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CAPÍTULO 1: A TRAJETÓRIA DE DIAS GOMES: CAMINHOS DE UM

1.2. Arte e política na vida de Dias Gomes

Nascido na cidade de Salvador, no bairro da Canela, em 19 de outubro de 1922, Alfredo de Freitas Dias Gomes era filho do engenheiro Plínio Alves Dias Gomes e de Alice Dias Gomes. Sendo o mais novo de dois filhos, em autobiografia chamada Apenas um subversivo, destacou que seu irmão, Guilherme Dias Gomes, embora estudasse medicina era poeta, contista e romancista, sendo seu modelo de pessoa em sua adolescência, pois teria sido a partir do desejo de igualar-se ao irmão que o dramaturgo começaria a escrever aos nove anos de idade.

Aos quinze anos, já residindo com sua mãe no Rio de Janeiro, Dias Gomes escreveu sua primeira peça A Comédia dos Moralistas, premiada no ano seguinte em um concurso patrocinado pelo Serviço Nacional do Teatro e pela União Nacional dos Estudantes. Segundo o dramaturgo, ao escrever esta peça teria sido “levado por um impulso inexplicável”, pois, “além das óperas, nada mais conhecia de teatro, nunca havia assistido a uma comédia ou um drama” (GOMES, 1998, p.39).

Após uma experiência desastrosa na Escola Preparatória de Cadetes, em que teve prova de sua inaptidão para a carreira militar e, posteriormente, a desistência do curso complementar de engenharia no Colégio Universitário, foi aceito como redator de um programa de rádio-teatro na Rádio Vera Cruz que só foi ao ar um dia, pois o produtor “pegou o dinheiro dos anunciantes e se mandou sem pagar a ninguém” (GOMES, 1998, p.54). Teria sido o primeiro de uma série de trabalhos que iriam se alternar ao longo de sua vida no entrecruzamento entre o teatro, o rádio e posteriormente a televisão.

No início da década de 1940, Dias Gomes escreveu a peça Ludovico, que lhe teria aberto as portas do teatro. A peça chegou ao conhecimento do autor teatral Henrique Pongetti e logo foi enviada para o ator-empresário Jayme Costa que de acordo com Dias Gomes “rivalizava com Procópio Ferreira em popularidade” (GOMES, 1998, p. 61). Jayme Costa teria dito que encenaria a peça, contanto que o autor realizasse algumas mudanças, porém não foi o que aconteceu.

Apesar de Ludovico não ter sido encenada, o contato inicial com Jayme Costa, um grande nome do teatro da época, o incentivou a continuar produzindo. Logo em seguida, imerso no clima da segunda guerra mundial, Dias Gomes escreveu a peça “antinazista” Amanhã vai ser outro dia, encenada pela Comédia Brasileira após o Brasil ter declarado guerra ao eixo. Nesse período, o autor, a pedido de Procópio Ferreira, ainda escreveria as

peças João Cambão, Doutor Ninguém, Um Pobre Gênio, Eu Acuso o Céu e Zeca Diabo, esta última seria revivida, em parte, dentro de outra peça do autor que trazia o cangaceiro Zeca Diabo como personagem: O Bem Amado, que inspirou décadas depois a telenovela de mesmo nome.

Nesse período, Procópio Ferreira decidiu ensaiar o que foi a primeira peça de sucesso de público e crítica do dramaturgo Dias Gomes: Pé de Cabra. No entanto, o país vivia sob a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas e a peça teve sua estreia atrasada em uma semana pela censura do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão censor das produções artísticas no Estado Novo. O motivo era que o Estado Novo havia considerado o texto “marxista” (GOMES, 1998). Destacar esse momento de sua trajetória na autobiografia, pode ser entendido como uma operação de narrativa empreendida por Dias Gomes para o entendimento de que sua adesão ao Partido Comunista Brasileiro, ocorreu devido ao que seria essa primeira censura sofrida pelo autor, como podemos observar nesse trecho da autobiografia:

Juro por Deus que até então não havia lido uma só linha de Marx ou de qualquer discípulo seu. (Veio daí meu interesse posterior pelo marxismo). Não foi fácil absorver essa primeira estocada vibrada contra mim pela censura. Muitas outras eu absorveria mais tarde. Senti-me, pela primeira vez, no papel do cidadão indefeso diante do poder castrador do Estado, descobrindo o quanto era importante uma expressão denominada liberdade de pensamento e todo significado de lutar por ela. (GOMES, 1998, p. 67)

