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O Brasil é Asa Branca: Roque Santeiro, a “Nova República” e a

CAPÍTULO 3 – O ESPAÇO NACIONAL ASABRANQUENSE DE ROQUE

3.2. O Brasil é Asa Branca: Roque Santeiro, a “Nova República” e a

Aproveitando o clima de abertura política iniciado efetivamente com a promulgação da Lei de Anistia84, a Rede Globo fez a segunda tentativa em colocar no ar a telenovela Roque Santeiro, em meados de 1979. De acordo com Dias Gomes, em declaração para o Jornal do Brasil, “baseados na esperança do processo de abertura”85, o texto havia sido reapresentado aos censores para a provável liberação com sua exibição prevista para março de 1980, quando a Rede Globo completaria quinze anos. Porém, novamente a “volta” de Roque Santeiro teve que ser adiada, apesar do clima de reabertura política, mais uma vez censurada pelo governo, como exposto nessa reportagem do jornal O Fluminense:

Todos vibraram com a “Abertura” política do presidente Figueiredo e chegou-se até a falar em abolição da Censura. De repente começou-se a falar que todos os textos retidos na Censura Federal seriam liberados e o País começaria a viver uma espécie de Renascença. Até a Globo, tão temerosa das ameaças e do zelo moralista da Censura, pensou logo em tirar algum partido da situação. E, assim, voltou a pensar na realização de Roque Santeiro […] Agora, quando tudo parecia ter terminado em mar de rosas, eis que a temida e misteriosa Censura volta a vetar a novela86.

Somente seis anos após a segunda tentativa de exibir a novela, a Rede Globo conseguiu levar Roque Santeiro ao ar, em 1985, na metade da década que ficou conhecida como a “década perdida”, devido aos sérios problemas sociais como desemprego, alta inflação e forte crise econômica que atingiam o país (DIAS, 2016, p. 256). No entanto, o período era também de abertura política, configurando um dos momentos mais relevantes da história do Brasil, que foi a eleição do primeiro civil, Tancredo Neves, para presidente da República, de forma indireta, após mais de vinte anos de regime militar. Antes, houve uma tentativa derrotada no Congresso Nacional, através da emenda de Dante de Oliveira, de eleições diretas pra o cargo de presidente. Foi o próprio Tancredo quem cunhou o termo “Nova República” para designar o período que se iniciava. Apesar de um certo otimismo com a nova conjuntura que estava por vir, o presidente recém-eleito adoeceu gravemente no dia anterior a sua posse, marcada para 15 de março, vindo a falecer no dia 21 de abril de 1985, sendo seu cargo assumido pelo vice José Sarney.

84 Sancionada no dia 28 de setembro de 1979 pelo presidente em exercício João Figueiredo, a Lei da Anistia foi responsável por anistiar os presos políticos existentes no país que, de acordo com o Superior Tribunal Militar eram cinquenta dois ao todo, no que dezessete foram colocados em liberdade de imediato. Figueiredo sanciona Lei da Anistia com o n° 6683. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. 29 Ago. 1979, p. 5.

85 A volta de “Roque Santeiro”, o que nunca veio. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. 16. Jul. 1979. Caderno B, p. 9.

Nesse ano, o debate na opinião pública revelava o clima de transição e, de certo modo, esperança, que pairou sobre o país quando no dia 15 de março de 1985 Tancredo Neves foi eleito presidente. Antes da eleição, o PMDB, partido herdeiro da oposição ao regime militar, entregou, para o ainda não eleito presidente, um documento denominado “A Nova República” em que propunha uma série de medidas incisivamente reformadoras, a exemplo de eleições diretas para presidente já em 1985, formação de uma Assembleia Constituinte em 1986, eliminação de uma gama de impostos, criação do seguro-desemprego, apoio a agricultura e escola gratuita em todos os níveis. O documento foi recebido por Tancredo que afirmou ser ele o roteiro do seu provável governo, reafirmando o compromisso com mudanças profundas no país em crise87.

No Jornal do Brasil, dias antes da eleição, a escritora Ana Maria Machado publicou um texto cujo título era Na Dança da Esperança: “Dia 15, terça feira, somos todos nós uma alegria só. Tancredo sobe, Tancredo chega, tancredançamos”, escreveu Machado, afirmando ter uma “tímida crença de que as coisas podem melhorar” e colocando como uma das causas o programa da “Nova República” que a fazia sentir “um calorzinho de alegria no peito”88.

