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3.2 O aparato projetual da arquitetura e do urbanismo em meio ao planejamento

3.2.1 As condições gerais da modernidade e do modernismo como movimento

Foi sob a vigência do Iluminismo e, portanto, à luz da ciência que o ho- mem se descobriu dotado de razão, “dono” de si e do seu próprio destino. O capitalismo ascendente opunha-se ao absolutismo e assim tinha início uma era composta por um novo Estado, novas instituições e novos valores. Um período marcado pelo surgimento da sociedade burguesa, a qual adquiriu força com a Revolução Francesa. Posteriormente, a Revolução Industrial deu suporte mate- rial para que a industrialização se tornasse o modelo de desenvolvimento eco- nômico hegemônico. A civilização ocidental passou por um processo de urbani- zação que fez acelerar o crescimento urbano das cidades e viu se formar uma classe de operários. Constituía-se, assim, o cenário, dinâmico e atribulado, cuja atmosfera afetou a sensibilidade e as experiências da vida urbana.

104 MAHFUZ, E. Teoria, história e crítica, e a prática de projeto. Arquitextos, São Paulo, 042.05, Vitruvius, nov. 2003. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.042/640>, acesso em mai. 2013.

105 Estas asserções Nesbitt coloca quando fala da teoria arquitetônica, a qual se distingue da história e da crítica, apesar de ter pontos em comum com ambas, por oferecer soluções alternativas ao observar a prática e a produção da disciplina. (NESBITT, K. (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antolo- gia teórica (1965-1995). 2 ed. São Paulo: Cosac Naify, 2008)

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Como amplo período histórico, a modernidade foi permeada, em dife- rentes momentos, por várias e divergentes vanguardas ocupadas em lhe forne- cer respostas intelectuais e estéticas. Para Baudelaire (1863 apud HARVEY, 2007, p. 21), a modernidade seria ‘o transitório, o fugidio, o contingente; é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável’ Esta conjugação dual aponta para um constante sentido de tensão intrínseco à época moderna, e expressa toda a busca empreendida na vasta história do modernismo. Afinal era preciso aceitar e acolher as novas, e em constante mudança, condições de vida nas cidades que rompiam com as tradições precedentes, por outro lado, também se fazia necessário assegurar algo suficientemente tranquilizador em meio à mutabilidade dos processos desencadeados pela modernidade. No caso, era crucial encontrar um sentido, mais estável e compartilhado por todos, ou a própria essência, eterna e imutável, da natureza humana.

Em meio às rupturas tanto com os momentos históricos pregressos quanto com as inerentes ao seu próprio processo de constituição, descobrir elementos que fossem constantes para encontrar algum sentido de coerência, configurou-se um grande problema. Como movimento cultural inserido nas condições de mudança social no espaço e no tempo, o modernismo preocupa- va-se, enquanto se alterava a natureza da modernização capitalista, com uma(s) linguagem(ns) que fosse(m) capaz(es) de representar, assim como de viabilizar, o “projeto da modernidade”106.

Inicialmente, acreditava-se estar a cargo da ciência objetiva e da arte autônoma alcançar a razão emancipatória humana universal. Supunha-se, reconhecendo a transitoriedade da vida moderna, que em vista de formas raci- onais de pensamento e de organização social ‘poderiam as qualidades univer- sais, eternas e imutáveis de toda humanidade ser reveladas’ (HARVEY, 2007, p. 23). A compreensão do mundo e do “eu” estava condicionada a uma pressu- posta, ilusória e otimista, resposta intelectual oferecida pelo progresso e pelo conhecimento humanos.

Mas pairavam muitas dúvidas quanto à viabilidade do projeto iluminista. A busca pela emancipação humana suspeitava-se estar fadada, desde sempre, a um sistema de opressão universal ou, ainda, ao

106 ‘Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas “para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a lei universais e a arte autônoma no termos da própria lógica interna destas”. A idéia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas traba- lhando livre e criativamente em busca da emancipação humana e do enriquecimento da vida diária. O domínio científico da natureza prometia liberdade da escassez, da necessidade e da arbitrariedade das calamidades naturais. O desenvolvimento [...] prometia a libertação das irracionalidades do mito, da religião, da superstição, liberação do uso arbitrário do poder, bem como do lado sombrio da nossa própria natureza humana.’ (HABERMAS, 1983 apud HARVEY, 2007, p. 23).

[...] triunfo da racionalidade... proposital-instrumental. Esta forma de racionalidade afeta e infecta todos os planos da vida social e cultural, abrangendo as estrutu- ras econômicas, o direito, a administração burocrática e até as artes. O desenvolvimento não leva à realiza- ção concreta da liberdade universal, mas à criação de uma “jaula de ferro” da racionalidade burocrática da qual não há como escapar. (BERNSTEIN, 1985 apud HARVEY, 2007, p. 25)

Antes disso, Friedrich Nietzsche já havia se colocado, ainda no século XIX, contra as premissas do projeto da modernidade, o que veio a surtir efeito no início do século XX quando a razão iluminista perdeu o mais alto posto na incumbência de buscar pela emancipação humana. Segundo o filósofo, o mito do eterno e imutável poderia ser representado pela afirmação do “eu”, o qual deveria agir na instabilidade da cena moderna, daí a relevância da experiência estética, acima da razão, na definição da essência da humanidade. O moder- nismo cultural assumia, assim, um novo ímpeto sob a responsabilidade da arte. ‘Se o “eterno e imutável” não mais podia ser automaticamente pressu- posto, o artista moderno tinha um papel criativo a desempenhar [...]’ (HARVEY, 2007, p. 27). Aliás, a ele cabia, como indivíduo, compreender o espírito de sua época, posicionar-se frente à efemeridade dos tempos modernos e iniciar o processo de mudança. Voltando à definição de Baudelaire, o artista, internali- zando o turbilhão de ambiguidades, contradições e mudanças permanentes, extrairia quase que heroicamente a representação da “verdade eterna”. Portan- to, para o modernismo “falar” esteticamente do eterno e do imutável bastaria que o tempo e todas as suas qualidades transitórias (HARVEY, 2007, p. 30) fossem “congelados”. Isto perante o caráter intrínseco de permanência da ar- quitetura e, por consequência, da cidade, era algo relativamente simples de ser realizado.

O modernismo cultural teve então um importante papel a partir do mo- mento em que era dada à sociedade a contribuição da atividade estética. Assim a cidade, como disse De Certeau (1994, p. 174)107, foi para o modernismo como movimento estético-cultural, ‘ao mesmo tempo a maquinaria e o herói da modernidade’. Não foi por acaso o papel assumido pela arquitetura e pelo ur- banismo, pois a realidade poderia ser de fato (re)construída por meio de “uma” visão estética.