Ao analisar a relação entre o PCB e os artistas e intelectuais que, filiados ou não, estavam na órbita do partido durante as décadas de 1940 e 1950, Ridenti (2010) revela a complexidade referente às causas dessa aproximação, superando a corrente crítica que privilegia o suposto caráter “ornamental” que o partido relegava aos artistas, resumindo-os a “instrumentos para fins políticos”. Para o autor, essa concepção é a caricaturização de um processo complexo, que não leva em conta as contrapartidas, como a rede de proteção, a solidariedade internacional comunista e a sensação de pertencimento a uma comunidade que “se imaginava na vanguarda da revolução mundial”, através do imaginário corrente de que o mundo avançava em direção ao socialismo (RIDENTI, 2010, p. 62).

O caso de Dias Gomes parece indicar essa complexidade de causas, se levarmos em consideração, que o momento de inflexão na trajetória artística do dramaturgo ao ser atingido pelo autoritarismo estatal, parece ter sido o gatilho que o aproximou do Partido Comunista Brasileiro. O que antes, na formação da sua personalidade, parecia ser apenas uma rebeldia

descompromissada, vai se transformando no engajamento político característico da figura do “intelectual orgânico”.

Carlos Nelson Coutinho ao abordar a relação entre cultura e sociedade no Brasil, vai identificar, a partir da década de 1930, com o recrudescimento do capitalismo industrial, a emergência, ainda que debilitada, de uma “sociedade civil” e de “organizações culturais” que são intermediárias entre os “indivíduos atomizados no mundo da produção” e o Estado (COUTINHO, 2011, p, 17). Para o autor, no rastro deste processo, surge fenômenos desconhecidos de outras épocas como o do intelectual orgânico, o intelectual de partido, ligado ao sindicato, que produz para jornais ou editoras em conexão com sindicatos, que não mais se ligam necessariamente ao Estado, que pode, inclusive, passar a contestá-lo como aconteceu com Dias Gomes.

Porém, ao abordar o surgimento da sociedade civil no Brasil, Coutinho traz a “debilidade” como um elemento presente neste processo. Tal sintoma adviria do fenômeno da “Via Prussiana” quando nas transformações sociais e políticas ocorridas na história do país, estaria a ausência de “movimentos provenientes de baixo para cima”, em detrimento da participação popular o que se estabelece são conciliações entre os grupos opositores dominantes, que ao constituir a hegemonia política realiza também a “cooptação” dos intelectuais, enfraquecendo a pluralização cultural e a autonomia das produções. A partir desse processo o que se tem é a debilidade da sociedade civil incipiente, a exemplo do caso brasileiro:

O escasso peso dos aparelhos privados de hegemonia e dos partidos políticos de massa na formação social brasileira – em que “o Estado era tudo e a sociedade civil era primitiva e gelatinosa” - condenou os intelectuais que se recusavam à cooptação pelo sistema dominante à marginalidade no plano cultural e, para nos expressarmos com certa vulgaridade, a seríssimos problemas no plano da subsistência econômica (COUTINHO, 2011, p. 48).

Um ano antes de se filiar ao Partido Comunista do Brasil, em 1944, o sucesso de Pé de Cabra chegou ao conhecimento do diretor Oduvaldo Viana (pai) que acabara de fundar, em São Paulo, a emissora Rádio Pan-Americana. Ele fez um convite a Dias Gomes para ingressar no quadro de redatores da emissora, na qual o dramaturgo radiofonizou centenas de peças, contos, novelas da literatura universal, alternando seu trabalho na rádio com o prazer proporcionado pelas leituras de “sociologia, de filosofia, de marxismo, principalmente” (GOMES, 1998, p. 93).

No fim de 1944, após Oduvaldo Viana decidir se desfazer da Rádio Pan-Americana, a permanência de Dias Gomes e a de outros escritores que trabalhavam na rádio como Mário

Lago, tornara-se insustentável, pois “os novos donos, pertencentes a um grupo que já controlava outras emissoras, receberam informações do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de que a rádio era um ninho de comunistas” (GOMES, 1998, p. 96). Após esse curto período na Pan-Americana, Dias Gomes transferiu-se para as Emissoras Associadas, propriedade de Assis Chateaubriand, para trabalhar como redator. Nos corredores da rádio conhece Janete Clair, na época locutora e radioatriz, que viria a se tornar sua esposa por décadas e uma das maiores escritoras de telenovelas da história da teledramaturgia brasileira, a partir da década de 1960.

