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3.2 O aparato projetual da arquitetura e do urbanismo em meio ao planejamento

3.2.5 A arquitetura e o urbanismo pós-modernos

Na modernidade as vanguardas artísticas estiveram comprometidas, absorvendo-as nas suas expressões e representações, com as alterações de ordem estético-cultural e político-econômica na conformação do modernismo como período histórico. Como a arte não encerra apenas disponibilidades esté- ticas, mas compreende aspectos mais amplos os quais envolvem a sociedade, não foi casual que a polêmica sobre o pós-modernismo tenha iniciado justa- mente neste último âmbito. E como a forma das cidades cristaliza e reflete a lógica das sociedades as quais acolhe, a arquitetura e o urbanismo tiveram papel significativo porque têm interveniência direta no arranjo das condições materiais onde a vida se desenvolve.

As práticas estéticas e culturais têm particular susceti- bilidade à experiência cambiante do espaço e do tempo exatamente por envolverem a construção de represen-

124 HABERMAS, J. Modernidade versus pós-modernidade. In: Arte em Revista, ano 5, n. 7, São Paulo, agosto de 1983 [pp. 86-91].

125 Um sistema social que internaliza regras a garantir a sua força permanentemente revolucionária e disruptiva em sua própria história mundial. O pós-modernismo como movimento cultural e estético ‘[...] não reflete nenhuma mudança fundamental da condição social. A ascensão do pós-modernismo ou representa um afastamento de modos de pensar sobre o que pode ou deve ser feito com relação a essa condição social, ou reflete uma mudança na maneira de operação do capitalismo em nossos dias’ (HARVEY, 2007, p. 107).

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134 tações e artefatos espaciais a partir do fluxo da experi- ência humana. (HARVEY, 2007, p. 293)

Considerando o caráter propositivo inerente à teoria da arquitetura e do urbanismo, no pós-modernismo paradigmas críticos tais como a fenomenologia, a estética, a teoria linguística etc. foram “importados” para averiguar recursos conceituais e instrumentais mais condizentes com a complexidade da realidade então vislumbrada. Em meio a diversas abordagens, posturas profissionais e da própria revisão dos campos disciplinares, em geral buscou-se, na arquitetura, inúmeras referências tipológicas, e no urbanismo, as virtudes das cidades pré- modernas. A princípio, o passado voltava à tona.

Ao objeto arquitetônico coube retomar o contato com o contexto cultural local e à história da própria disciplina enquanto reavaliava “tipos” para a explo- ração metodológica formal. Os esforços126 concentraram-se em resolver a cisão modernista entre o racionalismo (a primazia da função e da tecnologia) e o realismo (a valorização da história e da cultura).

Nos Estados Unidos, em 1972, o conjunto residencial Pruitt-Igoe, na ci- dade de Saint Louis, foi implodido. Considera-se este evento como o fim em- blemático do Movimento Moderno. Foi também no mais novo “centro” capitalis- ta no segundo pós-guerra que Robert Venturi publicou Complexidade e Contra- dição em Arquitetura (1966) e, posteriormente, Aprendendo com Las Vegas127 (1972), inaugurando a crítica norte-americana ao Estilo Internacional. A rua de comércio, a strip banal e popular, constituía-se como fonte empírica de infor- mações a inspirar o conteúdo simbólico a ser transmitido pela arquitetura128.

A fim de atender à heterogeneidade cultural e de habitantes, a arquitetu- ra e o urbanismo recorreram a uma colagem fragmentária de preferências estéticas. Um exemplo enfático no “espetáculo” estético das formas arquitetôni- cas e urbanas é a Piazza d’Itália129, de Charles Moore. Por sinal, esta atuação pontual sobre a cidade difere, radicalmente, do controle total que o zoneamento funcional empreendia na organização do espaço urbano moderno.

126 A realização da Bienal de Veneza, com a polêmica exposição Strada Nuovissima , em 1980, ajuda a exemplificar a necessidade em revisitar o passado esquecido pelos modernos (ARANTES, 2000, p. 28, 29).

127 Junto à Denise Scott Brow e Steven Izenour.

128 Propunha-se, na verdade, uma variante à transmissão do sentido em arquitetura, de modo que a função necessariamente não mais precisasse ser expressa pela forma como no Movimento Moderno (arquitetura do tipo “pato”), e sim informada por um elemento gráfico não arquitetônico, fazendo a comunicação por meio de um letreiro de fácil decodificação (arquitetura do tipo “galpão decorado”). 129 Com o intuito de criar um espaço público e homenagear a comunidade siciliana residente em Nova Orleans, um fragmento urbano com forma, linguagem e elementos arquitetônicos de uma praça europeia e/ou mediterrânea foi implantado em pleno sul dos EUA.

Das propostas teóricas urbanas pós-modernas, destacamos os italia- nos130 neorracionalistas vinculados à Escola de Veneza. Ao preocuparem-se com a representação dos valores culturais, reconhecem nos “tipos”, desde que aliados à estrutura e ao desenho urbano do ambiente construído, fontes recor- rentes de atribuição de sentidos para a memória individual e coletiva. A cidade era vista como a própria manifestação física da história, por isso, o interesse para com a (re)valorização de características próprias e específicas a cada lugar em evidente oposição à tábula rasa modernista. A tônica era pela revitali- zação e preservação de espaços urbanos e arquitetônicos apontados como importantes para a comunidade ao invés da renovação realizada pelo Movi- mento Moderno a qual descartava o antigo e o existente para criar do “zero”.

