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O nacional-popular integrado: cultura, televisão e o governo militar pós-64

CAPÍTULO 2 – A CULTURA NACIONAL CENSURADA? A PELEJA DE ROQUE

2.1. O nacional-popular integrado: cultura, televisão e o governo militar pós-64

Em janeiro de 1968, exercícios militares atravessaram o cotidiano de algumas cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Os jornais noticiavam aquelas movimentações belicistas ainda sem compreensão total do seu significado. O Jornal do Brasil reportava em 28 de janeiro, a interdição da praia do arpoador por parte dos militares, quando “três soldados armados com carabina impediam a passagem em direção às pedras”, causando certa indignação em parte dos banhistas que não se conformavam. De acordo com a reportagem, “muitos se perguntavam se havia ocorrido uma revolução”33, ao que os soldados respondiam com o mais angustiante silêncio. Na Tribuna da Imprensa, do dia 30 do mesmo mês, o mesmo esquema de “prontidão” do Exército era noticiado: “com soldados em praias, helicópteros em ação, sacos de areia, houve intenso movimento telefônico entre Rio e São Paulo. Quem mora lá queria saber o que está acontecendo aqui e vice-versa”34.

Para além do cotidiano do homem comum, das ruas, das praias, tais movimentações militares também foram objeto de suspeitas e indagações por parte da classe política, principalmente nas crescentes e cada vez mais agudas críticas que a oposição, representada pelo MDB e pela incipiente Frente Ampla, tendo como uma das lideranças o ex-governador do estado da Guanabara Carlos Lacerda, direcionava para um governo que cada vez mais sinalizava para o autoritarismo em defesa intransigente da continuidade de uma suposta “Revolução” iniciada em abril de 1964. Dessa forma, repetindo outros momentos de tensão na história da política nacional, Carlos Lacerda tornou-se nesse ano de 196835, um personagem central na crise política que recrudescia, ao ponto do deputado Marcos Kertzmann, liderança do partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) na época, declarar que o ex-

33Militares reduzem área para banhistas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 jan. 1968. p. 3.

34FERNANDES, Hélios. Em primeira mão. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 30 jan. 1968, p. 4.

35 Para percebermos a escalada da retórica assumida pela oposição aos militares nesse início de 1968,

basta observarmos o discurso proferido pelo ex-governador Carlos Lacerda na Assembléia Legislativa de Minas Gerais., quando afirmou: “já é tempo que o povo tome coragem, qualquer que seja o risco, para ser povo”, e logo em seguida teria dito que “O prestígio autêntico das Forças Armadas está se degradando com esse assalto ao poder”. Lacerda diz em minas que chegou a hora de o povo ter coragem de ser povo. Jornal do Brasil, Rio de janeiro, 18 jan. 1968, p. 3.

governador seria “infelizmente, o ultimo representante da sociedade brasileira frente a um Estado que, a cada dia, descerra novos traços de sua inclinação totalitária”36.

Não demorou para que os conflitos entre governo e sociedade se concretizassem no palco reivindicado por Carlos Lacerda em seus discursos: as ruas. Nesse ano, as greves organizadas pelos setores sindicais estouraram, algo que não acontecia desde o dia do golpe de 1964 (DUNN, 2009). No dia 21 de junho de 1968, estudantes universitários entraram em confronto com a polícia no Rio de Janeiro, tal cenário foi descrito em reportagem pela revista O Cruzeiro como “A cidade em caos, na sexta-feira sangrenta de 21 de junho, cuja a extensão e consequências não se pode medir”. A rebelião dos estudantes teria como reivindicações principais “verbas, vagas nas universidades, reformas do ensino, participação na gestão universitária, democratização dos estudos, atualização dos programas, incentivo às pesquisas e a queda das anuidades”. Os estudantes munidos de paus e pedras respondiam a repressão policial armada de bombas de gás lacrimogênio. Nesse dia, de acordo com a reportagem, o saldo teria sido de “um PM morto e um número ignorado de civis feridos à bala”37.

