Regularizações Internacionais (BRI) e que fossem incluídas nas orientações concertadas do Comité da Basileia.

No âmbito da OCDE, apesar dos maiores esforços para implementar sistemas financeiros robustos e “transpa- rentes”, é ainda nítido o grau reduzido de controlo das actividades de investidores institucionais, que continuam a

não deixam de notar que a presença de uma regulação e supervisão garantidas por um sistema institucional forte puderam, muitas vezes, atenuar a verificação e o impacto daquelas crises (KUNT/DETRAGIA- CHE, p. 32-33; veja-se também ROSSI, p. 20-21).

198 Nesse sentido, MORRIS/SHIN, p. 587-597.

199 NIGHT, p. 8 a 22, WYPLOSZ, p. 17, NICOLAS, p. 12. ________________________

assumir riscos desproporcionados, colocando em perigo o sistema financeiro no seu conjunto200.

Ao nível interno, as soluções reguladoras experimen- tadas têm sido várias, movendo-se numa escala entre a secundarização e o respeito pelo jogo do mercado. As téc- nicas são variadas: rácios capital-activos; limites de crédito; rácios reservas-depósitos; limites à exposição ao risco cambial e ao risco da taxa de juro; regras relativas ao saneamento de instituições bancárias e de crédito201. A instabilidade finan-

ceira recente suscita, no entanto, algumas críticas aos sis- temas praticados e desafia à procura de novas formas de regulação prudencial.202

Ao nível internacional, têm sido dados alguns avan- ços nos últimos anos. É de destacar o papel dos princípios adoptados pelo Comité de Supervisão Bancária203, os Acor-

dos da Basileia204, a actividade da Organização Internacio-

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200 Pense-se no recente episódio do LCTM norte-americano. 201 Para uma análise das técnicas de regulação prudencial em

relação aos países asiáticos atingidos pela crise vide FRANE, p. 288-303.

202 J. Couppey defende uma reforma da regulação a pautar-se

por aquilo que apelida de “tríptico regulador”: regulação (sob a for- ma de uma coerção gradual e flexível, adaptável ao dinamismo do próprio mercado), controlo interno e disciplina de mercado (COUPPEY, p. 37-55).

203 Trata-se de cerca de vinte e cinco princípios, adoptados em

Setembro de 1997, relativos a condições, licenças, estrutura, regulação prudencial, métodos de supervisão e informação nos sistemas bancá- rios. Para mais desenvolvimentos vide FMI, p. 52-71.

204 Relativos a condições de fortalecimento do sistema bancá-

rio, nomeadamente, “ratios” de adequação de capital. A metodologia do Comité baseia-se, desde 1988, numa prescrição de um “ratio” mínimo de capital-risco na ordem dos 8%. Contudo, os fenómenos da inovação financeira, da securitização e da proliferação de instru- mentos financeiros derivados vieram lançar novos desafios a esta metodologia clássica. Sobre as propostas de reforma nesta matéria, veja- -se KARACADAG/TAYLOR.

nal de Comissões de Valores (OICV)205 e a cooperação entre

praças financeiras e entidades reguladoras206. Desde 1999, fun-

ciona ainda o “Fórum para a Estabilidade Financeira”, cujo mandato consiste essencialmente na identificação e elimi- nação de falhas de regulação207.

R. Dornbusch208 preconiza uma reforma do FMI no

sentido de exigir, como condição de participação no Fundo, a adopção de medidas de controlo da exposição ao risco da economias (“value at risk”). Outros autores, como Henry Kaufmann209, reivindicam a criação de uma instância regu-

ladora mundial.

No seio da Comunidade Europeia, a harmonização das actividade bancária e financeira é imposta pela exis- tência de uma livre circulação de capitais210. Estão hoje

reguladas por directiva comunitária211 matérias como o acesso

205 Os princípios que presidem à OICV, aprovados em Setem-

bro de 1998, guiam-se por três objectivos fundamentais: proteger os investidores, garantir a transparência e a eficiência dos mercados e reduzir o risco sistémico.

206 Esta coordenação situa-se essencialmente a dois níveis: promo-

ção da transparência e da qualidade da informação relativa a dados contabilísticos e luta contra a fraude. Para maiores desenvolvimentos

vide CHAMPARNAUD, p. 103-107.

207 Contudo, apesar destes esforços, continua a ser nítido o

desfazamento entre os avanços da globalização e o grau de concen- tração dos mercados financeiros e as possibilidades de uma regulação e supervisão eficazes. Nesse sentido, BALINO/UBIDE, p. 49.