Em 1947, já familiarizado com as discussões no PCB, e imerso no clima da “Guerra Fria”, Dias Gomes fazia na rádio Emissoras Associadas, o programa A Vida das Palavras em que tematizava, a cada semana, um vocábulo diferente. Nesse mesmo ano, acontecia entre os meses de Agosto e Setembro, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis (RJ), a Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz e Segurança no Continente. Para Dias Gomes, a Conferência de Petrópolis, como ficou conhecida, na realidade, “dava aos americanos o direito de exercer sua vocação de polícia do mundo e intervir em qualquer país das Américas”. (GOMES, 1998, P. 108), o que reforça sua posição, na época, de opositor ao imperialismo norte-americano, postura que pode ser compreendida a partir da influência das leituras competentes à formação política no PCB18.

Devido ao local em que estava se realizando a conferência internacional, o Hotel Quitandinha, Dias Gomes escolheu como tema daquela semana em A Vida das Palavras, a palavra “quitanda”, “realizando uma sátira política em que cada país era representado por uma fruta: os Estados Unidos a maçã, a big apple, o Brasil, o abacaxi, a Argentina, a uva (alusão à uva argentina, muito consumida aqui naquela época” (GOMES, 1988, p. 108). A crítica em forma de programa radiofônico, provocativa através das metáforas, custou a Dias Gomes seu emprego como redator, pois, ao escutar o programa, o cônsul americano em São Paulo despejou toda sua indignação no dono da rádio Assis Chateaubriand, que mandou demiti-lo.

Em 1955, acabava de ser contratado para a Rádio Nacional, após um período de três anos produzindo peças publicitárias para a Standard Propaganda. Foi durante esse período de

18 Nesse mesmo ano de 1947, durante o governo Dutra, o PCB foi posto na ilegalidade pelo

Tribunal Superior Eleitoral, que cassou seu registro, alegando a influência de organizações internacionais no programa do partido. De volta a clandestinidade o partido passou a pedir a derrubada do governo Dutra, tido como subserviente ao imperialismo norte-americano.

RIDENTI, Marcelo. Brasilidade Revolucionária: um século de cultura e política. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p, 58.

Rádio Nacional, que Dias Gomes criou o programa Todos Cantam Sua Terra que abordava o tema do folclore em cada estado da federação. De acordo com o dramaturgo, a produção diária dos programas a partir de pesquisas foi fundamental para adquirir conhecimento a respeito do folclore nacional. Em autobiografia, Dias Gomes destacou que tais pesquisas “seriam muito úteis nas peças que escreveria mais tarde, enriquecendo o universo temático de sua dramaturgia” (GOMES, 1998, p.39).

Voltamos ao ano de 1955, quando recrudesce o debate público em torno do desenvolvimento nacional, tema que teve seus desdobramentos também nas produções culturais da época. A chegada de Juscelino Kubitschek ao poder, alimentava o imaginário da valorização da “Nação” para um projeto de desenvolvimento nacional. Sobre esse momento, Dias Gomes destacou o “surto dramatúrgico” que agitou o cenário do teatro brasileiro, com as produções teatrais de dramaturgos como Jorge Andrade, Ariano Suassuna, Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Viana Filho, não sem relacionar com o momento político nacional- desenvolvimentista da época, que “favorecia o nascimento de uma dramaturgia brasileira, com raízes fincadas em nossa realidade” (GOMES, 1998, p. 166).

Uma das principais características do governo Kubitschek revelava-se na habilidade política, personificada pelo presidente, em realizar transformações que não atingiam a profundidade das estruturas sociais, políticas e econômicas, mas sim, ampliava o controle do desenvolvimento através dos organismos estatais, ao mesmo tempo em que abria para a participação do capital estrangeiro, promovendo assim, um intenso crescimento industrial. Foi desse modo, por exemplo, na elaboração e prática do conhecido Plano de Metas do governo, inspirado nas orientações da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em que foi estabelecido 36 metas de desenvolvimento para quatro setores estratégicos:

energia, transportes e comunicações, alimentação e indústrias de base19.