Após eleito, Tancredo Neves discursou na Câmara dos Deputados, fazendo um chamado para um “mutirão nacional”, reafirmando a necessidade e sua disposição em promover uma ruptura com os mais de vinte anos anteriores em que o país esteve sob domínio dos militares: “mudanças políticas, mudanças econômicas, mudanças sociais, mudanças culturais, mudanças reais, efetivas, corajosas e irreversíveis”. Por fim, fazendo referência a memória de Tiradentes, segundo ele, “aquele herói enlouquecido de esperança”, tomado de um ufanismo, enfatizou que “poderemos fazer desse país uma grande Nação”.

Dias Gomes, em depoimento para o Jornal do Brasil, expressou a expectativa que tinha a respeito do novo momento vivido pelo país em relação a cultura. Para ele, deveriam ser “criados estímulos à construção de novos teatros”, aproximando o povo da cultura, tornar possível esse projeto seria a tarefa de agora, o que facilitaria “o reencontro do país com ele mesmo”, através da cultura. “Esperança é o que não falta89” finalizou o dramaturgo. Desse modo, em sintonia com a Nova República, Roque Santeiro ressurgiria na televisão meses depois de Dias Gomes dar essa declaração esperançosa para o jornal.

87 PMDB leva o plano da “Nova República” para Tancredo Neves. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. 7. Jan. 1985. 88 MACHADO, Ana Maria. Na Dança da Esperança. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. 11. Jan. 1985.

89Dias Gomes espera liberdade e espaço maior para criação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro. 16. Jan.

A partir de maio de 1985, os jornais passaram a anunciar a nova novela das 20h na Rede Globo. Além de destacar a incorporação de Aguinaldo Silva na escrita da novela, em parceria com Dias Gomes, o Correio Brasiliense reportou as possíveis mudanças que ocorreriam em Roque Santeiro comparado a versão censurada de 1975. De acordo com o jornal, haveria uma “atualização, já que a história era passada na década de 60, tendo sido trazida para os anos 80”90. Outra mudança seria a localização da cidade fictícia de Asa Branca, cenário da trama, “originalmente na Bahia, e agora em um lugar pouco definido”91. O mesmo jornal, no dia 2 de junho, mês de estreia da novela, abordou uma espécie de “desregionalização” que ocorreria em Roque Santeiro: “Será uma história bem brasileira, contudo, a preocupação dos seus dirigentes é que “não regionalizem” a um tipo específico e deverão abranger vários ao mesmo tempo”.

Essa desregionalização parece ter sido realmente a preocupação daqueles que participaram da produção da telenovela. Ao falar sobre a escolha da trilha sonora, com músicas encomendadas especificamente para sonorizar a trama, uma prática que havia sido esquecida e estava sendo retomada em Roque Santeiro, o responsável pela trilha, Mariozinho Rocha, afirmou que a “grande preocupação dessa trilha foi de não regionalizar, não fazer um som nordestino ou do Sul, mas sim algo com uma brasilidade muito grande, porque essa é também uma das propostas da novela”92. O produtor entrou em contato com diversos compositores para que compusessem e interpretassem temas especiais para os personagens da novela93.

Outros aspectos desregionalizantes podem ser percebidos ao se comparar as duas versões de Roque Santeiro. Além da abertura, que na primeira versão fazia referência a literatura de cordel e na segunda se aproxima mais de algo “tropicalista”, com figuras que remetem ao mundo rural, misturando-se com referências tropicais, selvagens e imagens de uma sociedade urbanizada, a exemplo de um engarrafamento de automóveis, a trama da primeira versão trazia um personagem cangaceiro, enquanto a segunda versão, de acordo com

90O Roque Santeiro de Aguinaldo Silva. Correio Braziliense, Distrito Federal. 24. Mai. 1985.

91 O Roque Santeiro de Aguinaldo Silva. Correio Braziliense

92A trilha sonora da novela Roque Santeiro. Correio Braziliense, Distrito Federal. 19. Jun. 1985.