208 Apud JOLY, p. 191. 209 Apud ROGOFF, p. 21.

210 Directiva 88/361 do Conselho de 1988.

211 Nomeadamente, a directiva 89/646 do Conselho de 15 de

Dezembro de 1999 e outras directivas que a complementaram, como a directiva 93/6/CEE do Conselho de 15 de Março de 1993, rela- tiva à fiscalização dos riscos de mercado incorridos pelas instituições de crédito ou a directiva 94/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Maio de 1994, relativa aos sistemas de garantia de depósitos.

à actividade das instituições de crédito e as condições fun- damentais do seu exercício, a prestação e apresentação de contas, o “ratio” de solvabilidade, a adequação de fundos próprios, o controlo dos grandes riscos e a supervisão em base consolidada. Em Maio de 1999, foi aprovado pelo Conselho ECOFIN um novo plano de acção denominado “Financial Services: Implementing the Framework for Financial Markets”, ao qual se seguiram algumas propostas da Comissão, como a que respeita aos capitais de risco212.

Há pouco tempo, o relatório comité de sábios presidido por Alexandre Lamfalussy veio alertar os ministros das finanças dos quinze para a necessidade de combater a subalternização dos mercados europeus face às praças norte- -americanas, entendendo ainda que o maior desafio eco- nómico a curto prazo é o da realização de um mercado europeu aberto de serviços financeiros e de capitais. A Comissão Europeia, por seu turno, não exclui a possi- bilidade avançar com a criação de uma autoridade de super- visão mobiliária única.213

Não desconsideramos a importância de tais medidas. Nem duvidamos de que uma política reguladora possa ser exercida sem uma restrição insustentável da concorrência entre operadores214. Do que não estamos certos é da sufi-

212 A posição da União Europeia a propósito dos mercados de

capitais europeus é, nas palavras da Comissão (COMISSÃO) a de que

“devem ser levantadas certas restrições regulamentares desnecessárias para os investidores institucionais, de modo a apoiar a taxa cada vez mais rápida de integração dos mercados de capitais. Ao mesmo tempo, as regras de transparência, de fiscalização e prudenciais devem ser adap- tadas às realidades do novo mercado, conforme proposto no Plano de Acção para os Serviços Financeiros”.

213 Esta estratégia não é consensual. J. Nunes Pereira (PEREIRA,

p. 64) entende ser desnecessária e insusceptível de concretização, no futuro próximo, a instituição de uma supervisão europeia.

214 Num estudo sobre as formas de regulação do mercado,

H. Dumez e J. Jeunemaitre distinguem cinco formas de regulação:

ciência de um controlo prudencial215. Esta intervenção pode

assegurar uma maior estabilidade dos sistemas nacionais e internacionais, em condições normais de funcionamento, mas não é certo que assegure continuamente a liquidez em mercados financeiros “globalizados”216. Além disso, o

sucesso da política de regulação dependerá, em boa me- dida, do seu carácter universal, pois, doutro modo, sem- pre os investidores deslocarão as suas poupanças para paí- ses onde as restrições sejam menores. No fundo, o que está em causa é admitir que os problemas globais não podem receber respostas parciais, o que, antes de mais, requer que os sistemas de supervisão e as normas de regulação deixem de ser vistos como formas de tutela do mercado nacional face ao exterior, para passarem a ser con- siderados como modos de defesa do “mercado global”.

regulação sectorial independente; “sunshine regulation”; regulação por autodisciplina; regulação tranversal “main légère” e regulação quase jurisdicional. Cada uma dessas formas constituíria uma possibilidade de concertação entre o jogo do mercado e o interesse público subja- cente à actividade em causa (DUMEZ/JEUNEMAITRE, p. 19-28).

215 J. Sachs (apud JOLY, p. 188) nota que as crises financeiras

também se verificam em países com sistemas de regulação prudencial avançados, pelo que a prevenção da crise há-de residir na capacidade restringir os fluxos de capitais de curto prazo sem prejudicar os de longo prazo. J. M. Figuet, apesar de defender um reforço das regras de regulação prudencial a harmonizar pela acção ampliada da BRI (FIGUET, p. 70-71), não deixa de admitir (idem p. 73) que: “quelle que soit la réglementation prudentielle, les opérations financières comporteront toujours un risque de déclenchement d’une crise”.

216 Pode, aliás, questionar-se como é que se poderá controlar a

liquidez em mercados abertos, sendo esta “um imaginário colectivo dos participantes e não uma realidade objectiva”, como bem nota Aglietta (AGLIETTA [1], p. 66).