As movimentações militares, a degradação ascendente da relação entre governo e oposição e o cenário de guerra estabelecido nas ruas de algumas capitais, foram sinais que precederam o que seria o ponto alto da repressão política e cultural instituída pelo governo militar que se instalou no país após a derrubada do presidente trabalhista João Goulart, em 1964. Esta culminância se consolida em dezembro de 1968, quando o presidente Costa e Silva promulgou o quinto Ato Institucional, com uma série de medidas que ampliou o poder autoritário do governo militar sobre a sociedade e a classe política, decretando o recesso compulsório do Congresso por tempo ilimitado, nomeando interventores para os cargos de prefeito e governador, realizando uma série de cassações, suspendendo a garantia de habeas corpus e autorizando o Presidente a suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de dez anos38.

36Kertzmann já não nega atuação de Lacerda. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 ján. 1968, p. 3

37O difícil caminho do entendimento. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 6 Jul. 1968.

38No primeiro grupo de pessoas que tiveram seus direitos políticos suspensos pelo AI-5, constava onze

deputados federais, todos do MDB, um membro do Poder Judiciário, que foi aposentado

compulsoriamente e, evidentemente, aquele que se tornou um dos principais desafetos políticos do governo militar, o ex- governador Carlos Lacerda. Governo cassa CL e mais 11 deputados federais. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 31 dez.1968. p. 3

Nesse sentido o AI-5 tornou-se um marco dentro da repressão política e cultural durante o regime militar, inaugurando o período que ficou conhecido como “Os anos de chumbo”, encerrando um período, entre 1964 e 1968, em que efervesceu no âmbito cultural, produções e movimentos, a exemplo do Tropicalismo, que tentavam ressignificar-se e reafirmar-se enquanto oposição ao governo militar estabelecido após o golpe de 1964. Essa forte consolidação do aparato repressivo governamental, acontecia paralelamente com o fenômeno da expansão da indústria cultural no país, implementado pelo projeto autoritário de modernização do governo. Nesse processo, parte daqueles artistas e intelectuais que se filiaram a formação discursiva do nacional-popular antes de 1964, integraram-se ao circuito cultural mercadológico em franco desenvolvimento. A televisão como um dos motores do consumo da indústria cultural, torna-se, então, um espaço onde artistas, como o dramaturgo Dias Gomes, revivem de certa forma o sonho do nacional-popular, através da teledramaturgia (NAPOLITANO, 2014, p. 175).

De acordo com sua autobiografia, o ingresso de Dias Gomes na teledramaturgia veio através do convite do diretor da Rede Globo, José Bonifácio Sobrinho, o “Boni”. A partir de 1964, a censura que se abateu sobre as peças teatrais produzidas no país, atingiu fortemente as obras que o autor vinha produzindo, como O Berço do Herói e A Invasão. O caso da censura à peça O Berço do Herói é emblemático para compreender o estigma de subversivo que marcou Dias Gomes durante essa fase de sua vida e como a classe teatral foi a principal atingida pela censura nos primeiros anos do governo militar, pois, apesar de não ser um campo cultural de acesso amplo para as camadas populares, era um campo artístico para onde convergia intelectuais e artistas que formavam o bloco de oposição ao regime (NAPOLITANO, 2014, p. 100).

Escrita em 1963, a comédia-sátira39 O Berço do Herói, que inspirou a telenovela Roque Santeiro, da qual falaremos mais à frente, conta a história do Cabo Jorge, um estudante de direito que, convocado para a Segunda Guerra Mundial, decide desertar quando estava preste a partir para Europa. No entanto, o comandante de sua tropa escreve em relatório que Cabo Jorge havia morrido heroicamente em combate. Ora, com a noticia da morte do combatente, a cidade em que nasceu passa a se chamar Cabo Jorge e inicia um processo de desenvolvimento atrelado a sua memória heroicizada, a partir do turismo e da venda de

39Em coluna sobre o teatro no O Jornal, a peça é apresentada como “uma comédia-sátira de fundo

político, marcada vivamente por uma série de conotações dramáticas com certas realidades nacionais”. Formado o elenco de “O Berço do Herói. O Jornal. Rio de Janeiro, 9 Jun. 1965. p. 14.

