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7 6 A ART ICULAÇÃO DE COMPLEXIDADE ENT RE O SIST EMA E O AMBIENT E

A derradeira quest ão, ou a que se coloca mais dif ícil, é a art iculação de complexidade ent re o sist ema e o ambient e, est e mais complexo que o primeiro, sempre exercendo pressão sobre sua est rut ura normat iva. Sist ema e ambient e podem ser muit a coisa. Sist ema pode ser uma sociedade int eira, ou várias sociedades. Ainda pode ser a int eração ent re indivíduos ou organizações. Cost uma- se dizer que est e t ipo de abordagem não t rat a de suj eit os de carne e osso, mas de comunicação. O signif icado, enquant o part e da inf luência husserliana em Luhmann, caract eriza o sist ema como ações comunicat ivas. E convém mais uma vez lembrar do avanço que a área da comunicação est abelece no mar ket i ng, na sociedade de consumo, na sociedade da "f orça da opinião pública".

Talcot t Parsons (1969) e mesmo Max Weber (1989) t rat avam os sist emas, suas explicações quase como conj unt os f echados. Luhmann releva a pressão do ambient e na mudança da racionalidade e f orma do sist ema, ret irando qualquer laivo de idealidade ent re um e out ro, qualquer t raço de harmonia. É um at rit o ent re a enxurrada de inf ormações do ambient e e sua escolha e f uncionalidade no sist ema. Segundo Hornung (2001, p.02): “ Luhmann's t heor y of soci et y i s based on communi cat i on and aut opoi esi s. Per sons and psychi c syst ems ar e t he envi r onment of soci al syst ems t hat , accor di ng t o Luhmann, ar e pur e communi cat i on syst ems. ”

A sociedade (sist ema) ao se dif erir de um ambient e, t ambém se dif ere de out ros sist emas “ dent ro” do ambient e. O sist ema psíquico f orma homens e mulheres, mas é o ambient e da sociedade enquant o sist ema. É uma cont igüidade. Cada sist ema que se relaciona com a sociedade aj uda-a a administ rar a complexidade sist êmica. Resumindo, o sist ema t em duas caract eríst icas: complexidade e f uncionalidade. Quant o mais relações ent re os element os de um sist ema, maior seu nível de complexidade, assim, mais t ênue seu limiar de f usão com o ambient e. Quant o mais relações ent re est es element os, mais o sist ema deve most rar sua f uncionalidade para se dif erenciar do ambient e. Logo, um nível f lexível de complexidade deve ser manej ado para mant er o sist ema em operação.

O ambient e, que poderia ser generalizado em “ mundo” , t em um número indet erminado de possibilidades (horizont e de event os, no j argão da Física), e não t em qualquer meio de discriminar ou realçar uma que sej a dest as possibilidades ou alt ernat ivas. O sist ema deve est ar const ant ement e est abelecendo novas dif erenças e f ormas com o ambient e, at ravés de uma doação de sent ido às seleções que sej am relevant es para o f uncionament o do sist ema. A dinâmica dest as relações se promove t ant o int ernament e ao sist ema como ext ernament e a est e. A dif erença é t ão import ant e ao sist ema que é por isso que ele se volt a para dent ro (aut opoiesis). Desse modo garant e ef icácia sem perder sua dif erença ao se abrir para “ f ora” .

Luhmann part e de um problema básico para começar a pensar em uma t eoria do sist ema social: o da dupla cont ingência da ação, e aqui há ainda uma f ort e inf luência de Parsons (1969). Como se inicia uma ação? Esquemat icament e — o que implica uma inerent e simplif icação —, a dupla cont ingência da ação seria uma sit uação envolvendo dois agent es que não podem prever a int enção de um e de out ro, e mesmo assim precisam agir sabendo e considerando a ação do out ro.