No entanto, para além do nacional-desenvolvimentismo e da internacionalização da economia brasileira, o governo Kubistchek, buscou “fabricar um ideário nacionalista”. Podemos exemplificar tal intenção, a partir do que representou a fatídica transferência da capital do país do Rio de Janeiro para Brasília, em 21 de abril de 1960. A grande obra, foi construída no centro do território nacional, e de acordo com o historiador Ricardo Maranhão “foi a grande arma simbólica do governo Kubitschek” enquanto “sua grande arma política foi

o desenvolvimentismo. ” (MARANHÃO, 1980, p. 45). Desse modo, como em uma espécie de “refundação da nação”, Brasília era preparada sob a manta dos mitos nacionais, como ocorreu em 3 de maio de 1957, quando foi rezada a primeira missa na capital ainda em construção20:

Na sua prática de usar e devorar os mitos históricos nacionais, JK chegou mesmo a refazer na solidão do cerrado, onde se construía Brasília, a Primeira Missa, na mesma data de 3 de Maio, em que Cabral fez rezar quando do “Descobrimento”. Frei Henrique de Coimbra foi substituído por D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota; aliás, como na pintura famosa de Victor Meirelles, na Primeira Missa brasiliense também comparecem, trazidos pela FAB, uns atônitos índios carajás (MARANHÃO, 1980, p. 15).

Podemos então perceber, que durante a década de 1950, mais intensamente a partir de 1955, a questão nacional estava no centro do debate público, aglutinando governo, organizações culturais e indivíduos, como fio condutor de interesses diversos, seja político e econômico na promoção do “desenvolvimento nacional”, ou seja, no plano simbólico para “refundar a nação”, como na criação de Brasília, ou no campo da geopolítica internacional de defesa dos recursos naturais, pertencentes à nação, do ataque imperialista.

No âmbito cultural, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado em 1955 e vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, aparece como importante difusor ideológico do nacional-desenvolvimentismo. Não apenas como uma influência, o ISEB pode ser entendido como um indício da atmosfera da qual estava imersa uma geração de intelectuais e artistas que buscavam, a partir de suas produções culturais, a construção de um ideário nacional inspirado em uma determinada realidade “autêntica” da nação.

O papel na esfera cultural dos ideólogos isebianos, pode ser percebido de variadas formas. Em movimentos culturais que surgem a partir da década de 1960, a exemplo do Movimento de Cultura Popular no Recife e o CPC da UNE (ORTIZ, 1985), inclusive no Cinema Novo, onde a denúncia da miséria no meio rural e de crítica ao latifúndio, em detrimento das contradições nas relações de trabalho no meio urbano, retoma a concepção dualista do desenvolvido/subdesenvolvido, presente no pensamento isebiano, onde o universo

20É possível captar ainda mais o simbolismo da criação da nova capital, a partir do trecho do discurso

proferido pelo Dom Carlos Camelo de Vasconcelos Mota durante a missa, quando o cardeal realizou uma interessante analogia entre a formação médica do presidente Kubitschek e o ato de transferência da capital do país: “V. Excia acertou no diagnóstico e na terapêutica dos males da nacionalidade. Descobriu a etiologia dos males do Brasil, ou seja, a ectopia do coração; isto é, cardioptose, ou deslocamento do coração para baixo. E V. Excia deliberou a realizar a cardiamastrofia ou

transposição do coração para o seu lugar fisiológico normal.” O Cruzeiro. A 1a missa em Brasília: ergue-se a cruz no Planalto, Rio de Janeiro, 18. Mai. 1957. p, 133.

rural seria a imagem escolhida para representar o atraso e o subdesenvolvimento (RIDENTI, 2010, p. 123).

A criação do ISEB remonta ao grupo de intelectuais denominado Grupo Itatiaia, que tinha na figura de Hélio Jaguaribe seu principal fundador. Em 1953, o grupo Itatiaia cria o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP), que de acordo com a revista Cadernos de Nosso Tempo, editada pelo instituto, tinha por objetivo “interpretar e debater os problemas de nosso tempo e do Brasil”. A Comissão Executiva da revista trazia nomes como Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos e Roland Corbisier, três importantes intelectuais que posteriormente integrariam o ISEB.

