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3.2 O aparato projetual da arquitetura e do urbanismo em meio ao planejamento

3.2.4 A “virada” ao pós-modernismo

A crise político-econômica da década de 1970 impulsionou a reestrutu- ração do sistema capitalista. A ordem mundial emergente – globalizada pela expansão da forma-mercadoria – esteve, como já vimos, pautada pela estreita relação entre cultura e economia. O que se convencionou chamar de pós- modernismo, a última mudança de roupagem do capitalismo, seria a lógica cultural pela qual se reproduz o modo de produção capitalista (JAMESON, 1997)121. A passagem do modernismo ao pós-modernismo122, portanto, ‘reflete uma mudança na maneira de operação do capitalismo em nossos dias’ (HAR- VEY, 2007, p. 106).

A transição para a acumulação flexível ocorreu com a implantação de novas formas organizacionais e de novas tecnologias produtivas para acelerar o tempo de giro na troca e no consumo das mercadorias. As transformações elevaram a cultura a elemento constitutivo de um modo de vida marcado pela fragmentação do indivíduo e por formas efêmeras de consumo.

O entendimento de como a nova lógica cultural “atravessa” as pessoas não é algo simples, mas um ponto fundamental tornar-se-ia indubitável: o pós- modernismo, no seu amplo quadro de tendências estéticas, relaciona-se inti- mamente com a vida cotidiana. E a esfera estrita da produção de mercadorias penetrou também no tempo livre da diversão e dos lazeres citadinos.

Em especial pela invenção de novas tecnologias de comunicação (a te- levisão e a internet, por exemplo), ocorreu a exploração de mídias e arenas culturais abertas a toda e qualquer pessoa, possibilitando o consumo “em geral e em massa” de objetos culturais como no caso da arquitetura, moda, filmes, espetáculos, propaganda etc. Inclusive o apelo das estratégias de marketing, ao fazer uso de cartazes, outdoors, anúncios em jornais e canais televisivos, contribuiu para uma maior ênfase da imagem123. E a acumulação flexível fez

120 A título de esclarecimento é importante explicitar que usaremos os termos “modernismo” e “pós- modernismo” em referência às alterações nos movimentos estético-culturais nos quais a arquitetura e o urbanismo se inserem. Já “pós-modernidade”, em função de não haver consenso se realmente deixa- mos ou não de ser modernos, nos esquivaremos de empreender tal discussão. Em uma breve consulta bibliográfica, facilmente constataremos que o debate sobre a pós-modernidade é amplo e confuso. E o prefixo “pós”, que implicitamente sugere um “antes” e um “depois”, realmente dá margem a dúvidas se a modernidade pertence ou não ao passado.

121 JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. 2 ed. São Paulo: Ática, 1997. 122 Segundo argumenta Jameson (1997, p. 25), conceito este plural e em nada conciso ou coerente, mas que ‘por bem ou mal, não podemos não usá-lo’.

123 A lógica cultural pós-modernista incitou a produção de bens com curto tempo de vida útil. A fim de estimular e potencializar um consumo de tipo instantâneo e fugaz, entrou em cena a propaganda veicu-

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culminar o estímulo ao consumismo e à descartabilidade de produtos, neste sentido uma peça-chave das mercadorias foi a valorização da sua dimensão estética – o triunfo da superfície e da aparência. E a cidade mostrava-se como um grande palco onde tudo expor a fim de que houvesse a recepção da nova gama de produtos culturais.

O pós-modernismo ainda contribuiu para a construção da esfera simbó- lica e ideológica ao fortalecer o “esfacelamento” do sujeito. A identidade, que antes classificava a população de modo coletivo e por classes, foi substituída pela divisão de gênero, sexo, nacionalidade e etnia dos indivíduos. Uma série de “particularismos” começou a vir à tona, dentre os quais a exaltação do “Ser” e a busca por autorrealização, diferença e alteridade, ou mesmo o reconheci- mento de identidades minoritárias como, por exemplo, negros, mulheres, ho- mossexuais etc. (JAMESON, 1997).

Em função do rumo que o modernismo seguiu com a hegemonia artísti- ca e cultural absorvida pelo establishment, precedentes abriram-se para que movimentos reivindicassem o fim das metanarrativas e da visão de mundo totalizante do modernismo “universal”. Neste mesmo sentido, portanto, o pen- samento pós-moderno começou então a enfatizar o pluralismo na redefinição do discurso cultural. E a abundância de movimentos culturais pregava pela fragmentação, efemeridade, descontinuidade e caos como sendo qualidades impossíveis de transcender e/ou lutar contra. O mundo deixava de ser tratado como dotado de sentido único e estável, assim apreendê-lo e entendê-lo desde que fosse por partes e de forma superficial e imediata.

Um traço marcante do pós-modernismo deve-se à intensa compressão espaço-tempo. A fim de produzir e oferecer algo “novo”, assim como de estabe- lecer hábitos mais seguros e valores mais duradouros num mundo extrema- mente cambiante, o passado foi revisitado. O interesse pelas tradições locais e por raízes históricas, além dos recortes e colagens estilísticas aleatórias, efetu- aram ao mesmo tempo a valorização da imagem e a perda da noção de conti- nuidade temporal. Em busca da vivência intensa e autêntica, porém permeada por relativismos e transitoriedades, do presente e do agora, para encontrar significações na imensidão de sensações, ofertas e escolhas, recorreu-se ao choque e/ou ao impacto instantâneo (os happenings) na forma de uma particu- lar participação do indivíduo.

Não cabe aqui nos posicionarmos se favoráveis ou contrários a tudo àquilo que o termo “pós-moderno” implica ou subjaz por reagir ou afastar-se da modernidade. Seja como for, os movimentos artísticos, em suas manifestações

lada massivamente por meio de imagens. Uma realização imagética de necessidades e desejos criados por uma estética cultural a celebrar a diferença, o espetáculo e a moda. Segundo Arantes (2000), uma hiper-realidade conformada por um fluxo tão rápido de circulação de imagens, onde se perdeu profundi- dade e referência, e se tornam, elas mesmas, as imagens, a própria realidade reduzida às superfícies.

e motivações, associaram-se à nova forma, flexível e global, do capital. Mas, em outro sentido, também pressupõem a continuidade de noções colocadas pela condição da modernidade, não superando, de forma definitiva e por com- pleto, como Habermas (1983)124reitera, o estabelecido no chamado “projeto da modernidade”.

Como o capitalismo125 é tecnologicamente dinâmico, seria o pós- modernismo um modo de enfatizar e tornar válidas as alterações porque pas- sava o sistema econômico a fim de manter a “naturalização” do processo. E os movimentos estéticos, vinculados que o são à realidade, expuseram, no pen- samento e na prática, as condições materiais e sociais que o capitalismo, sem- pre em constante mutação, contribuiu para implementar.

Discussões à parte sobre explicações dialético-materialistas, histórico- geográficas e/ou político-econômicas, mesmo que necessárias, não são sufici- entes. O fundamental agora é esboçar a transformação concentrada em ultra- passar os desígnios modernistas na linguagem e na representação da arquite- tura e do urbanismo.