93Das doze composições da trilha sonora, A Outra, composta por Ivan Lins e interpretada por Simone, Sem

Pecado e Sem Juízo, composta por Baby Consuelo e Pepeu Gomes, Mistérios da Meia Noite, autoria de Zé Ramalho e Santa Fé, composta por Moraes Moreira e Fausto Nilo, foram especialmente compostas para a telenovela.

sua sinopse, refere-se a esse personagem como sendo chefe de um bando. Contudo, como veremos mais adiante, apesar dessa intenção em deslocar a telenovela do regional para o nacional, a versão de 1985 ainda possuiu temas, imagens e enunciados marcadamente regionais.

As gravações de Roque Santeiro foram feitas em três locais diferentes: em estúdio, na cidade cenográfica montada em Guaratiba, cidade próxima ao Rio de Janeiro, e em uma fazenda na cidade de Vassouras, também no estado do Rio. Na época o número planejado de capítulos era de 155, quantidade que foi estendida ao final para 209. Escrita por Dias Gomes, do capítulo 1 ao de número 51, depois do 162 ao último, e Aguinaldo Silva, que escreveu os capítulo intermediários, do 52 ao 161, Roque Santeiro teve ainda a colaboração de Marcílio Moraes e Joaquim Assis. A direção foi dividida entre Paulo Ubiratan, Jayme Monjardim, Marcos Paulo e Gonzaga Blota e a concepção cenográfica ficou por conta de Mário Monteiro.

A estreia de Roque Santeiro aconteceu no dia 24 de junho o jornal Folha de São Paulo publicou matéria em que abordava a escolha da TV Globo em retomar a telenovela, que havia sido proibida pela censura. De acordo com a reportagem, “nada melhor do que a proibida Roque” que seria uma espécie de homenagem a “Nova República”, um marco do “começo de um novo tempo”, após o período de “repressão severa a que eram submetidos os meios de comunicação”. Na sequência da matéria, Dias Gomes fala sobre o caráter da novela que seria “uma história brasileira, de um jeito bem brasileiro, despida de modelos estrangeiros”. O coautor Aguinaldo Silva, falou a respeito da dupla autoria: “O desafio é escrever uma história que é do Dias, tenho que me transformar numa espécie de cavalo para receber o santo Dias”, declarou Aguinaldo94.

A identificação da telenovela Roque Santeiro com uma determinada “brasilidade”, colocando-a como representativa de uma “autêntica” imagem da “Nação”, foi frequentemente salientada pelo autor e meios de comunicação que repercutiram a ficção televisiva, era como se a cidade fictícia de Asa Branca passasse a ser entendida como uma alegoria do Brasil, como um espelho que ao mesmo tempo refletia o “ser” nacional, imutável, essencial, e também o momento político da “Nova República”. Sobre essa questão, em entrevista para o programa Advogado do Diabo exibido pela TV Educativa do Rio, ao ser perguntado sobre a forte identidade que Roque Santeiro acabou consolidando com o Brasil, Dias Gomes declarou que “não é Asa Branca que é a cara do Brasil, é o Brasil que é a cara de Asa Branca. É o

contrário. Acho que o Brasil imita Asa Branca”. Assim, qual seria essa “cara” do Brasil que é mimetizada por Asa Branca? Ou não seria melhor falar em quais caras? “Como” era Asa Branca?

Asa Branca95 era uma cidade localizada no interior do país, com o número de habitantes em torno de trinta mil, de acordo com Jiló, guia turístico e ajudante na loja do senhor Zé das Medalhas, principal comerciante de artefatos religiosos do local e marido da Dona Lulu, testemunha do primeiro milagre de Roque Santeiro que, quando criança, foi curada de uma grave enfermidade as margens do rio Cajuarana pela lama milagrosa do mangue onde, supostamente, teria sido encontrado o corpo sem vida do herói. Assim como alguns prósperos habitantes, apesar de um alto índice de analfabetismo e mortalidade infantil, principalmente na Vila Miséria, local onde o Padre Albano luta contra as injustiças sociais, seu Zé das Medalhas é o reflexo da cidade que está em franca ascensão econômica devido ao fluxo constante de romeiros e turistas que vão em busca de conhecer a história do mito Roque Santeiro, além de adquirir algumas relíquias sagradas.