Para iniciar, as ações dos agent es precisam de alguma ref erência de orient ação, pois de out ro modo há de t er um bloqueio das ações dos agent es, vist o que cada agent e t em de considerar as possibilidades abert as a um e out ro. Enquant o Parsons (1969) remediava est e problema int roduzindo as amargas orient ações normat ivas compart ilhadas pelos agent es para dirigir suas ações, Luhmann busca out ra solução: comunicação é o element o mais concret o do sist ema social.

Os sist emas sociais são const it uídos por operações de comunicação (o sist ema social só opera usando comunicação) onde o enunciado é vit al para at ivar a “ int ersubj et ividade” , ou inf ormar que há comunicação no sist ema. Vê-se logo que comunicação é mais do que inf ormação ent re emissor e recept or: é t ambém a operação int erpret at iva. A inf ormação (o que sugere dif erenciação ent re coisas) cria mais um paradoxo, pois ao selecionar element os em um ambient e de cont ingência acrescent a mais inf ormação e, assim, complexidade ao sist ema. Fundament ados no at é aqui expost o, j á se t orna possível esboçar nossa visão de uma Ciência da Inf ormação que possa ut ilizar-se da t eoria sociocomunicacional luhmanniana. Nest e sent ido, t ranscrevemos, i psi s l i t t er i s para um melhor ent endiment o, o argument o de Hornung (2001, p.02):

Communi cat i on i n t he convent i onal sense means exchange of i nf or mat i on bet ween at l east t wo par t ner s. A communi cat i on syst em i n t hi s cont ext i s a syst em, namel y an IT [Inf or mat i on Technol ogy] syst em, t hat can be used by t hose par t ner s f or exchangi ng i nf or mat i on. Not yet ent er i ng t he i ssue of what "i nf or mat i on" i s, i t i s cl ear f or t he i nf or mat i on sci ent i st t hat an IT syst em st r i ct l y speaki ng does not do anyt hi ng, i ncl udi ng communi cat e, on i t s own. Ther e i s al ways at l east one of t he "par t ner s" needed, ei t her as a user who i ni t i at es pr ocesses i n t he el ect r oni c syst em or as pr ogr ammer who t el l s t he syst em i n advance what t o do under cer t ai n ci r cumst ances. Because of t hi s l at t er var i ant , comput er syst ems of t en seem t o act on t hei r own, t o communi cat e wi t h each ot her wi t hout human bei ngs i nvol ved. But al so i n t hi s case, apar t f r om t he pr ogr ammi ng, mai nt enance by human bei ngs i s necessar y t o some ext ent . In ot her wor ds, IT syst ems, l i ke any t echni cal communi cat i on syst ems, ar e non-l i vi ng syst ems t hat ar e set i n mot i on onl y by human i nt er vent i on. The same i s t r ue f or convent i onal mai l syst ems t hat r emai n pi l es of paper , i . e. , l et t er s, post car ds et c. , si t t i ng i n some pl ace and suf f er i ng nat ur al decay unl ess t her e i s i n addi t i on t o a sender al so a r ecei ver , and at l east a mai l man. Much of human communi cat i on depends on such ar t i f i ci al t echni cal syst ems. But even wher e t hi s i s not t he case, communi cat i on by t he spoken wor d r equi r es t he sound waves pr oduced by t he speaker and physi cal act i on of t he par t ner s t o get cl ose enough t o under st and each ot her . Of cour se, Luhmann, af t er al l , does not say t hat t her e ar e no communi cat or s. He def i nes t he communi cat or s, t hat i s, t he psychi c syst ems, as t he envi r onment of communi cat i on syst ems. Thi s i s i n l i ne wi t h t he concept of t echni cal communi cat i on syst ems. The user s ar e t he envi r onment of t he t el ephone syst em and t hey ar e t he envi r onment of a comput er syst em or Int er net . On cl oser i nspect i on, however , t her e ar e cl ear di f f er ences. Luhmann wr i t es about communi cat i on syst ems as i f t hey coul d do t hi ngs,