O entendimento da cidade deveria levar em consideração a morfologia e as tipologias arquitetônicas como elementos fixos carregados de significações as quais suscitadas a partir de associações, correspondências e analogias relacionadas ao local. Os sentidos decorreriam de um conteúdo social e coleti- vamente inteligível que advém da identificação prévia de componentes urbanos permanentes como no caso dos monumentos. Então a meta era reestabelecer a continuidade histórica que os modernos romperam drasticamente com os seus valores projetuais. Cabe destacar a característica fundamental da teoria urbana defendida por Aldo Rossi – a preocupação com uma intervenção urbana contextual –, o que pôs em foco a ideia de tratar a cidade, amparando-se na história e na tradição, como um objeto dotado de plena especificidade de onde emerge a sua verdadeira essência.

Em outra direção, analisando as condições de urbanização desordena- da e ilimitada das edge cities131 americanas, Rem Koolhaas faz apologia ao que chamou de processos espontâneos em curso. A expansão urbana opunha-se às formas urbanas centralizadas e tradicionais. Ao perceber nesta tendência de dispersão e de fragmentação urbana uma beleza ainda não reconhecida, intuiu desenvolver uma proposta urbanística para os novos territórios das cidades que chamou de pós-industriais. Voltou-se, portanto, à exploração de uma paisagem aberta pelas novas frentes de crescimento periférico assim como para os espa- ços vazios. Mas não esqueceu por completo o projeto moderno, todavia “des- piu-se”, tal qual todo o período pós-modernista, de alcançar mudanças e/ou reformas sociais. Afirmando que o Movimento Moderno não considerou a com-

130 Além de Vittorio Gregotti, autor de O território da arquitetura (1966), e Manfredo Tafuri, Aldo Rossi, autor de A arquitetura da cidade (1966), foi um dos líderes do movimento La Tendenza. (NESBITT, 2008)

131 ‘A edge city caracteriza uma das formas de urbanização norte-americana a partir dos anos 50, que associa um padrão de periferização a grandes empreendimentos imobiliários (residenciais, de serviços, de comércio varejista de grande porte e de indústrias limpas) no cruzamento de grandes cinturões rodoviários intermunicipais.’ (NESBITT, 2008, p. 339, nota do tradutor).

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plexidade nata das cidades ao desenvolver seus projetos, Koolhaas acreditava que a cidade moderna ainda não teria sido concretizada. Sua estratégia era explorar a condição “neomoderna” da cidade contemporânea ao deixar aflorar uma nova sensibilidade para tratar das qualidades do ambiente que o circunda- va.

Koolhas ainda explicitou que o urbanismo pós-moderno teria de reco- nhecer que vivemos entre a ordem e a desordem, condições estas essenciais às cidades atuais. Segundo ele, somente o projeto visionário para Broadacre City132, de Frank Lloyd Wright, foi capaz de explorar a realidade tal como ela de fato seria. Em 1928, com o termo “Usonia”, o arquiteto fez menção a um novo tipo de civilização que se concretizaria em uma forma dispersa e/ou descentra- lizada. Na concepção de Wright, a cidade do futuro não precisaria ser construí- da, ela aconteceria ao acaso, de modo espontâneo e estaria enraizada na paisagem natural.

Afastando-se da nostalgia pós-moderna que até então se ocupava qua- se exclusivamente da cidade histórica, Koolhaas expôs seu modo de pensar a arquitetura e o urbanismo ao lançar a ideia de cidade para além dos limites do urbano. Na escala do extra large, a “cidade genérica”133 suplantaria o tempo, pois ao contrário de uma (re)construção duradoura sobre a morfologia urbana e as tipologias arquitetônicas, seriam as necessidades e contingências imediatas a condicionar a auto reprodução do espaço urbano. Uma cidade (re)produzida não pela sobreposição de camadas ao longo do tempo, mas de abandonos e de destruições sem a menor nostalgia ou sentimentalismo. A história seria engendrada sem a preocupação com um futuro, o qual era tão indeterminado quanto o próprio presente. Uma cidade auto metamórfica, flexível e contra qualquer concepção estática ou “apegada” a questões identitárias. A perenida- de perdia importância na medida em que os fluxos e movimentos ditariam as transformações assim como o caos e a desordem eram dados a ser considera-

132 Os estudos de Broadacre City aparecem publicados em The Disappearing City (1932) e em The Living City (1958), obras de autoria de Wrigth. Os recursos que configurariam Broadacre City seriam a mobilização mecânica oferecida pelo automóvel e pelo aeroplano, as comunicações via telefone e rádio, além do conceito de uma arquitetura orgânica, a qual prezava pela relação edílica integrada aos avan- ços tecnológicos disponíveis e aos recursos latentes oferecidos pela natureza. Para Wright, era premen- te opor-se ao artificialismo que a metrópole moderna impunha ao homem, por isto, a ideia de cidade posta por Broadacre subjaz uma forte crítica às cidades americanas e à sociedade urbano-industrial, mas também não escapa ao utopismo. Wright imaginava uma cidade orgânica distribuída em assenta- mentos de baixa densidade, onde o indivíduo viveria organizado em pequenas unidades de produção industrial e agrícola. Em Broadacre City era enfática a relação terra-indivíduo-edifício, uma mobilização de recursos a serviço do homem, produzindo uma cultura democrática orgânica. (FRAMPTON, 2008, pp. 223-232)

133 O texto-manifesto “Generic City” integra o capítulo “XL”, no livro “S, M, L, XL”. In: MAU, B.; KOOL- HAAS, R.; SIGLER, J. Small, Medium, Large, Extra-large: Office for Metropolitan Architecture. New York: Monacelli Press, 1995.

dos na metodologia projetual neste contexto de cidade que genericamente se “espalhava”.

3.3 Da “utopia estetizada” do século XX à “estetização da vida” no século