O prefeito Florindo Abelha, homem de caráter fraco, que por ser barbeiro alterna sua vida entre a prefeitura e a barbearia, acaba de trazer do Rio de Janeiro para a praça central da cidade, espaço vital de qualquer “cidadezinha” do interior, a estátua que será inaugurada com direito a discurso do Professor Astromar, o “Ruy Barbosa de asa Branca”, Presidente do Centro Cívico Asabranquense, e sob os olhares encantados da maioria dos habitantes (menos do cego cantador Jeremias), incluindo a filha do prefeito, Mocinha, casta e histérica, e suamãe, Dona Pombinha, de temperamento forte e dominador, ambas beatas fervorosas, visitantes assíduas da igreja e do Padre Hipólito, típico padre do interior, paternal e retrógrado.

As duas não veem com bons olhos a chegada à cidade da boate Sexus, moderna casa de shows, que possui duas dançarinas vindas de fora, Ninon e Rosaly, e que em breve será inaugurada por Matilde, também dona da Pousada do Sossego, antes um convento de freiras, agora transformado no principal local de pouso da cidade, muito movimentada ultimamente, pois, hospedada no local, está uma equipe de filmagem composta pelos técnicos, pelo diretor Gerson do Valle, pelo ator Roberto Matias e a atriz Linda Bastos, além de seu esposo Tito,

95Toda a descrição dos personagens, da cidade e dos acontecimentos expostos abaixo, tomou como referência

que vieram filmar A Saga de Roque Santeiro, filme sobre a vida e morte de Roque Santeiro, o mito transformado em estátua que sustenta todo o progresso de Asa Branca.

Há alguns quilômetros do centro da cidade, o coronel Sinhôzinho Malta, que não gosta de ser assim chamado, chefe político e maior poderio econômico de Asa Branca, exportador conhecido como o “Rei da Carne Verde”, negocia para construir o primeiro aeroporto da cidade, que por alguma coincidência, passará por dentro das extensas terras onde está sua fazenda. Sinhôzinho Malta está prestes a casar com a viúva Porcina, mulher luxuosa, extravagante e autoritária que, de acordo com ela, casou-se com Roque Santeiro quando o mesmo visitara a cidade em que vivia, Pouso Alegre, tornando-se, por isso, a segunda autoridade de Asa Branca, atrás apenas do seu futuro esposo. Na casa da fazenda, a filha de Sinhôzinho, Tânia, jovem bonita e obstinada, conversa com o jagunço Terêncio, homem de confiança capaz de fazer qualquer coisa que seu patrão mandar.

Toda essa movimentação religiosa, patrimonial e fílmica, teve sua origem há dezessete anos, quando Asa Branca ainda era uma vila. Nesse tempo, apareceram na pequena localidade, um bando de criminosos fugitivos liderado pelo bandido Navalhada, que ocuparam a prefeitura e pediram uma enorme quantia em dinheiro para deixar o local. O único homem rico da vila, Sinhôzinho Malta, não possuía tal quantia, apenas a metade, foi quando apareceu Roque Santeiro, um jovem ex-sacristão que era conhecido pela sua habilidade em modelar santos de barro. Roque teria se oferecido para mediar a situação, levando o dinheiro até Navalhada e convencendo-o a deixar a cidade. Porém, a situação se agravou quando o criminoso recusou a quantia e afirmou que iniciaria um saque na vila, o que levou a que Sinhôzinho e toda população empreendesse fuga do local. Roque, então, mobilizou-se no sentido de defender a igreja, onde havia algumas relíquias religiosas. No momento da invasão, Roque se postou a frente do templo solitariamente, quando foi travado um duelo desigual com o bando. No momento do retorno, a população só encontrou do santeiro o corpo destroçado, apenas restos atirados no rio.

Dezessete anos depois que o santeiro tornou-se “um homem debaixo de um santo”, com a ampla divulgação do acontecido, Asa Branca tornou-se um centro de romaria, se desenvolvendo sob a sombra do mito Roque Santeiro, que teria sido martirizado defendendo a igreja. A indústria de artefatos religiosos e a fabricações artesanais como os cordéis movimentam o comércio enriquecendo pessoas e dando origem a figuras poderosas como a Viúva Porcina, que teria se casado com Roque quando o mesmo havia visitado sua cidade natal e dezessete anos depois, explorando a imagem do seu suposto marido morto, tornando-

se uma das pessoas mais ricas de Asa Branca só perdendo em fortuna para seu protetor Sinhôzinho Malta.