Considerando alguns elementos extraídos do primeiro volume da revista Cadernos de Nosso Tempo, podemos perceber as bases do que seria o pensamento isebiano a partir da segunda metade da década de 1950. O primeiro volume expõe a preocupação com o contexto global ao realizar uma análise minuciosa dos acontecimentos políticos envolvendo Estados Unidos e União Soviética, não sem antes referir-se ao momento de transição e crise, vivida durante a época pós-Segunda Guerra Mundial, em que está se processando a “perda de validade ou de vigência das crenças que pautavam a conduta das épocas precedentes”.

De acordo com a revista, as análises sociais, culturais e políticas, deveriam ser feitas pelo prisma da realidade brasileira, levando em consideração a posição nacional dentro do sistema global em emergência, o esforço deveria ser no sentido de “compreender o nosso tempo na perspectiva do Brasil e para compreender o Brasil na perspectiva do nosso tempo”21, em detrimento das “perspectivas dos interesses alienígenas”, característica do processo de “alienação colonialista”. Esta preocupação, em partir de uma perspectiva autenticamente nacional, é significativa no ideário nacionalista isebiano.

Em 14 de Julho de 1955, ainda sob o governo de Café Filho, que assumiu após o suicídio de Getúlio Vargas, a partir do decreto n° 37.608, foi feita a criação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, como um “curso de altos estudos sociais e políticos” com “plena liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra”, que teria por objetivo principal:

21Instituto Brasileiro de Economia Sociologia e Política. Cadernos do Nosso Tempo, São Paulo, 1953, ano 1,

[...]o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais, notadamente da sociologia, da história, da economia e da política, especialmente para o fim de aplicar as categorias e os dados dessas ciências à análise e à compreensão critica da realidade brasileira, visando à elaboração de instrumentos teóricos que permitam o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional22.

Apesar da heterogeneidade concernente a sua composição, o ISEB possuía algumas linhas gerais que podem ser percebidas no documento decreto que o instituiu como órgão ligado ao governo. Temas como a “realidade brasileira” e o “desenvolvimento nacional”, são elementos primordiais para compreender a formação da ideologia “isebiana”. Como destaca Toledo (1977), o ISEB se propunha, a partir da ideologia calcada na “realidade de base teórico-científica”, ou seja, na ideologização da produção teórica, construir o fundamento para um “pensamento brasileiro”, “autêntico” ou “não-alienado”, que visto pela perspectiva da totalização, confluiriam para ciências diversas, como a sociologia, a história, a política, a economia e a filosofia.

Desse modo, seria a ideologia nacionalista, o instrumento para conscientização da situação de subdesenvolvimento no qual o Brasil estava inserido. Só quando a sociedade brasileira adquirisse tal consciência é que seria possível iniciar o processo de “desenvolvimento nacional”, impulsionando a passagem de um estágio para outro, da nação subdesenvolvida para a desenvolvida. Contudo, a subordinação do país subdesenvolvido às nações que estariam no centro da ordem capitalista, teria raízes econômicas e políticas, mas, também agiria sobre a “consciência nacional” através das produções intelectuais que não teriam raízes na realidade da Nação.

Sobre esse aspecto, o discurso do isebiano Nelson Werneck Sodré, integrante do ISEB, pode ser esclarecedor. Ao realizar um estudo a respeito da “ideologia do colonialismo”, Sodré buscou identificar em escritores nacionais como Oliveira Viana, José de Alencar e Euclides da Cunha, a presença do que seria o pensamento colonizado, para ele, uma consequência do processo de expansão colonialista europeia, a partir do século XVI, que teria deixado a marca da alienação na cultura nacional. Imerso na atmosfera nacionalista, Sodré afirmou que esses escritores estariam inseridos na lógica da “transplantação cultural”, onde “a imitação, a cópia, a adoção servil dos modelos externos”, faziam-se notar tanto no campo

22 BRASIL. Decreto n° 37.608, de 14 de julho de 1955. Institui no Ministério da Educação e Cultura um curso de altos estudos sociais e políticos, denominado Instituto Superior de Estudos Brasileiros, dispõe sobre o seu funcionamento e dá outras providências. Diário Oficial, Rio de Janeiro, RJ, 14 Jul. 1955. Seção 1. p. 13.641. Acesso em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-37608-14-julho-1955-336008-