as i f t hey wer e aut onomous "act or s". In IT, however , i t i s usual l y cl ear t hat t he syst em i s a man-made and man-oper at ed t ool , a st upi d machi ne af t er al l . It i s f or t hi s r eason t hat much of t echnol ogy st udi es and t echnol ogy assessment , al so out si de t he f i el d of IT, deal s wi t h man- machi ne syst ems or soci o-t echni cal syst ems and not st r i ct l y t echni cal syst ems. In pr eci sel y t hi s sense we f i nd i n i nf or mat i on sci ence i ncr easi ngl y t he use of t he t er m "i nf or mat i on syst em" meani ng t o i ncl ude bot h t he t echni cal syst em and t he user s even al ong wi t h t he soci al / or gani zat i onal i nf r ast r uct ur e. Impl ement i ng dat a pr ot ect i on, f or exampl e, depends ver y much on combi ni ng bot h. Thi s al l means t hat Luhmann st ar t s wi t h a concept of communi cat i on syst ems t hat i s al so accept abl e f or t he i nf or mat i on sci ent i st . However , he does not dr aw t he same concl usi on, t hat i s, t hat a communi cat i on syst em i s an ar t i f act , or at any r at e a non- l i vi ng syst em whi ch cannot act or behave or do anyt hi ng on i t s own.

A pret ensão de se elevar o si st ema como noção primordial ao ent endiment o da sociedade é coraj osa, vist o o grande número de crít icas que surgem com a modernidade f rent e às t ent at ivas desse t ipo est ar relacionada com uma pret ensa racionalidade t ot alizant e. Nest e pont o é longa a f ileira de pensadores — principalment e pós-Niet zsche — que t ent aram minar a j unção ent re razão e sist ema. É cert o que Luhmann j á t em argument os para est e t ipo de crít ica, decisivament e ao se acant onar nas t eorias da comunicação. Nest e cant ão se arma de uma rigidez met odológica sem generalizar seus recursos a t odo espect ro do saber. Principalment e porque hist oricament e a idéia de sist ema vem vinculada ao t ema de uma razão universal, alvo f ácil de uma f ilosof ia que sempre se renova para most rar a f ragilidade e o carát er incomplet o dessa noção.

A quest ão da liberdade est á permeada nest e debat e, considerando a cardinalidade que t oma na sociedade capit alist a at ual. Uma “ crít ica de esquerda” vem aut omat icament e def ender a liberdade do homem na hist ória. Out ros não se convencem que uma t eoria sist êmica explique as f inas camadas do agir humano. Evident ement e que a argument ação se dará quant o à especif icidade da idéia luhmanniana de sist ema, bem como da rej eição de uma racionalidade universal. A liberdade poderá ser encont rada no sent ido da operação de seleção de cont ingências do ambient e e da própria aut o-f ormação do sist ema. Bem, isso é apenas um pont o de f uga em debat e mais denso. De qualquer f orma, ele sempre est ará à espreit a quando uma razão f undada por qualquer mét odo const rut ivist a se pôr no píncaro da obj et ividade, deixando de lado as múlt iplas demandas das const ruções de liberdade.

A maneira como Luhmann hist oriciza as sociedades modernas é um t ant o quest ionável. Transparece um período est anque, complet ament e novo, mas at ado a velhas e obsolet as inj unções polít icas — como o sub-sist ema part idário — que precisam acompanhar as novas dinâmicas sociais, sem, no ent ant o, most rar j unt o a isso as novas f ormas de dominação que est a “ evolução social” est ende consigo. As met anarrat ivas sugeridas por Jean-François Lyot ard (1986) como j á sem ent usiasmo para explicar a sociedade moderna, que não dirige ou que não encont ra sent ido para seus proj et os na “ Humanidade” , t ornaram-se chavões de aut o-legit imação dos rit uais polít icos modernos, indicando um paralelo com o pensament o de Luhmann quando est e propõe romper com um padrão de comunicação cent rado na narrat iva de emancipação de t radição Iluminist a. Est e recrudesceu a aproximação da idéia da polít ica moderna como merament e perf ormat iva — o que levou alguns crít icos a dar-lhe uma alcunha conservadora — com t endência esvaziant e, um sist ema rit ual e f lexível f rent e às pressões do ambient e.