Porém, como na parábola do filho pródigo, Roque Santeiro um dia reaparece na cidade, como um homem vivo, moderno e arrependido. Dezessete anos antes, quando foi mediar o conflito com o bandido Navalhada, havia convencido o criminoso a desistir da empreitada. Na realidade, o bando nunca atacou a cidade e Roque, com o dinheiro que havia sido arrecadado para ser entregue a Navalhada e com o ostensório valioso da igreja, fugiu para outro país, multiplicando o dinheiro roubado e enriquecendo, apesar de viver remoído pelo remorso. Sua volta a Asa Branca foi motivada por esse sentimento, que agora pretendia transformar em benefício para a cidade e seus habitantes. Roque não tinha ideia do que haviam feito da imagem, nem do que ele, morto, significava para aquela cidade em pleno desenvolvimento.

A fabulosa estória de Roque Santeiro e sua fogosa Viúva. A que era sem nunca ter sido, é o nome original da telenovela, de acordo com sua sinopse, o que se convencionou resumir para Roque Santeiro. O título deixa evidente um dos elementos principais que dão sentido a narrativa: a farsa. Gênero literário que tem sua origem no teatro medieval. De acordo com Machado (2009), eram a formas cômicas de representações teatrais que se alternavam com as peças religiosas, onde o riso seria o objetivo principal. A partir do século XV, as farsas passaram a incorporar em suas narrativas a questão do “golpe”, da trapaça, colocando em cena “personagens populares, tomados de empréstimo a realidade cotidiana do povo”(MACHADO, 2009) personagens que vivem dentro da narrativa possibilidades de inversão das situações entre o enganador e o enganado.

Tal circunstância farsesca de Roque Santeiro, correntemente era relacionada ao momento de transição do qual vivia o país96. Os “milagres” do regime militar, a exemplo do “milagre econômico”, exaltado pelo governo militar do início da década de 1970, pareciam estar agora sendo revistos pela mira de Asa Branca através da lente da Nova República, assim, atualizados como farsa: “são óbvias as referências ao limbo dos anos do milagre econômico”, ressaltou o crítico de televisão Nelson Pujol Yamamoto. Ainda, segundo o crítico, com a

96Um olhar mais atento para algumas cenas em que a cidade de Asa Branca aparece, é possível observar

inscrições nos muros que podem ser entendidas como manifestações referentes ao período de transição pelo qual passava o país. Em uma dessas cenas, enquanto senhores jogam dominó, lê-se “Viva o PC do B”, “Abaixo a Ditadura” e “Tá todo mundo dando”, essa última destaca uma época transitória, entre um período de repressão e o que surge, potencialmente de maior liberalização dos costumes.

Nova República, Roque Santeiro foi “ao ar sem cortes, e, em vez de funcionar como parábola da situação vigente, como que mira o passado, debochando em um riso até vingativo dos anos escuros”97.

A fórmula criada por Dias Gomes teria sido, inclusive, tentada pelo SBT ao exibir a novela Uma esperança no ar, sobre uma pequena cidade, Tamandaré, que se via ameaçada em seu equilíbrio natural pela instalação de uma fábrica por um corrupto industrial sob a cumplicidade de um prefeito desonesto. Porém, de acordo com Yamamoto, apesar de “muitos ingredientes de Nova República”, ao consagrar “o repúdio aos anos de repressão no Brasil”, a telenovela terminava por ser “marcada pelo excesso de estratégias dramáticas e técnicas” que pareciam “copiadas da novela Roque Santeiro”, como, por exemplo, a ambiência em uma “cidade do interior, a mesma função de palanque da praça, o mesmo prefeito abobalhado e o mesmo padre de ideias avançadas”98. Contudo, diferentemente da Tamandaré de Uma esperança no ar, em Roque Santeiro são os milagres forjados e alimentados por autoridades, políticas e econômicas, corruptas, que dão o tom farsesco a própria existência de Asa Branca como uma cidade, que vem a ser ameaçada pela volta do “santo milagroso”.