“relíquias”. Porém, o progresso da cidade e o sucesso daqueles que aproveitaram o momento, fica à beira da destruição quando, anistiado, Cabo Jorge volta à cidade natal sem saber que sua falsa morte alimentou a boa vida de muitos dos seus conterrâneos, tornando-se um problema a ser resolvido.

Apesar de escrita dois anos antes, a encenação da peça O Berço do Herói teve que ser adiada após o golpe civil-militar de 31 de março. Publicada em 1965 pela Editora Civilização Brasileira, a estreia fora marcada para o dia 24 de julho no Teatro Princesa Isabel, no Rio de Janeiro, sob a direção de Antônio Abujamra. O elenco contava com atores consagrados da época como Milton Moraes, Tereza Raquel, Sebastião Vaconcelos e música de Edu Lobo em parceria com o próprio Dias Gomes. A peça que estava programada para as nove horas, foi proibida pela Censura Estadual às vésperas de sua encenação as cinco horas da tarde, mesmo com os originais, enviados quarenta e cinco dias antes, tendo obtido total aprovação dos censores. (GOMES, 1998, p. 216).

Na tentativa de desvendar as causas da censura, o autor relatou que os atores do elenco foram em busca de Carlos Lacerda, na época governador da Guanabara. No momento do encontro “mostrando-se pouco cortês”, o governador, o mesmo que alguns anos depois iria se tornar adversário político do regime militar ao ponto de ter seus direitos políticos cassados, teria assumido a responsabilidade pela censura40 alegando que, diferentemente do dramaturgo Nélson Rodrigues, que seria apenas “pornográfico”, Dias Gomes seria “pior”, pois “pornográfico e subversivo”, e “enxotando” os atores teria finalizado com a frase: “se quiserem fazer revolução, peguem em armas!”41 (GOMES, 1998, p. 220).

O episódio de censura a O Berço do Herói, um ano após o golpe militar de 1964, foi sintomático de como o autoritarismo do governo e de seus aliados, alguns temporários outros perenes, atingiu fortemente a classe teatral, nos anos iniciais do regime. Após a censura, em 9 de agosto de 1965, o jornal Tribuna da Imprensa divulgava o chamado de “representantes da classe teatral” para, “juntamente as demais categorias profissionais”, realizarem uma vigília

40 Na sua autobiografia, Dias Gomes relata que “alguns anos depois, totalmente esquecido desse episódio e já caído em desgraça, o mesmo Lacerda me mandaria um recado por intermédio de uma amiga em comum, a atriz Maria Fernanda: gostaria muito de escrever uma telenovela em parceria comigo”. GOMES, Dias. Dias Gomes: Apenas um subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 220.

41De acordo com outra coluna de O Jornal, após o encontro com os artistas, o governador Carlos Lacerda

teria ainda justificado alegando que “A obra estava toda deturpada, inclusive, seu título. Pela ideologia do autor e dos atores a história devia se chamar O Ninho dos Comunistas”. Berço ou ninho?. O Jornal. Rio de Janeiro. Contraponto, 12, Ago. 1965. p. 10.

naquele mesmo dia, as nove horas da noite, diante do Teatro Santa Isabel, visando manifestar- se contra a proibição da peça.

A solidariedade da classe artística em momentos de censura como esse, se tornara cada vez mais comum após 1964, caminhou paralelamente as revisões, desilusões, desterritorializações e autocríticas dos movimentos culturais e políticos que foram atingidos pela chegada dos militares ao poder. De acordo com Costa (2017), a fase dramatúrgica que o autor inicia após o golpe estava “sob o signo da autocrítica”, assim a autora entende que a peça O Santo Inquérito, por exemplo, escrita entre setembro de 1964 e janeiro de 1965, insere-se nesse sentimento coletivo de ter fracassado em seu projeto, que tomou as esquerdas nacionalistas no pós-1964:

“Havia dois temas no ar no período em que seguiu ao golpe de 1964: o arbítrio que se instalou no poder, e as modestas pretensões das vítimas do que se convencionou chamar de “terrorismo cultural” (dos intelectuais). Dias Gomes tentou tratar de ambos em O Santo Inquérito. Como a esquerda, Branca Dias sofreu as consequências de uma ação que lhe pareceu ditada por impulsos naturais: salvou a vida daquele que seria seu algoz. A trajetória de Branca Dias, posta em julgamento, propõe à esquerda (público progressista do teatro) a discussão de sua própria trajetória”. (COSTA, 2017, p. 110)