Ao que parece, a indet erminação, a cont ingência, a irreversibilidade, ent re out ros t raços da verve sist êmica, t raz ao debat e cont emporâneo das t eorias sociais e inf ormacionais uma t ent at iva de quest ionar e inf luenciar a mudança do t empo art if icial ou cient if icizado do posit ivismo clássico. É a volt a à "nat uralização" do t empo e da sociedade e seus pressupost os decorrent es da t eoria do caos, da complexidade, da cont ingência ambient al (MARRAMAO, 1995). Toda a problemát ica que se punha ao pensament o moderno, em suas f ormas de t rat ar a sociedade, as miríades de suas angúst ias e anseios, corre o perigo de ser acobert ada por novas expect at ivas t eóricas que dão urgência à "novos problemas", ou ao que pode ser chamado de reconst it uição de novas necessidades da "sociedade pós-moderna".

A noção de equilíbrio é o ant eparo à f ormulação dest es "novos problemas". A sociedade ou o sist ema est á — o que part e das t eorias f uncionalist as e sist êmicas leva a crer — no f io da navalha no que concerne à sua est abilidade est rut ural. Bast a crer nist o ent ão para se pensar nas opções disponíveis de saberes que permit am a "regulagem" exat a e ef icient e do equilíbrio do sist ema, chame-se isso de "t ecnologia social" ou não. Segundo Buckley (1967, p.50-51):

Os limit es do sist ema são def inidos em f unção dos padrões de const ância, ligados a um conj unt o harmonioso de normas e valores comuns, expect at ivas que se apóiam mut uament e et c. O equilíbrio, por seu t urno, é def inido em f unção do sist ema mant enedor de limit es, de padrões const ant es, harmoniosos, mút uos, comuns, recíprocos, complement ares, est abilizados e int egrados.

Apesar das crít icas mais agudas, a t eoria dos sist emas at rai adept os por sua caract eríst ica de t ranspor barreiras disciplinares, possibilit ando int eressant es t rocas conceit uais e percepção de novos problemas que de out ro modo seriam pont os cegos. A possibilidade de novos obj et os de est udo levant ada pela t eoria dos sist emas, enquant o programa de pesquisa, permit e sair das quest ões t radicionais do est rit o campo disciplinar. Soment e os usos da recent e Ciência Cognit iva pela t eoria dos sist emas e sua t ent at iva de encont rar novos f undament os para as t eorias da cognição j á é área vast íssima. Noções t radicionais como r epr esent ação e conheci ment o sof rem abalos quando aproximados dos empreendiment os da perspect iva sist êmica.

Em t odo caso, uma das vant agens da t eoria dos sist emas em relação a out ros t ipos de abordagens que ut ilizam o t ermo si st ema é sua pret ensão à parcialidade, a não generalização do sist ema a t udo que "poderia" comport ar uma racionalidade. Não é à t oa o grau de aprof undament o que est e t ermo f az valer. Ao menos t em um lugar específ ico, não global, em um lado da moeda, f icando o out ro lado para o ambient e. A crít ica que se f az ao horizont e explicat ivo da t eoria dos sist emas é dif ícil de f ocalizar. Crit icar sem at er-se a suas especif icidades conceit uais, a radicalidade com que ent ende a realidade, é post ura que se f irma em solo raso; não há muit o que sust ent ar. Na verdade, est e é um cuidado generalizável a qualquer discussão onde há pressupost os epist emológicos em j ogo.