A busca por explicações para o fracasso do projeto revolucionário e a autocrítica, foram processos pelos quais setores à esquerda do campo político nacional teve que passar após o forte abalo ocorrido com a instauração do regime militar no país. A certeza do poder de conscientização popular através da arte, tão consolidada na mentalidade cepecista, por exemplo, o modelo nacional-popular de supervalorização do potencial do povo em concretizar uma revolução popular que se pensava iminente, o nacionalismo antiimperialista que lançava expectativas numa aliança com a burguesia dita nacional em prol das transformações profundas da sociedade, todas essas formulações e territórios que, no período anterior ao golpe, pareciam tão óbvias para os movimentos culturais e políticos da esquerda nacionalista, viram-se solapados e destruídos pelo golpe militar, em uma situação de desterritorialização onde o único caminho que parecia ser viável era o da busca de explicações para o fracasso (ALBUQUERQUE, 1994, p. 359).

Os primeiros a serem atingidos mais fortemente foram os movimentos que haviam tentado uma ligação mais forte e orgânica com as camadas populares rurais e urbanas, como o Centro Popular de Cultura da UNE, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros e os movimentos de alfabetização de base. O ataque do regime a essas instituições e iniciativas pedagógicas e culturais, foi identificado como sendo o primeiro momento repressivo no que diz respeito ao setor cultural (NAPOLITANO, 2014, p.100). Um exemplo dessa primeira

investida autoritária podemos observar no jornal Diário de Notícias de agosto de 1965, que abordou o inquérito aberto pelo General Álvaro Alves dos Santos com o intuito de investigar e condenar as atuações da UNE como entidade estudantil. O General lamentava não poder, naquela data, divulgar os dados do que seria “as atividades criminosas da malfadada UNE, que era filiada à União Internacional dos Estudantes, órgão do Partido Comunista sediado em Praga”. O cerco fechava-se principalmente sobre o setor cultural da entidade com foco no Centro Popular de Cultura e suas publicações que, de acordo com o general, seriam “verdadeiras obras-primas de propaganda revolucionária dentro da linguagem mais absurda possível, chegando sempre a pornografia mais reles e sem credenciais para penetração no meio do povo honesto e trabalhador”42.

Mesmo diante desse cenário de repressão, no qual submergiu os movimentos culturais de esquerda no pós-golpe, levando a um esgarçamento da formação discursiva nacional- popular, gerando por parte de alguns setores, autocríticas e reformulações de suas ideias e ações, algumas movimentações no âmbito cultural pareciam ainda resistir ao imperativo da realização de mudanças estratégicas, da mudança de formas e conteúdo nas produções culturais, que a situação de esgotamento daquela formação discursiva parecia colocar atingida que fora pelo processo de complexificação política e social que se acelerava na sociedade brasileira. Um exemplo desses setores culturais que insistiam em “sua antiga máscara” e resistiam em “simular novos territórios” (ALBUQUERQUE, 1994, p. 359) frente a condição que se descortinava, temos o Grupo Opinião formado em 1965 por dramaturgos que faziam parte do CPC da UNE, antes de sua extinção pelo governo militar, como Ferreira Gullar e Augusto Boal, que continuaram produzindo espetáculos dentro dos códigos de produção e expressão do nacional-popular.

O Show Opinião foi considerado uma das primeiras respostas no campo cultural ao golpe de 1964. Montado por Augusto Boal, a primeira formação do musical trazia Nara Leão, cantora de classe média conhecida pelas suas atuações como intérprete da Bossa Nova, o sambista Zé Keti, representante do samba do morro carioca e João do Vale, cantor popular maranhense. O show refazia o percurso da história de vida dos três artistas, através das músicas entremeadas com diálogos marcados pela crítica ao contexto político pós-golpe. Buscando retomar o espírito cepecista do nacional-popular, forjado na pretensa aliança entre as classes artísticas e o povo, de quem seria legítimo representante, e redirecionar a energia

dessa aliança artista-povo, contra o autoritarismo, estabelecendo uma posição, marcando uma opinião, os dramaturgos concebem o Show Opinião. A música Carcará, composta por João do Vale e José Candido, tornou-se um dos momentos altos do show, referindo-se a emblemática figura do retirante nordestino, a partir de sua fusão com a imagem da ave típica do sertão, retomando o imaginário e os discursos que marcaram as produções culturais nacionalistas de esquerda no início dos anos sessenta. A performance tornou-se marcante a voz de Maria Bethânia substituiu Nara Leão em medos de 1965:

“A interpretação de Bethânia, incluída em seu primeiro LP, Maria Bethânia (1965), termina em um crescendo dramático com uma declamação indignada das porcentagens de migrantes forçados a sair dos estados nordestinos mais pobres. Apesar de a canção não se referir diretamente ao regime no poder, ela representava uma crítica contundente à pobreza rural” (DUNN, 2009, p. 75)

Apesar do tom de protesto e da recepção um tanto quanto calorosa do público, composto principalmente pela classe médica estudantil (HOLANDA, 1981), o Show Opinião recebeu algumas críticas referentes a insistência na romantização do povo enquanto agente transformador, como também, pela esperança depositada nessa aliança de classes e na linha ainda nacionalista e populista de sua realização, no mesmo momento em que essa perspectiva era reavaliada nos processos de autocrítica e reflexão que se iniciavam na esquerda.

O depoimento do cineasta Cacá Diegues contido no livro Patrulhas Ideológicas (1980), que reuniu uma série de entrevistas de artistas e intelectuais que viveram tanto o momento nacionalista antes de 1964, como os processos de autocritica após o golpe, é revelador da mudança de mentalidade que ocorreu. Para Cacá Diegues, houve uma espécie de desencanto com o projeto nacional-popular que requeria um “esforço de mobilização e conscientização, levar o país a um sistema social mais justo”. De acordo com ele, a ideia de um “povo” a conscientizar se transformara no seu “público”: “meu povo é o público que entra no cinema”. No que se refere a importância da ideia de “nação” e da expectativa de uma aliança nacional, a visão do cineasta na época da entrevista, é também sintomática da consolidação do processo de autocritica e transformação das percepções que eram hegemônicas no campo das esquerdas na década de sessenta:

A gente acreditava que existia nação…Inclusive, uma palavra de ordem política era a aliança nacional com a burguesia e aquelas coisas todas da época. Esse tipo de populismo foi gerado por essa construção ideológica que tem que ser explodida agora, senão fica tarde demais. (HOLANDA, 1980, p. 21)

Em certa medida, convergindo com o depoimento de Cacá Diégues exposto acima, surgem nesse momento pós golpe, outros movimentos culturais que buscaram descolar-se dos esquemas e modelos nacionalistas, ao problematizarem em suas produções os mitos da nação e a romantização do “povo” como sujeito revolucionário, tão presentes na formação discursiva do nacional-popular. De acordo com Albuquerque (1994), é o momento em que o populismo herdeiro de Vargas passa “a ser exorcizado numa verdadeira rebelião edipiana contra a presença do pai”. Esse processo de autocritica e desterritorialização teve como uma de suas vigorosas expressões o movimento que tomou força a partir de 1967 e ficou conhecido como Tropicalista, composto por músicos como Caetano Veloso, Maria Betânia, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e os poetas Torquato Neto e José Carlos Capinan, um movimento que apesar da consolidação no campo da música popular brasileira, também encontrou expressões no cinema, literatura, teatro e artes plásticas43.

Na segunda metade da década de sessenta a televisão, através da TV Excelsior, Rede Record e Rede Globo, colocava no ar os festivais de música, que tiveram grande audiência em pleno regime militar, proporcionando o fortalecimento da televisão como meio de comunicação e entretenimento, ao mesmo tempo que evidenciava novos talentos da música popular brasileira e premiava em dinheiro as melhores composições. Em clima de competição efervescente, os festivais comportavam uma plateia composta em sua maioria por jovens universitários de classe média que escolhiam suas composições preferidas, escolha que muitas